Wilmer Renée Adames Caña, 28 anos, é administrador, sócio, professor de espanhol e inglês e “faz-tudo” da escola Deahh Idiomas, em Campinas-SP. Só conhecendo o Will (como é chamado pelos amigos) para entender seu bom astral e personalidade ativa. Nascido em uma cidade humilde do estado de Bolívar, na Venezuela, teve desde pequeno uma trajetória de vida no mínimo diferenciada: mudou-se ainda bebê com seus pais, engenheiros químicos, e sua irmã mais velha para uma tribo indígena. Após um tempo, voltou para a cidade grande, estudou, trabalhou, fez uma viagem de intercâmbio e, ao voltar, recebeu a notícia: seu pai estava se mudando para o Brasil com a mulher e os outros dois filhos. Will veio com seu pai e mora no Brasil desde então, concretizando 11 anos até agora. Viajante nato, poliglota e extrovertido, Wilmer contou para a “Go Outside” um pouco mais sobre sua vida agitada e suas expectativas futuras.
Você se lembra de San Félix de la Guayana, o lugar em que nasceu? Tem alguma lembrança marcante do lugar?
W: Lembro muito bem, era e continua sendo um lugar muito pobre, onde as pessoas são muito trabalhadoras, humildes e alegres. Minha família por parte de mãe morava lá em peso e sempre voltava para lá para visitá-los. Lembro de ir na casa de campo do meu avô ou do meu tio, passar os finais de semana… Era muito bom ficar no meio da floresta por alguns dias! San Félix atualmente é uma das cidades mais perigosas do mundo.
Por quanto tempo você e sua família moraram na aldeia indígena da Venezuela? Como foi essa experiência?
W: Se não me engano foi desde 1987 até 1989, até meus 3 anos de idade, [a aldeia] se chamava Los Pijiguaos. As primeiras lembranças que tenho da minha vida são de lá: primeiras comidas, comer bichos estranhos como insetos, gafanhotos, grilos e baratas até (risos). Foi muito bom, não tínhamos cachorro, mas tínhamos “cunaguaros”, uma espécie de tigre, e também macacos e araras, tucanos, cachoeiras, rios… Havia poucas casas na vila. Lembro da minha primeira viagem e a única talvez em helicóptero. Minha mãe me ensinou ler e escrever. Eu tinha uma única amiga da minha idade que se chama Nirvana, que era a filha de outros dois engenheiros que estavam lá a trabalho e eram os únicos amigos que meus pais tinham também, além da comunidade indígena, que deu uma forma para tratar minha asma com algumas ervas e mel, e nunca mais tive doenças na minha vida.
Depois de se mudar, alguma vez voltou para a aldeia?
W: Nunca mais voltei, sonho em voltar algum dia, mas sei que agora não existe mais do jeito que a conheci… Hoje Los Pijiguaos é uma cidade onde tem empresas e várias pessoas vão para lá fazer estágios na área de engenharia.
Você acredita que tem alguns traços dessa experiência em sua vida hoje (influências em sua religião, suas crenças, seus costumes)?
W: Sim, com certeza! Minha religião é a natureza, gosto de tudo que vem dela. Depois do meu tratamento contra asma, nunca mais tive nenhuma doença na vida, agradeço todos os dias por isso. Cada vez que posso volto para selva, bosque, floresta… Me sinto 70% indígena, 30% pessoa civilizada. Sempre fui mais humilde e simples, nunca quis aparentar ser algo que não sou, porque venho de um lugar onde as pessoas nem roupas de marca usavam. Sempre procuro ter o necessário para minha vida e ajudar os outros, acho que todo mundo deveria ter essa oportunidade de morar fora dos padrões da cidade. Lembro quando cheguei na cidade grande pela primeira vez, fiquei chocado com TV, bonecos de cores, carros, prédios, shoppings, propagandas etc.
Como foi sua juventude em Puerto Ordaz? Ainda mantém contato com alguém de lá?
W: Foi sensacional: primeiras namoradas, primeiras saídas pela noite, shows, festas, comecei a sair muito cedo, andava de skate quase todo dia. Estudava numa escola técnica que era integral, mas sempre depois da aula fazia alguma coisa, era estranho voltar para casa depois da aula. Pego ônibus sozinho desde que tinha 9 anos, sempre tive muita independência para ir nos lugares, não tinha celular, email, nem rotina, era tudo muito bom e sem muitas preocupações. Morei lá dos 8 anos até os 16, anos de ouro, sempre procurando lugares para acampar, subindo montanhas, nadando em rios, cachoeiras. Esta cidade é maravilhosa por isso, fica perto da floresta… Mantenho contato com muitos amigos até hoje, ex-namoradas, família, etc. Muitos deles já me visitaram aqui no Brasil, gosto demais quando alguém da minha terra me visita.
O que o fez aceitar a proposta de seu pai para vir ao Brasil?
W: Não tive muita escolha, na verdade… Na época morava nos Estados Unidos, estava estudando lá, e pelo visto era mais barato me manter aqui no Brasil do que ficar por lá para meu pai. Na época estava empolgado aprendendo inglês e conhecendo um país que não era o meu, então encarei isso como uma boa oportunidade para aprender outra língua e conhecer outro país. Não foi nada planejado… Em dezembro de 2002 voltei dos Estados Unidos e fiquei sabendo disso em dezembro mesmo, e um mês depois, em janeiro de 2003, estava aqui com 16 anos, feliz da vida!
Você se arrepende de ter vindo?
W: Para nada, pelo contrário, agradeço todos os dias por estar aqui. Brasil é um país surreal! As amizades, os lugares e as coisas que conquistei aqui me deixam de bem com a vida.
O que o incentivou a fazer Comércio Exterior? E por que na PUCCAMP?
W: Sempre gostei da área internacional. A princípio queria estudar Relações Internacionais, mas vi que o curso de Comércio Exterior também tinha muitos princípios de Administração de Empresas e empreendedorismo, então prestei vestibular em várias faculdades. Das que passei, a proposta da PUCCAMP era a que melhor se encaixava no orçamento do meu pai e a qualidade de ensino que eu procurava. Gosto demais da PUCCAMP e tudo que consegui construir dentro da faculdade, sei que eles gostam muito de mim, participei de tudo que pude lá dentro, tenho contato com muitos professores até hoje.
Qual é a história mais engraçada que você tem do período na faculdade?
W: Nossa, difícil uma só, tem muitas… Mas uma muito boa foi um dia que estávamos fazendo um vídeo da chuva e dos raios e trovões e caiu um raio na rua que estávamos bem na hora do vídeo e todos gritamos e rimos muito. Temos o vídeo até hoje com esse registro, mostramos a muitas pessoas e todo mundo sempre ri muito.
Que lugar, dos que você conheceu até agora, o encantou mais? Ou seja, qual é seu preferido?
W: Machu Picchu, sem dúvida nenhuma, meu lugar favorito no mundo, viagem inesquecível, mágica e muito espiritual, tenho certeza que vou voltar para lá muitas vezes ainda.
Para onde você pretende viajar no futuro próximo (por exemplo, num período de 5 anos)?
W: Gostaria de conhecer o máximo de países possíveis antes de ter 40 anos. Este ano meu foco é ir para Califórnia, Route 66, Las Vegas, San Francisco, Sacramento etc. Também quero continuar viajando mais pelo Brasil, o Sul, que não conheço ainda, a selva de Mato Grosso e Amazônia, as cachoeiras de Minas Gerais, praias do Nordeste. Quero voltar para a Europa com mais tempo, para conhecer a parte norte desta vez: Alemanha, Holanda, Suécia, Suíça, Áustria, República Tcheca, Rússia, Ucrânia, Finlândia, Noruega e, claro, também Oceania: Austrália e Nova Zelândia, meus sonhos de consumo! Alguns países da Ásia: China, Tailândia, Japão, entre outros. Mas assim, também quero ir para África do Sul, Marrocos, Turquia, México, Bolívia, Grécia, países com história e cultura forte. Não necessariamente nessa ordem, acho que num período de 5 anos já devo ter conhecido bastante coisa, meu foco na vida agora é viajar. É minha nova profissão.
Você gostaria de manter-se independente e livre de compromissos pessoais mais sérios ou tem a intenção de ainda casar e formar uma família?
W: Gosto muito da minha vida do jeito que é: sou livre, independente, faço o que quero na hora que quero, não tenho rotina nem horários, nem pessoas que dar satisfação nem explicações. Não gosto de ter nada que me prende nem ter raízes, então casar, ter filhos, formar uma família etc., não está dentro dos meus planos de vida.
Com quantos anos você começou a trabalhar? E no quê?
W: Meu primeiro trabalho foi como técnico eletricista num hospital em Puerto Ordaz, eu tinha 16 anos. Era um estágio voluntário que fiz neste hospital para me formar como técnico: trabalhei lá por 4 meses, era um hospital público, muito pobre, com pouca estrutura e muitas pessoas com necessidades. Não ganhei dinheiro, mas foi ótima a experiência, me sentia muito importante e inteligente pelas responsabilidades que tinha sendo tão novo. Trabalhava todos os dias das 8 horas da manhã ao meio-dia, consertando tomadas, lâmpadas, rádios, ar, tudo que estivesse quebrado da parte elétrica, tomei vários choques! Fiz muitas amizades com pessoas muito humildes, eu era muito animado e sempre estava cantando e animando os outros.
Como é pra você, hoje, administrar uma escola de idiomas e dar aulas nela? Você tem tempo para o lazer?
W: É muito desafiador. Gosto demais disso, todo dia aprendo alguma coisa, cada dia é muito diferente do outro. No começo demorei para entender que eu sou o chefe, sempre fui muito humilde. De repente percebi que as pessoas me respondiam “sim, senhor” quando lhes pedia um favor (risos). Acho que sou um bom chefe, sou chefe de pessoas muito mais velhas e experientes, mas eu faço tudo na escola: a parte comercial, financeira, marketing, RH, dou aulas, contrato novos funcionários, entrevisto, faço promoções, parcerias, corro atrás de tudo, conserto lâmpadas, fiações… Eu mesmo coloquei todos os quadros brancos nas salas, pintei e ajudei na reforma da casa. Estou muito satisfeito e feliz com meu trabalho, me identifico muito com ele, trabalho com pessoas o dia inteiro. Na época de matrículas trabalho todos os dias das 8 horas da manhã às 22 horas, dois meses por semestre. Depois disso volto à vida normal e trabalho de segunda a quinta das 11h30 até as 9h30 da noite, sextas das 11h30 às 19h30 e sábados das 8 horas da manhã às 13 horas. Então me sobra pouco tempo para o lazer, mas não falto na academia de manhã, de vez em quando saio com meus amigos, fazemos churrascos ou jantares, faço esportes quase todos os dias, ando de skate até hoje (com menos freqüência, mas continua sendo meu esporte favorito), ainda vou em festas, festivais, shows (com menos freqüência). Mas sempre que posso me divertir, vou com foco no que gosto, priorizo minha diversão, então já nem faço algumas coisas que fazia na faculdade. Agora meu foco são minhas viagens, e para isso preciso juntar dinheiro o ano todo, então procuro sempre fazer aqueles programas que me proporcionam mais diversão e são mais baratos. Agora quando estou de férias curto muito mesmo, sem dó, é como um prêmio que dou a mim mesmo: estudei muito, trabalhei muito, agora vou curtir muito.