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Sergio Vilas-Boas

Vilas-Boas: o mestre dos perfis | Crédito: José Adorno

Apreciador de pessoas e de vinhos, mineiro simpático, exímio professor e jornalista. Nada me deixou mais perplexa, porém, do que saber que Sergio Vilas-Boas é “o” contador de histórias. Deparei-me, então, com o dilema: como criar o perfil do “mestre dos perfis”? Com esse questionamento fixo, fui ao encontro do docente do 2º Ano de Jornalismo Básico II da Faculdade Cásper Líbero.
Nascido em Lavras, Sérgio se mudou com a família para a capital mineira, Belo Horizonte, quando era ainda um bebê. Apesar de ter passado toda a vida em cidade grande, consegue descrever o mineiro interiorano como aquele que “vive muito em contato consigo mesmo, pensando na vida. Afetuoso e hospitaleiro, mas reservado”. Constatando que sua terra natal apresenta grandes nomes da literatura nacional, como Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa, Sergio acrescenta: “O mineiro tem facilidade de lidar com o silêncio, é muito mais insinuante, indireto do que falante e expressivo. Acho que a literatura se encaixou muito bem nesse universo porque ela é um olhar para dentro, é um olhar para si próprio, para o mundo ao redor, requer certa solidão, talvez até um contato com a natureza que lá é muito forte também”. Contra qualquer tentativa de associação ao mistificado sertanejo de Minas, o professor dispara que é um urbanóide agitado, mas admite que sua criatividade flui por meio do silêncio e da solidão.
Quando o tom da conversa tornava-se “freudiano”, numa quase infiltração nas memórias da infância, o “ex-menino” definia-se como desprendido e desapegado. “Eu tenho prazer em lembranças, mas não tenho vontade de retornar a elas.”
Não por ousadia, mas por indecisão, estudou engenharia elétrica, ciências econômicas e ciências sociais, sem se identificar com nenhum dos cursos. Tinha certeza de que gostava de escrever e que se interessava pelo campo da arte. Então, seu plano D foi cursar Jornalismo. “Foi mais por falta de opção do que por opção, eu reconheço isso.” Na pós-graduação, encontrou no estudo sobre narrações biográficas a amálgama de duas paixões: jornalismo e literatura. Para ele, a biografia e o perfil são “uma forma de jornalismo que parece romance. Não é. É factual, é fruto de apuração e de pesquisas sólidas”. Fez, então, mestrado e doutorado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), com estudos sobre jornalistas que escrevem biografias.
Trabalhou em jornais como Diário do Comércio, Gazeta Mercantil e Folha de S.Paulo. Escrevia perfis como quem se aventura nos subterrâneos do ser humano. “Adoro estar centrado, focado no estudo, no entendimento e na compreensão de um indivíduo.” Entre 1993 e 1994, residiu em Nova York, onde mergulhou no universo dos brasileiros ilegais naquela cidade. A experiência resultou na obra Os Estrangeiros do Trem N, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti, em 1998. Escreveu outros livros de prestígio no mundo acadêmico, como Biografismo, Biografias & Biógrafos e Perfis: o Mundo dos Outros, que será lançado em sua 3ª edição com mais 10 novos perfis e com o artigo “A arte do perfil”.
O perfil de fato é arte. É contemplação, deslumbramento diante do outro. Um outro que é díspar, mas também semelhante. Até Sergio é uma compilação de contradições: introspectivo, mas comunicativo; sereno, mas inquieto; dinâmico, mas perfeccionista. E esses paradoxos não significam incoerência, ilógica; são, na verdade, elementos da complexidade humana, que cria, em cada um, detalhado mosaico. A especificidade é relíquia valiosa para o escritor do perfil. Buscar o interno do outro implica a busca do interno em si. “O que faz a diferença é o repórter/autor ser capaz de sair do seu universo, do seu umbigo, entrar no mundo do outro, sabendo que ao tentar entender o outro você também está tentando entender a si mesmo. Tudo que é biográfico é também autobiográfico.”
Meu impasse inicial se desfez naturalmente. Nossa conversa foi uma troca, um mergulho no outro e em si. Descobri o Sergio que ama cinema, vê muitos dramas e documentários. Outra paixão: comida, principalmente a da culinária italiana. A vida delineia-se assim, deliciosa. Ver, comer, conviver. “A vida é sem definição, por isso que ela é interessante.”