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Edição nº 3 – Junho de 2015

Crédito: Pablo de Souza

Crédito: Pablo de Souza

A dança contemporânea é o resultado de uma mistura de linguagens artísticas. Em entrevista à Arruaça, Alex Ratton, diretor da Cia. de Damas em Trânsito e os Bucaneiros, conta quais são os desafios enfrentados por quem se dedica à dança profissional em São Paulo.

O que o motivou a entrar no universo da dança? Quais foram seus estímulos iniciais?

Nasci em Catanduva, interior de São Paulo, 50 anos atrás. Não tinha acesso à dança e ao teatro, e a área cultural era mais restrita. Só conhecia a televisão, por isso decidi cursar Rádio e Televisão, pois era o que mais se aproximava do universo artístico. Conheci o Estúdio Nova Dança quando comecei a fazer um curso para atuação e direção de atores. Eu tinha 30 anos na época, e o que se ouvia era que o bailarino começa a se aposentar nessa idade. No entanto, a maneira de eles olharem a dança era diferente, o que chamou minha atenção. Foi, então, que descobri uma nova maneira de trabalhar com o corpo e misturar as linguagens de dança, teatro e cinema. Absorvi muitas técnicas energéticas de fluxo de energia e de artes marciais, e vi que havia um universo imenso para ser explorado. Foi nesse momento que eu larguei minha profissão e entrei no universo da dança.

Como surgiu a Cia. Damas em Trânsitos e os Bucaneiros?

Surgiu no Estúdio também. Em 2006, eu era professor, e me juntei a um grupo de alunos para criarmos a Cia. Damas em Trânsitos e os Bucaneiros. Já havia um interesse comum em utilizar espaços não convencionais. Esse trabalho começou a ser desenvolvido utilizando a improvisação, e, posteriormente absorveu a linguagem de contato corporal. Nós percebemos que essa técnica era muito boa para ser aplicada nas ruas, pois treinamos o corpo para ser maleável e se adaptar em qualquer situação, como uma escada, um vão ou uma grade.

Quais foram ou são suas influências na dança? Quais são suas referências profissionais na área?

Apresentação do espetáculo Puntear da Companhia Damas em Trânsito e Os Bucaneiros, ocorrida na Centro Cultural São Paulo em 25/01/2009 | Crédito: Pablo de Sousa/Cia de Luz

Apresentação do espetáculo Puntear da Companhia Damas em Trânsito e Os Bucaneiros, ocorrida na Centro Cultural São Paulo em 25/01/2009 | Crédito: Pablo de Sousa/Cia de Luz

A dança contemporânea apresenta uma característica que é beber todas as informações que existem. Muita coisa já foi feita e pesquisada e ela tem essa vantagem de poder misturar tudo isso. As influências são desde as artes marciais, como o Aikido, até os trabalhos de fluxo de energia. Além disso, também usamos uma técnica de respiração japonesa, chamada Sokushin Kokyu Ho, além de praticar yoga. Por fim, para citar uma pessoa em específico, eu diria que a coreógrafa alemã Pina Bausch me inspirou bastante. Ela dançou durante muito tempo, mas nos últimos trabalhos só dirigiu os espetáculos. Na década de 1960 foi uma das primeiras a introduzir a linguagem do teatro, o que causou uma revolução na maneira de ver a dança na época.

É possível viver de dança no Brasil?

Não é nada fácil, mas sim é possível, eu vivo de dança.

E quanto aos incentivos públicos ou privados?

Apresentação do Espetáculo Duas Memórias, da Cia Damas em Trânsito e os Bucaneiros, ocorrida na Estação da Luz em Abril de 2010. | Crédito: Pablo de Sousa/Cia de Luz

Apresentação do Espetáculo Duas Memórias, da Cia Damas em Trânsito e os Bucaneiros, ocorrida na Estação da Luz em Abril de 2010. | Crédito: Pablo de Sousa/Cia de Luz

Existe um edital aberto da Prefeitura de São Paulo de fomento à dança e esse incentivo é muito concorrido. O projeto é inscrito e, caso ele seja aprovado, recebemos o dinheiro para apresentar. No âmbito do Estado tem o Proac, no entanto é mais difícil, pois como envolve o Estado, a concorrência é bem maior. Existe a Lei Rouanet, que envolve o governo federal e a empresa privada. Conseguir a liberação pelo governo é fácil, o difícil é conseguir pelas empresas. Para quem tem um nome forte no mercado, o incentivo privado é conquistado com mais facilidade, pois elas buscam nomes conhecidos para fazer o marketing. Por fim, outra grande fonte é o Sesc. Fazemos muitos trabalhos lá, e funciona de maneira bem legal. São várias unidades em São Paulo que sempre têm programação e eles dão espaço para a dança contemporânea e para todas as áreas.

Como você vê o espaço que a dança contemporânea ocupa no cenário artístico e cultural na cidade de São Paulo, especificamente, e no Brasil, de modo geral?

Falar de dança é bem amplo, existem as linguagens tradicionais, como balé clássico, até as fora do mainstream, como o hip hop. A dança contemporânea é um segmento desse leque; é nova, está crescendo muito e ganhando espaço em razão da lei do fomento. Quando eu comecei, a lei não existia, ela foi uma luta da classe, uma vitória suada. O fomento ao teatro saiu antes, pois eles estavam mais organizados, e na sequência saiu o nosso. Então, a lei, hoje, é mais focada na dança contemporânea e agora ela está se abrindo para os outros estilos.

Que tipo de preparo técnico um bailarino precisa ter depois de se profissionalizar? A que tipo de treinamento corporal você se submete ainda hoje?

Crédito: Clarissa Lambert

Crédito: Clarissa Lambert

Nós trabalhamos com um treinamento básico, independentemente, dos espetáculos e com um específico para cada apresentação. Um dos básicos é o contato e improvisação dois a dois. Outra técnica é a BMC – Body Mind Centering, da americana Bonnie Bainbridge Cohen, desenvolvida nos anos 1940. Ela pesquisou, profundamente, os sistemas do corpo e como acessá-los de formas diferentes. Essa técnica faz uma diferença enorme na qualidade do movimento do bailarino. Também tem a respiração japonesa, yoga e alongamentos.

O projeto que você dirige tem uma proposta diferente de um espetáculo convencional de utilização do espaço público e consequente interação social. Quais são os objetivos maiores desse projeto?

Nossa Cia. tem no portfólio quatro espetáculos. Os dois primeiros são feitos para a rua, ao passo que os outros são feitos para espaços abertos em geral.

Quando a Cia surgiu, os integrantes só tinham contato um com o outro nas aulas do Estúdio e decidimos nos conhecer melhor. Como cada um era de uma cidade diferente, nós fomos visitar lugares importantes da infância e da adolescência. Foi assim que começou o interesse de fazer os espetáculos em ambientes externos. Nós percebemos que as praças ou ruas já eram cenários prontos.

Crédito: Alessandra Haro

Crédito: Alessandra Haro

Qual a reação das pessoas que assistem aos espetáculos ou que transitam ao redor de onde vocês se apresentam? Já houve algum caso curioso durante as apresentações?

As reações são as mais diversas quando a gente faz esses espetáculos na rua. Desde gente que quer participar e interagir, até pessoas que se assustam de alguma forma e a primeira reação é a repulsa. Contudo, todas elas são espontâneas. Um caso bem interessante aconteceu durante uma apresentação de Duas Memórias na Estação da Luz. Nós tínhamos um piano e sempre alguém ia ver ou mexer nele, uma hora chegou um morador de rua e começou a tocar música clássica durante o espetáculo. Foi um momento muito emocionante para todos que estavam ali, já que ninguém esperava que isso fosse acontecer.

Sobre os espetáculos:

  • Puntear é o que mais fazemos, pois ele é muito livre, maleável; ele cabe em qualquer espaço, ele acontece na rua, na praça ou em algum lugar muito cheio, ele, também, acontece com deslocamento no espaço e tempo ou no mesmo lugar e tem a duração que a gente quiser, pode ser 5 minutos ou 2 horas. Quando feito na rua, ele utiliza os elementos dela como som, fluxos, interferências, espaço. É um espetáculo bem amplo.
  • Duas Memórias, menos amplo, teve a música focada na Chiquinha Gonzaga, com possibilidade de improvisação. Foi na Estação da Luz, pois tem muita circulação de pessoas, e uma diversidade muito grande. Envolveu uma dança moderna com um lugar antigo e tem as duas memórias, a que está se formando agora e a que já existiu. Esse espetáculo tinha pequenos nichos mas não tinha uma ordem fixa para acontecer, existiam cenas pré-determinadas mas a escolha da ordem era livre.
  • Lugar do Outro se utilizou da experiência da rua mas foi encenado em um espaço delimitado. Colocamos o público em pranchas de quatro metros com quatro cadeiras cada uma, e elas se deslocavam durante o espetáculo criando diversas formações. Isso causa o mesmo efeito da rua, pois o público não é estático. Foi uma maneira de fazer as pessoas ver a dança também em movimento.
  • Espaços Invisíveis foi encenado dentro do Paço das Artes na Cidade Universitária, e queríamos ter mais possibilidades de interações e liberdade com o público. Então, as pessoas poderiam assistir a pé, de bicicleta ou nas pranchas. Começava com o espaço fechado e quando as pessoas tinham a liberdade de andar e assistir de onde quisessem. A ideia era transmitir a sensação de quando você chega a um lugar novo, com olhar de descoberta e de novidade.