Encerrando a 22ª Semana de Jornalismo, na sexta feira pré-eleitoral (3 de outubro), a mesa composta por Ana Cláudia Mielke, do Coletivo Intervozes, José Arbex Júnior, professor da PUC-SP e editor especial da revista Caros Amigos, e Júlio Barroso, professor da Unifesp, foi mediada pela professora de Legislação e Prática Jurídica da Cásper, Ester Rizz. O tema do encontro doi “Discurso de Ódio x Liberdade de Expressão”, que contou com a organização da Frente LGBT+ Casperiana.
Em tempos de eleições presidenciais, fomos surpreendidos com a recente e chocante declaração homofóbica de um dos candidatos à Presidência, o sr. Levy Fidelix, além de falas consideradas preconceituosas e violentas, além de recorrentes, veiculadas na TV aberta – como a da apresentadora do SBT, Rachel Scherazade. Mas não é só, a lista é longa e incluem discursos que seguem esse mesmo viés, produzidos por personagens como o Pastor Silas Malafaia, e os deputados federais campeões de votos, como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, que representam um grupo bastante significativo no Legislativo e expressam o pensamento de um expressivo contingente da população brasileira, torna esse debate muito atual e necessário.
E foi sobre a atualidade dessa discussão que se iniciaram as falas da mesa, que mostrou citando o discurso da jornalista do SBT, Rachel Scherazade, feito em João Pessoa, quando ela ganhou um diploma de honra ao mérito, em uma sessão solene. Após a exibição desse vídeo, Ana Cláudia Mielke contradisse o que a apresentadora defendeu, ressaltando o papel dos meios de comunicação na proteção de determinadas expressões como a dela, fazendo um paralelo com outro debate, o da Democratização das Mídias. Isso foi também enfatizado pelo professor José Arbex Júnior, que discordou do que Scherazade afirmara em seu discurso, enfatizando que ela apenas fala por ela mesma.
A porta-voz do Coletivo intervozes deu ênfase à relação desse tema com a Comunidade LGBT, que sofre ataques por meio de discursos de ódio e de violência, mascarados pelo pretexto da liberdade de expressão. Algo que não pode ser entendido como absoluto, porque essa liberdade não é maior ou acima da dignidade da pessoa humana. E o professor da PUC-SP fez uma reflexão histórica, ressaltando que a escravidão ainda não foi abolida no Brasil, alertando para os preconceitos arraigados no senso comum da população brasileira.
“O discurso de ódio mais nefasto e mais difícil de se enxergar não é o discurso do Levy Fidelix, não é o discurso declarado dos fascistas e dos nazistas, mas é esse discurso permanente da desumanização do outro, que nos deixa cegos para o outro”, assegurou José Arbex Júnior. Ele concluiu dizendo que Rachel Scherazade, ao incitar a população a fazer justiça com as próprias mãos contra um garoto negro, perpetua essa mentalidade escravocrata que precisa ser extirpada radicalmente. Disse ainda que programas policialescos, por exemplo, veiculam diariamente a desumanização do outro, por meio de um discurso de ódio velado, disfarçado muitas vezes em diversão e entretenimento..
Já o professor da Unifesp, Júlio Barroso, propôs algumas reflexões no que diz respeito aos resultados negativos que a supressão efetiva de certas expressões, consideradas possuidoras de caráter preconceituoso, podem ter na sociedade. Ressaltou que esse banimento poderia resultar na restrição das discussões públicas e ainda na extinção de grande parte da herança intelectual e artística da humanidade, visto que diversas obras literárias e artísticas possuem natureza preconceituosa. “Acredito que expressões que convidem à discussão devem ser estimuladas e não suprimidas, mesmo que contenham elementos de preconceito. A questão é a proteção da discussão pública”, finalizou.
Por fim, a professora Ester Rizzi, mediadora do encontro, rebateu a fala de Júlio Barroso, ressaltando novamente o papel das mídias nesse debate, que exclui determinados pensamentos e protege outros, e auxiliou nas dúvidas levantadas pela plateia. Os temas encaminhados pelos alunos discutiram o caráter preconceituoso de obras de ficção e as possíveis medidas a serem tomadas no que diz respeito à sua livre circulação.
Um exemplo citado foi o racismo contido nos livros de Monteiro Lobato e sua distribuição em escolas da rede pública. Além disso, questionou-se qual seria a atitude mais adequada como represália às pessoas que proferem discursos de ódio e de preconceito: a punição efetiva ou a construção de discursos menos preconceituosos por meio de uma reforma no sistema educacional. Em resposta a essa pergunta, a mesa enfatizou que os livros clássicos da literatura brasileira devem ser difundidas juntamente com uma reflexão social e histórica, que também ajudaria na desconstrução dos discursos de ódio.
Encerrado o debate e após todas as questões apresentadas, foi mostrado como a linha que separa a liberdade de expressão do discurso de ódio é tênue e a importância dessa discussão, não só por comunicadores, como por toda população, nas sociedades democráticas atuais.