Com as duas mãos entrelaçadas sobre a mesa e os olhos claros atentos, Marcos Guterman atende aos seus dois únicos orientandos do quarto ano meia hora antes do início das aulas da noite. O tema é futebol e o episódio, sem querer estragar a surpresa dos meninos, um jogo entre Corinthians e Palmeiras da década de 1970.
O professor escuta os progressos dos alunos e, quase imóvel na cadeira, espera que passem a maior parte das informações antes de ajeitar a postura e começar a dar alguns conselhos sobre o que deve ser feito dali para frente. O clima é de bate-papo: estamos nas primeiras semanas do ano letivo. Encoraja que busquem um ponto específico dentro da história e pede que se atenham à pesquisa. As entrevistas podem ser marcadas um pouco mais tarde.
Guterman tem moral para orientar TCCs de temas relativamente distintos, ainda que, pelo fato de apenas dar aulas para os quartos anos de Jornalismo, poucos alunos saibam disso. Quando dei uma espiada no currículo do professor na plataforma Lattes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), tendo de rolar o mouse umas cinco vezes para baixo, até soltei uma risada. A começar pelo Doutorado em História Social da USP, meu entrevistado constava como mestre em História pela PUC-SP, barachel em Jornalismo pela Cásper e licenciado em História pela PUC-SP, autor de dois livros (um sobre futebol) e, completando o pacote, atual editor do caderno de Economia do jornal O Estado de S. Paulo. A primeira dúvida que saltou foi: mas como?
Jornalista desde 1989, Guterman iniciou seus estudos na Cásper já trabalhando na redação da Folha da Manhã. Levou cinco anos para concluir a primeira graduação porque o jornal não exigia o diploma e, na época, achou melhor se dedicar um pouco mais à pratica do que à sala de aula. Foram quinze anos trabalhando de repórter a editor, tendo passado também pela parte administrativa do jornal. Lembra, com um sorriso de canto de boca, que foi inclusive por causa da Folha da Manhã que conheceu sua esposa, Patrícia, jornalista na Folha da Tarde.
Já casado, iniciou a segunda graduação, dessa vez em História pela PUC-SP, no mesmo ano em que chegou ao time o primeiro filho, Miguel, hoje com 14 anos. Mesmo sem muito tempo, Guterman começou a dar aulas de História Contemporânea na universidade e, logo em seguida, engatou um mestrado também em História, do qual nasceu o livro O Futebol Explica o Brasil. Conta que compreensão e esforço sempre fizeram parte da família durante esses anos em que reuniu estudos, docência e redação.
O interesse por história veio através da família de origem polonesa. Os avós chegaram a ficar em um campo de concentração e foi essa a força-motriz que o levou a escrever sobre o Nazismo na tese de doutorado defendida na USP. O tema central foi a curiosidade em saber o que levou tanta gente a apoiar os crimes cometidos pelo regime de Hitler. Conta que gosta da contestação: “É fácil julgar o que não conhecemos e a história é meio madrasta, estraga-prazeres”.
O Estadão chegou em 2006 como uma proposta para sair do grupo Folha. Começou como repórter e ganhou um blog com seu próprio nome, a descrição: “Política internacional, história e algumas coisas legais”. Aposentado em 2012, quando Guterman assumiu a função de editor do caderno de Economia do jornal, o blog permanece em suas lembranças como um canal direto com os leitores. “Aprendia muito com os comentários, às vezes até mudava completamente de ideia. Posso dizer que os leitores eram um pouco parecidos com os alunos nessa questão.”
Depois de ter sobrevivido a ambientes tão exigentes e distintos quanto duas redações, três universidades, várias salas de aula e a família, os planos agora são de pisar no freio. Desde 2014, Guterman acumula a editoria do jornal com a docência de Jornalismo Econômico para os quartos anos da Faculdade Cásper Líbero, além de orientar TCCs. Apesar da calmaria atual do dia-a-dia, ele ri e conta que o segredo para equilibrar tantas atividades é ter uma chavinha na cabeça: “Ela vira toda vez que mudo de lugar. Se não fosse isso, com certeza não daria nada certo”.