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O filme francês O Homem que Ri (2013), dirigido por Jean-Pierre Améris, também diretor do filme Românticos Anônimos (2010), e estrelado por Marc-André Grondin (Che 2 – A Guerrilha), é uma adaptação cinematográfica da obra do dramaturgo Victor Hugo, mais conhecido pelos romances Os Miseráveis e O Corcunda de Notre-Dame. O escritor compunha as obras com elementos do grotesco com abordagem política e social, por conta de seu engajamento político e ativismo pelos direitos humanos na França.

A trama gira em torno de Gwynplaine, conhecido como o “homem que ri”: quando o garoto tem o rosto desfigurado deixando-o com uma cicatriz na boca, parece estar sempre sorrindo. Ainda criança encontra Déa (Christa Theret), uma menina cega e perdida, e ambos são acolhidos por Ursus (Gérard Depardieu), que juntos encontram no teatro de rua um meio de sobreviver na aristocracia do século XVIII. 

No que é perceptível, a preocupação e empenho na produção das roupas, cenário e maquiagem, principalmente a cicatriz do protagonista, está excelente, mas é claro o descuido do roteirista no desenvolvimento da história e a relação dos personagens com os acontecimentos. A ambientação do longa-metragem é bem sucedida devido a uma boa direção de arte e figurino, que são os pontos fortes da produção, retratando de maneira fiel os costumes da época. As atuações de Marc-André Grondin e Gérard Depardieu são envolventes e coerentes em relação ao que o filme propõe: uma simplicidade no enredo inserida em robustas críticas à nobreza e ao governo. No entanto, a história é mal desenvolvida, alguns assuntos não são bem resolvidos, e no fim o telespectador tem dificuldade de unir os núcleos. 

Um bom exemplo é a ascensão de Gwynplaine no poder, que no filme é feita repentinamente e sem explicação prévia. Em contrapartida, é exatamente devido a essa elevação social que é aberto um espaço no parlamento para o personagem expor diretamente sua crítica à monarquia e ao sistema de governo que resulta na desigualdade econômica que o próprio protagonista vivenciou desmoralizando as pessoas envolvidas nesse sistema. E ele também ressalta nesse discurso o fato da nobreza financiar espetáculos para se divertir com base na humilhação alheia e no massacre moral de quem é exposto. Outro exemplo de falha de desenvolvimento é a falta de comprometimento com personagens secundários, uma vez que há um número considerável de personagens que entram e saem de cena como sendo um mistério para o público sobre sua trajetória e motivações.

A questão do engajamento político de Gwynplaine só aparece em momentos específicos, o que torna fraca a ênfase de tal característica do personagem em algumas partes, e destoa do forte comprometimento na cena do Parlamento. Por fim, há também a má realização da cena final. A tragédia que acontece no fim é poética em teoria, mas na prática ela foi realizada de forma tosca com efeitos visuais ruins que não fazem sentido para simplicidade e teatralidade que o filme apresentou ao telespectador nos momentos anteriores. 

A cena final pecou com a falta de sentimento em sua realização, tanto da parte de direção dos atores quanto visualmente, que deixou de lado enquadramentos em plano detalhe e perspectiva, que são comuns em cenas de tensão e drama, trocando-os por planos abertos com efeitos de edição que desviam o olhar de quem assiste, deixando no ar uma sensação de descaso com o trágico fim dos personagens. 

“O Homem que Ri” é um filme artístico com uma ótima contextualização, e boa harmonia entre o melodrama e a comédia. No entanto ela é mal abordada pelo roteirista, que não soube entrelaçar os acontecimentos no decorrer da história e fazer uma adaptação que mantenha a essência e o significado do livro de Victor Hugo. É descontente para o telespectador que leu e conhece o livro que deu origem ao filme, pois o diretor tinha uma obra-prima nas mãos e infelizmente não fez jus à mensagem que o autor queria transmitir aos seus leitores.