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Crédito: Beatriz de Paula

Crédito: Beatriz de Paula

Com quase cinquenta anos de carreira, principalmente tocando covers de clássicos do rock na noite paulistana, João Kurk pode parecer intimidador a primeira vista. Tal impressão é desfeita assim que se ouve a risada rouca característica. Apesar de ter um “vozeirão” no palco, conversando fala baixo. A seguir, um pouco sobre as mil facetas de João Kurk: o passado com a banda de rock progressivo Terreno Baldio, o presente com a banda de covers Mr. Kurk e as experiências como produtor e ator.

Você não começou a carreira com o Terreno Baldio, teve uma banda antes…
Minha primeira banda foi The Islanders. Na época a gente falava o nome errado, até levar um tapa na cara de um dono de clube “ah vocês não sabem falar o nome da banda de vocês!”. Eu tinha dezesseis anos, era meio besta… Mas também naquela época ninguém sabia falar inglês direito, todo mundo olhava o nome e falava errado. Quem havia começado a montar a banda era um japonês, então a ideia era “as ilhas”, “os ilhéus”, tinha sentido. Mas pra gente não significava muita coisa. Mas foi aí que eu fiz amizade com o Lazzarini (Roberto Lazzarini) e com o Joaquim (Jô Correia), e quando essa banda acabou no comecinho dos anos 70, eu tive a ideia de falar com o Lazzarini e com o Jo pra gente começar a formar o Terreno Baldio, que era uma banda de rock progressivo.

Sobre o Rock Progressivo, você acha que é um estilo datado? Ou ainda influencia a música?
Hoje em dia as coisas todas são datadas. O rock progressivo ainda influencia a música porque o rock progressivo foi influenciado pela música erudita, e a música erudita ainda influencia todo mundo, quer queira ou quer não. Qualquer instrumento que você vai aprender, pra aprender direito mesmo, tem que aprender o clássico. Não tem jeito… “ah eu quero já sair tocando Soundgarden”, não é assim. Pode até ser assim, mas você não vai ser completo. Tem que começar pelos grandes, e os da música erudita ainda são os grandes e continuam influenciando todo mundo.

O último cd do Terreno Baldio foi lançado em 1977. Ainda existe uma procura pela banda?
É uma coisa que as vezes me emociona muito. As vezes a gente ainda faz alguns shows, só pra citar um exemplo, a gente foi fazer o Psicodália há uns três anos atrás, é um festival que existe a catorze, vinte anos.. não lembro agora. É um festival de rock progressivo, sempre fazem no Sul, e nós fomos chamados. A primeira tentativa de nos levar não deu certo, a segunda vez quase deu certo e na terceira nós fomos pra lá. A gente ficava pensando “ah não vai rolar,as músicas são muito antigas, o pessoal não vai conhecer”. Qual não foi minha surpresa: estava lotado o lugar no dia do nosso show, o pessoal pedindo músicas que a gente não toca, do segundo disco, mas nós tínhamos nos preparado e ensaiamos músicas e atendemos os pedidos. E outra, um pessoal da sua idade ali cantando todas as músicas, sabiam todas! Me emocionou, me arrepiou, me dou um nó que eu vou te contar. A gente não fazia ideia, a gente nunca faz ideia da proporção, da intensidade que a música toca as pessoas, é muito interessante. Então ainda pedem sim… logicamente guardando as devidas proporções, dentro desse segmento, mas ainda pedem sim.

Você tem alguma história marcante da época da banda?
Um monte! Mas acho que uma das melhores, não me lembro a data, mas deve ter sido em 75 ou 76, sei lá. Nós fomos convidados para participar de um festival de Música Popular Brasileira em Londrina, e eles queriam que no encerramento do festival, enquanto os jurados estívessem contando os votos etc, tinha que ter uma atração. Chamaram a gente… Eu só pensava “ o que a gente vai fazer lá, rock progressivo em festival de mpb… mas vamos lá né, tudo é pra fazer, pra divulgar o trabalho”. E o show foi muito bem produzido, fizemos um belo show e tal, e qual não foi nossa supresa que quem estava lá entre os jurados era o César Camargo Mariano e a Elis Regina. E quando nós acabamos o show, eles levantaram e vieram correndo abraçar a gente, elogiando! Desceu até um monte de confete em cima da gente! E a Elis falando que nunca tinha visto uma coisa dessas, que a gente era maravilhoso! É uma das melhores recordações que eu tenho.

Você começou a tocar covers faz muito tempo…
Daqui a dois anos, em 2016, eu vou fazer cinquenta anos de carreira, praticamente tocando cover, é muito tempo…

Como é o público nos shows? Existe uma faixa etária predominante?
A faixa etária é… não tem uma característica de faixa etária.. é muito miscigenado. Tem um pessoal de sessenta, cinquenta anos. Lógico, a maioria tá na faixa de vinte e cinco, trinta e cinco anos.

E crianças?
Por incrível que pareça, crianças não podem entrar né… Mas quando a gente toca no Bar Brahma, que permite a entrada de crianças com os pais, eles querem levar as crianças porque elas já viram a gente no youtube e querem ver ao vivo, é impressionante. A gente já tá pegando uma outra geração…. Uma curiosidade, nós fomos ver um show em Marília, e nós íamos fazer dois shows no mesmo lugar. Quando a gente acabou o show, veio um cara no camarim, não sei com quantos anos, e o cara agradeceu muito a gente, ela falou que a gente tinha realizado um sonho dele, que era trazer o pai, e que eles tinham cantado todas as músicas, que tinha sido um sonho, algo sem preço… O cara agradeceu pro resto da vida. Ou seja, só ali a gente já pegou duas gerações.

Muitos bares ou casas de show não respeitam o artista quanto a questão do pagamento. Você já teve algum problema em relação a isso?
Olha, a minha situação hoje nesse aspecto é muito confortável. Depois de um certo tempo você adquire um respeito, uma admiração muito grande no meio. Isso geralmente acontece com a bandas que estão no ínicio, primeiro pela ingenuidade por parte dos componentes, e segundo pela própria inexperiência deles. O músico, como qualquer outro artista, por natureza é romântico, sonhador… Ele não é um negociante, um comerciante. E os donos de casas noturnas, de casas de shows, são comerciantes. É uma desvantagem enorme, o diálogo já tá prescrito e quem vai vencer essa batalha comercial é o dono da casa noturna e de shows. O músico, primeiro que ele tá fragilizado, as vezes diante das circunstâncias financeiras que ele tá, ganha pouco, tem que fazer um monte de show, tem que comprar instrumento, tem família… O cara tá precisando de dinheiro. Essa fragilidade já não dá muitas opções, o que aparecer ele faz. Depois que você adquire um nome, as pessoas já sabem o que você aceita ou não, e você também seleciona melhor. A única coisa que eu penso é que as escolas de música deveriam oferecer um pequeno curso de negociação, de comércio. É díficil pra quem tá começando, porque a banda é inexperiente, musicalmente também… Eles tem que aparecer em algum lugar pra divulgar o trabalho, vão ter que tocar de graça pra poder mostrar a cara. A partir daí, eles tem que começar a aprender negociação.

Você agora tá com a banda Mr. Kurk, que toca principalmente em bares ou casas de show. Vocês também são chamados para eventos?
Todos os eventos. A gente faz de batizado a velório, fazemos tudo. Mas geralmente são eventos de empresas, convenções, confraternizações, é o que mais tem aparecido. Mas a gente tem feito casamento também… O pessoal quer um negócio diferente daquelas bandas de baile de casamento tradicionais, e é um pessoal que curte rock and roll. Mas eu falo para os caras: não é um evento pra ter uma banda de rock, porque o público foi lá não para isso, foi por causa do casamento. Então você tem titio, vovó, sobrinho, criança pequena… Dá uma “bumbada” na bateria que a criança começa a chorar. Mas a gente já sabe o que tem que fazer, essa é nossa parte, e sempre dá certo, o pessoal adora. Mas para as empresas é importante, eles sempre precisam ter uma atração e as vezes eles levam stand up, levam show de sertanejo, axé… E de rock and roll também!

Como o repertório das apresentações é montado?
Geralmente a gente procura colocar no repertório músicas que sejam polivalentes, quando é possível. Mas em um repertório para um evento como casamento, o formato é diferente do que uma casa de show. Mas praticamente, 70 ou 80% das músicas são as mesmas, porque aquele pessoal nos contratou por causa daquelas músicas.

Todos os integrantes da banda cantam também, isso é uma vantagem na hora de escolher as músicas do repertório, né?
Isso é uma coisa que é um recurso para gente, para fazer aquelas músicas que tem muitos vocais, como Queen. Por outro lado, se tem um que tá rouco ou com gripe, o show continua.

A banda toca as mesmas músicas faz muito tempo, vocês ainda ensaiam para as apresentações?
Muita gente vê a palavra ensaio como se nós tocássemos as mesmas músicas do show, mas não. As músicas que nós tocamos no ensaio são as novas que estão entrando no repertório da gente. Então a gente manda mp3 pra todo mundo ouvir, tirar sua parte, daí nós vamos para o estúdio ensaiar, corrigir, lapidar tudo, acertar os vocais…

As músicas que vocês tocam são principalmente dos anos 60 até os anos 80. Vocês já pensaram em incluir bandas novas?
Esse repertório faz parte do perfil da banda, que é classic rock, alguma coisa de pop também. Nós não tocamos as músicas mais recentes porque elas não duram, então se você pegar aquela banda Franz Ferdinand… É muito legal, adoro os caras. Mas não adianta colocar no repertório porque daqui seis meses tem que tirar fora, o pessoal já esqueceu dessa música, não funciona pra gente. É preferível você pegar uma música do Kiss, como Lick it Up, que ela ainda funciona e vai funcionar por uns dez anos.

Mas e você na sua vida pessoal? Gosta de escutar músicas mais recentes?
Eu já cansei de ouvir as mesmas coisas, eu gosto muito de Pink Floyd, de Gentle Giant, mas dificilmente eu vou ouvir isso.. Não é que cansa, é que eu tô com sede de coisas novas. Então o que eu faço: entro na Amazon e vejo os lançamentos de música da semana, e clico pra ouvir um sample de cada música, até achar uma coisa legal pra ir atrás mais profundamente. Numa dessas você começa a ouvir música celta, africana, iraniana… É um universo tão grande, tem coisa que nunca vai chegar aqui, você nunca vai ficar sabendo. É uma curiosidade que eu tenho desde moleque… O pessoal que era adolescente na década de 70 também era assim, porque dificilmente as rádios tocavam as novidades, então você ia nas lojas de discos garimpar. Você ia atrás, não a música caia no seu colo que nem hoje acontece, que caí no seu colo e fica ali, impingindo na sua cabeça, descendo guela abaixo.

Tem alguma banda nacional que você gosta atualmente?
(Depois de pensar bastante) Pula.

Você produziu dois cds recentemente, das bandas Via Lumini e Nave, como foi essa experiência?
Então, a Via Lumini é uma banda de rock progressivo, autoral e eles queriam gravar um cd, e perguntaram se eu podia produzir. Eu já tinha uma experiência em produção, e em estúdio também, achei que ia ser uma experiência interessante. Mas durante o trajeto, o cantor da banda saiu, virou evangélico e cantar rock virou profano, algo assim, não tenho muita certeza. Então me convidaram pra cantar, fiz todas as vozes do disco e ficou um cd muito bom, uma experiência muito legal. O nave também era um som autoral, em inglês e bem calcada na banda Yes. Ficou muito legal o cd, gostei muito do trabalho. Mas é uma coisa que pra mim, hoje em dia, eu não teria tempo pra fazer isso, é muito demorado e complicado, mas delicioso de fazer.

Em 2013, você interpretou um fantasma no comercial da Sky, que contava como a participação da Gisele Bündchen. Você chegou a ver ela?
Não, ninguém viu a Gisele. Primeiro que ela tinha acabado de ter neném, estava amamentando e não podia viajar. Então o estúdio foi até Los Angeles e filmou a Gisele lá, e aqui no Brasil, filmou todo o resto. No meu caso eu era um fantasma, então a filmagem foi feita todo em cromaqui. Eu filmei separado de todo mundo e depois eles fizeram a inserção. A parte que eu interajo com a Gisele, na gravação, era um cara da produção, decepcionante…

Muitos músicos profissionais rejeitam o cover, o que você acha disso?
Olha, muitos músicos profissionais não consideram o cover como música ou arte. Muitos deles acham, não é que eles se acham melhores, mas eles acreditam que a música tem que contribuir para um crescimento, e nessa parte faz sentido. Mas a indústria do entretenimento é muito grande, e a gente faz parte dessa indústria. Mas eu penso o seguinte, quando você vai no teatro municipal pra ver a Orquestra Filarmônica não sei de onde, eles estão fazendo cover. Não é o Vivaldi, o Stravinsky, Bach… Não são eles que estão tocando lá. Os caras estão com a partitura na frente pensando “tem que tocar isso”, a contribuição que eles estão dando para aquele povo que tá indo assistir é aquele momento musical, de emoção, uma viagem para o público. E é o que a gente faz também. O pessoal vai, paga, bebe, conversa com outras pessoas, o cara vai xavecar a menina, a menina vai xavecar o cara, fofoca no banheiro… E tão se divertindo com a nossa música. A gente tá passando essa alegria para eles, e faz parte do trabalho. É uma coisa que eu sempre falo: as pessoas passam a semana inteira pegando duas conduções, pega metrô lotado, vai trabalhar, tem um chefe chato, não pode sair daquele emprego porque precisa, faz alguma coisa que não gosta, chega em casa e briga com a namorada, tem problema na família… Chega no fim da semana, ele vai assistir um show de rock da gente e esquece tudo, é um alívio aquilo lá pra ele, uma reposição de energia. Não que se ele fosse em um show do Zeca Baleiro, Nando Reis, não vá acontecer a mesma coisa… Só que a gente tá mais acessível pra ele, mais barato e as vezes mais divertido. Porque se você vai em um show do Gilberto Gil, você só vai ouvir as músicas do Gil… Não tô depreciando, pelo amor de Deus. Mas no nosso show você tem U2, Queen, Pink Floyd, uma diversidade. E vem coisa boa por aí no repertório!