“Algumas semanas atrás eu beijei um cara numa rua de Amsterdã. Apenas um beijo na boca, mas algumas pessoas gritaram com a gente e me senti ameaçado.” A fala é de Dieder de Vries, jovem holândes homossexual de 21 anos. O tom da confissão pode parecer inesperado já que Holanda é conhecida mundialmente como o paraíso da liberdade.

Os quase 34 mil quilômetros quadrados são lembrados por seus Coffee Shops, Red Lights e por serem livres de preconceitos contra gays. Certo? Dieder explica: “Viver em Amsterdã não é perfeito. Ainda assim, as grandes cidades da Holanda são menos preconceituosas do que as pequenas, porque as pessoas são mais jovens e mais abertas.”

Rik-Jan Briukman, 28 anos, professor de Ciências Políticas da Universidade de Amsterdã, nasceu em Overrijssel Tuk, uma pequena vila com 1500 habitantes no interior do país. Ele se lembra das dificuldades enfrentadas. “Quando estava no Ensino Médio sofria bullying porque as pessoas achavam que eu era gay”, relembra.

Foi em 2003, aos 19 anos, que Rik-Jan passou a viver na capital como homossexual assumido. “Quando eu entrei na faculdade, aos 20, ainda ficava um pouco tímido em relação a isso, não sabia o que dizer. Mas na semana de apresentação, um estudante veterano mostrava os bares da cidade e, em uma dessas noites, estava bêbado e disse: “Olhe para todas essas garotas. Eu não curto garotas.”

O professor Rik não esconde de seus alunos que é homossexual. “Eles sabem, mas nunca cheguei a assumir minha orientação sexual na vila em que nasci”, conta.

 

A RELAÇÃO COM A MÍDIA

A Holanda do Bible Belt, uma região não muito popular entre os turistas, é composta por uma faixa de terra habitada por protestantes conservadores que vai da província de Zeeland até Overjiss. O jovem Dieder vive atualmente em Ede, uma das principais cidades do cinturão. “Todos ao meu redor sabem que sou homossexual, mas as pessoas aqui são muito religiosas e não muito tolerantes. A princípio elas dizem que aceitam os gays, mas quando se fala mais sobre o assunto, elas logo mudam de ideia.”

Mesmo na capital, a relação entre segurança, sexualidade e preconceito tem sofrido alterações. “Muitas pessoas vinham até Amsterdã para se emancipar, para se libertar do peso familiar e religioso. Isso vem mudando gradualmente nos últimos 25 anos”, explica Dennis Boutkan, presidente da COC-Amsterdã, conhecida como a mais antiga organização LGBT do mundo.

Boutkan exemplifica algumas das mudanças: “Dez anos atrás era mais normal ver casais de mãos dadas, assim como era mais comum não falar nada sobre isso, agir de um modo politicamente correto. Hoje, se você perguntar para gays ou lésbicas se eles se sentem menos seguros do que anos atrás, eles vão dizer que sim por causa de toda atenção da mídia.”

Para o presidente do COC, a atenção da mídia se tornou crucial a partir de 2007, após uma coletiva de imprensa com a presença de quatro homossexuais vítimas de violência. “Decidimos ser visíveis porque se você não é visível, você não existe. E se você não existe, não pode mudar as coisas”, destaca.

No entanto, a decisão provocou reações diversas e deixou claro que ainda será preciso muita luta para combater o preconceito. “Por um lado, a divulgação na mídia faz com que as pessoas fiquem mais acostumadas e digam ‘gays e lésbicas são parte da nossa sociedade’. Mas, por outro lado, existem pessoas que continuam lutando contra, seja por meio de debates ou com uso da violência”, conclui Boutkan. Para o jovem Dieder, o destaque na mídia é positivo. “Pelo menos não somos ignorados e as pessoas se confrontam com a sua própria intolerância”, enfatiza.