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Edição nº 3 – Junho de 2015

Arruaça-Reportagem Rômulo Ogasavara-fotoEm frente ao Masp, famoso ponto turístico na cidade de São Paulo, uma garota que aparenta ter 16 anos junta-se aos quatro amigos, que estavam ao seu lado, para tirar um selfie. Com um braço estendido e com o celular na mão, a jovem pede ao grupo para que faça biquinho e ao mesmo tempo, com os dedos da mão, o sinal do número dois. Logo após tirar a foto, ela diz a uma das amigas que “irá postar a imagem no Facebook para fazer o chek in. A cena descrita é recorrente nos dias de hoje. Mais habitual ainda é utilizar vocábulos estrangeiros no dia-a-dia, seja na fala ou na escrita.

Ao andar pelas ruas das médias e grandes cidades brasileiras, é possível perceber como estamos rodeados de palavras estrangeiras, principalmente importadas do inglês, que “invadem” salões de beleza, restaurantes, placas com nomes de bairros, edifícios comerciais e não comerciais, entre outros lugares. Assim, é comum deparar com termos como hair, self service, selfie, fast food, deliver, tower, release, check-up, download, upload. Realidade que deixaria o escritor Ariano Suassuna, conhecido por sua irritação ao tratar do tema, ainda mais exasperado: “Eu nunca trocaria oxente por um ok de ninguém”.

Segundo a professora de Filologia e Língua Portuguesa Ieda Maria Alves, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o estrangeirismo na linguagem é um fenômeno inevitável e natural que sempre esteve presente na formação cultural de qualquer língua. A americanização, por sua vez, faz parte deste processo. “É importante explicar que o prestígio de um idioma depende do prestígio de uma cultura. Por exemplo, o termo fast food surgiu porque nós importamos o modo de preparar uma refeição com maior agilidade. Outro exemplo é a palavra delivery. Até então, no Brasil, a entrega de um produto não era instantânea como hoje em dia, demorava-se pelo menos um dia.”

Para Dieli Vesaro Palma, professora do Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa da PUC-SP, a importação de novos vocábulos ao português também é resultado das relações políticas, ideológicas e comerciais. “A globalização e a importação de produtos tecnológicos são fatores que indicam a necessidade do conhecimento de novas línguas. No século XIX, o francês era o idioma que todos achavam necessário aprender. Após a revolução industrial, países-berços deste processo, começaram a impor o inglês através da exportação de novas tecnologias. Daqui alguns anos, o Mandarim poderá ser o idioma de prestígio.”

Dieli Vesaro ainda diz que a americanização de palavras também ganha notoriedade por questões mercadológicas. “Ao se apropriarem do inglês, as pessoas têm o objetivo de passar uma imagem de que o serviço oferecido está no padrão internacional.” Dessa forma, agora não adianta “falar chique bem”, também é preciso morar e trabalhar em lugares chiques. Sugestões não faltam. Que tal morar no bairro Brooklyn, no edifício Office Prime e trabalhar no World Trade Center São Paulo? Se preferir, tem o jardim Indianápolis, ou o condomínio Royal, localizado a poucos metros de um Outback no centro da capital.

A evolução do português

A língua não é estática. Nunca foi. O português nasceu do latim, mas com o passar da história, recebeu influência de outros povos: árabes, franceses, italianos, japoneses, ingleses e espanhóis.

Em 1928, Oswald de Andrade apresentou seu Manifesto Antropofágico, que exaltava a identidade brasileira por meio da manifestação cultural do país sem a dependência da cultura estrangeira. O documento tornou-se um marco do Modernismo Brasileiro e “Tupi, or not tupi, that is the question” é uma das muitas metáforas encontradas no manifesto e que, no contexto da época, significa “ser ou não ser brasileiro.”

Nos dias de hoje, a famosa frase de Oswald é um exemplo que explica dois fenômenos: o próprio estrangeirismo e o empréstimo linguístico. Com a importação de novas tecnologias e os lançamentos de programas de computador de modo frenético, fica difícil aportuguesar certas palavras do inglês. Por exemplo, outdoor, off, marketing, link, selfie, são termos que não sofreram adaptações para o português. A esse processo se dá o nome de estrangeirismo. Já o empréstimo linguístico ocorre quando uma palavra é incorporada às características de uma língua local. Existem termos que foram “abrasileirados”, como, por exemplo, o verbo deletar, que remover, e surgiu do termo inglês delet.

Quando palavras estrangeiras entram no dicionário

De acordo com Ieda Maria Alves, cada dicionário tem um critério próprio para inserir termos estrangeiros. Porém, para uma palavra nova constar no documento, é preciso que ela constitua um caso chamado de variação linguística. Quando um termo se torna mais usado do que outro que já existia antes, ele passa pelo processo de variação, como é o caso do verbo postar, que superou o verbo colocar.

Para fazer essa escolha, a professora explica que os mais novos dicionários utilizam o sistema de Linguística de Corpous, que é conjunto de dados linguísticos textuais coletados criteriosamente, com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística através do auxílio de ferramentas eletrônicas.

A linguística de corpous surgiu com a necessidade de facilitar os trabalhos dos estudiosos que queriam se apoiar na verificação do uso da língua com base em casos reais a fim de esboçarem teorias a respeito do funcionamento linguístico. O conteúdo é composto por textos que apresentam palavras selecionadas de acordo com a sua popularidade. Um termo que se tornou comum no cotidiano de uma comunidade certamente entrará nesses bancos de dados, e eventualmente terá chances de figurar em algum dicionário da língua portuguesa.

Lei ante estrangeirismo

No Brasil, de tempos em tempos surgem propostas para evitar o uso de estrangeirismo. Em 2001, um projeto lei proibindo o uso de palavras estrangeiras foi levado ao Congresso Nacional. Trata-se do PL n. 1676, que teve como um dos idealizadores o atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, na época deputado federal pelo PCdoB. O objetivo era evitar possíveis excessos e abusos no uso de expressões estrangeiras. O projeto chegou a ser aprovado pela Câmara dos Deputados, mas não passou pelo Senado.

Para a maioria dos linguistas, a proposta de Rebelo era inadequada. “Para fazer o controle, teria que ter um batalhão de fiscais. O Congresso não pode, por meio de uma lei, tentar barrar um aspecto que é inerente a toda e qualquer língua, que consiste na troca de vocabulários”, explica Dieli Vesaro.

Na opinião da professora, o projeto de lei é resultado da uma visão burocrática que não se adaptou ao novo cenário linguístico. “Por um vício de formação na escola, que insiste muito na gramática tradicional, o povo brasileiro não tem uma imagem real do que seja uma língua. As pessoas ainda acreditam que a língua brasileira é uniforme e imutável. Não é verdade. Nenhum idioma é assim, pois todos estão em constante mudança.”

Sem o empréstimo de determinadas palavras e expressões de outras línguas, não usaríamos vocábulos como alface, quibe, maestro cantadas e abajur? Outrora estrangeirismos, e hoje tão bem adaptados à língua do dia-a-dia.

 

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