Fábio Tagliaferri é um bom exemplo de como algumas pessoas já nascem com um dom para certas atividades, e inaptidão para outras. Desde cedo, deu-se muito bem com a música e muito mal com os estudos. Aos 18 anos, havia repetido três vezes de ano na escola e tocava violão, guitarra e violino. Decidiu seguir seu lado artístico e passou a se dedicar exclusivamente à musica, mas o desgosto pelo estudo continuou a dar o ar da graça.
“Realmente a faculdade não era a minha, eu sou meio vira-lata…” Preferindo muito mais o campo prático ao teórico, e com o auxílio de improvisos tanto no campo musical como no profissional, Fábio conseguiu se encontrar em vários ramos da música (teatral, popular, Rock’n Roll). Além de acumular parcerias com grandes nomes, como Chico Buarque e Dominguinhos, e recordações de vários shows internacionais, faz questão de lembrar que a vida de músico também tem seu lado duro, e pode até fazê-lo ter de tocar fantasiado de cigano, como conta em um de seus relatos. Tem uma posição crítica acerca de temas atuais da música, como o funk e o ofício de DJ, cada vez mais populares, e dá um conselho para aqueles que quiserem se aventurar no ramo artístico: “Você deve fazer aquilo com o que tem identidade, não o que promete gerar mais dinheiro”. Em questão de seguir as vontades do coração, parece que Fábio fez o dever de casa.
TÉO: Quando você começou a se interessar por música?
FÁBIO: Com 13 anos. Eu tinha uma vizinha que tinha um violão, e eu via aquele instrumento, um violão verde, e achava super-legal. Aí pedi para o meu pai e ele me colocou numa aula.
TÉO: Quais bandas marcaram a sua juventude?
FÁBIO: Eu ouvia muita MPB: Chico, Caetano, Vinícius… e Rock’n Roll: Led Zeppelin, Rita Lee, Beatles… E depois eu comecei a me interessar por música clássica, fui estudar violino, e com 16, 17 anos ouvia muita música erudita, ia em sebo e comprava um monte de CDs.
TÉO: Você fez aula de violino?
FÁBIO: Sim, eu estudava o violino o dia inteiro!
TÉO: Mas você também fazia escola?
FÁBIO: Sim, era um péssimo aluno e repeti três anos. Parei de estudar no primeiro colegial, quando tomei bomba, e fiquei só estudando violino direto. Depois de um tempo entrei em orquestra e só fui terminar o colegial bem velho, no supletivo.
TÉO: Em quais orquestras você tocou?
FÁBIO: Toquei na Orquestra Jovem do litoral, na de Ribeirão Preto, na Jovem Municipal. Depois toquei um pouco na Estadual…
TÉO: E foi nesse período que você decidiu se tornar músico? Como foi a reação dos seus pais?
FÁBIO: Eu sabia que seria músico desde os 14 anos, não tinha interesse pra mais nada, só pra música! Meus pais ficaram tranquilos, até porque eu era muito ruim na escola e muito dedicado na música, então eu parei em nome de alguma coisa, não foi pra ficar vendo TV em casa. Com 16 anos eu já tocava um violão e cantava na noite, nuns bares, e ganhava um dinheirinho. Também comecei a dar algumas aulas de violão.
TÉO: Você teve influências nessa decisão?
FÁBIO: Meu período de violão e guitarra não foi muito longo, uns quatro anos. Depois, como eu entrei para a música erudita e passei a frequentar muitos festivais de inverno em Campos do Jordão, tive muito contato com jovens que estudavam esse tipo de música. Todos lá estudavam para ser profissionais, mesmo os caras que tinham 12 anos. Então todo esse ambiente me influenciava.
TÉO: E você acabou fazendo faculdade de música?
FÁBIO: Não. Na minha época, existiam poucas faculdades de música. Eu não tinha muita vontade de fazer USP porque achava a turma de professores muito chata, e o diretor era um horror, um babaca. Falava que violão não era instrumento! (Risos.) Mas muitos amigos meus, bons músicos, estudaram lá, mesmo com muitas críticas a essa ala de professores muito radical. Realmente a faculdade não era a minha, eu sou meio vira-lata…
TÉO: E qual foi o momento em que você deixou as orquestras?
FÁBIO: Fiquei oito anos tocando em orquestras, depois “enchi o saco” e decidi parar, porque tinha muita politicagem, muita competição. Aí fui tocar em teatro, e a primeira companhia que eu entrei foi a do Antônio Fagundes, numa peça com a Bruna Lombardi. Peguei a viola de arco, que também tocava, e trouxe esse instrumento para a música popular, algo que ninguém havia feito. E então eu caí na vida: fui tocar música popular, improvisar na viola, tocar com teatro, fazer shows com artistas bacanas…
TÉO: Como quem?
FÁBIO: Já toquei com o Chico César, Dominguinhos, Lenine, Pepeu Gomes, Paulinho Moska, Arnaldo Antunes, Chico Buarque, Nando Reis, André Abujamra. Também num grupo chamado Música Ligeira, bem bacana… Ná Ozzetti, Luis Tatit, Arrigo Barnabé… Nossa, quanta gente! (Espanto).
TÉO: E os lugares mais legais ou inusitados em que você já tocou?
FÁBIO: Fiquei três meses em Londres numa turnê com o Música Ligeira e lá fizemos de tudo, até em festa de casamento tocamos! (Risos.) Já toquei também em lugares bacanas, a Sala São Paulo, o Teatro Municipal. Eu me apresentei em lugares lindos: Espanha, Nova York, México, Portugal, Londres, Berlim. Além daqueles trabalhos pontuais, com um evento, que às vezes são meio loucos… Já toquei numa estação do metrô, para o Pelé inaugurar e eu tocando o hino do Santos na viola solo (risos). Também toquei vestido de cigano (risos altos).
TÉO: Como você vê o mercado da música atualmente?
FÁBIO: De uns 20 anos pra cá, aumentou demais o número de músicos, graças a duas vertentes que eu vejo. Uma são essas igrejas todas, principalmente as evangélicas, que possuem muita gente estudando instrumentos de orquestra. Mas por causa dessa invasão de músicos, o mercado inflacionou demais, e também existem poucos lugares para tocar. A outra vertente é a facilidade de se ter um instrumento hoje em dia, muito maior do que nos anos 80 quando eles custavam bem mais caro. Agora que os chineses entraram no mercado de instrumentos, é possível comprar um violino por 300 reais, quando antes se pagava 1.000, por exemplo. A produção do CD também se barateou muito, e ao se gravar uma música também é possível colocar no Youtube e alguém do outro lado do mundo escutá-la dentro de minutos. Existe ainda o mercado de aula, mas num momento de crise, qual é a primeira coisa que se corta: o violão ou a aula de inglês? O violão, que é menos importante.
TÉO: Mas o nível acompanha esse crescimento no número de músicos?
FÁBIO: Há muitos bons músicos. Antigamente eu já cheguei a ganhar uma viola de presente de um maestro de uma orquestra para tocar lá, pois faltavam violistas. Hoje em dia… Eu fui jurado de um concurso para selecionar professores de violino e apareceram uns caras novos e tocando super-bem. Sobrou gente!
TÉO: Como você vê a popularização de estilos como o funk?
FÁBIO: Péssima. Primeiro porque isso não é funk, funk é outra coisa… E acho isso de uma pobreza absurda, não dá pra tirar nada disso. A questão é que não se tem no Brasil formação de ouvintes de música, então se levamos músicas ruins para as camadas mais pobres via televisão e rádio, não tem jeito. Se não acostumarmos uma criança a ouvir coisa boa, ela vai ouvir merda, e essa música está muito associada à grana que ela gera. O sertanejo vende cerveja, vende bunda… Não vejo nada de movimento popular nisso, e nós temos muita coisa boa que podia ser divulgada: o baião, os forrós, o samba etc. Mas esse quadro não vai mudar nunca, só tende a piorar, pois vai nivelando por baixo, as coisas vão se deteriorando. Se há 15 anos implicávamos com o pagode, hoje esses caras são Beethoven, que saudade que eu tenho do Katinguelê! (Risos.) E isso é um problema de educação. Nos EUA e na Europa as crianças cantam nuns corais lindos nas escolas, cantando missas de Mozart… Poucas escolas no Brasil, mesmo particulares, têm aulas de música de qualidade.
TÉO: Para você, um DJ é um músico?
FÁBIO: O DJ que só faz a lista do que vai tocar na festa, mixa uma música com a outra, não é um músico. Mas há os DJs que utilizam alguns equipamentos como instrumento, como os de uma banda chamada Deltron 3030 com quem eu já toquei, que faziam “scratch” como os toca-discos. Esses sim eu posso chamar de músicos, pois criam uma coisa nova, fazendo uma performance. Se você consegue ser criativo com aquilo, também é válido, o cara também é um artista. O Hermeto Pascoal usava um porco no palco, fazia uns sons a partir do porco! Era um puta gênio!
TÉO: Tem algum conselho para quem quer viver da música? Quem está começando. Seguir mais na onda de fazer uma música focada em vender ou uma que respeite os desejos pessoais?
FÁBIO: Se o seu objetivo for ganhar dinheiro, não vá fazer música. É claro que é possível ganhar dinheiro com ela, mas se esse for seu principal desejo, sugiro que vá para uma profissão com mais campo de trabalho. Em toda vida de artista, o que o move é algo que você gosta de fazer na sua arte. Você deve fazer aquilo com que tem identidade.