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Edição nº 7 – 2018

Ele chama seu fascínio pelo fúnebre de fetiche, um sentimento que vem desde a infância, quando Edmundo ainda não sabia o que era a morte, mas já queria ter seu próprio cemitério no futuro. Esse sonho de infância foi a inspiração para as brincadeiras do então menino que confeccionava, com papelão, as caixas onde os animais mortos que seu pai criava eram enterrados: “Porcos, cachorros, coelhos entre outros; quando eles morriam papai me pedia para dar-lhes um fim, enrolava-os em um tecido e os sepultava, sem esquecer de demarcar a cova com uma cruz”, diz.

Nascido em Mairinque, Edmundo Silva é funcionário público municipal há 30 anos, e desde 1997 trabalha como coordenador do cemitério da cidade, lugar onde seus sonhos de infância se realizam: “Um amor tão grande que nem a morte vai separar. Minha casa aqui já está pronta, quando Deus achar que tem que me recolher é aqui que vou ficar”, diz o idealizador da Cerimônia das Velas, evento criado com o intuito de desmistificar o cenário soturno de seu local de trabalho, “uma noite quando fechei o portão e olhei as velas acesas, pensei em fazer algo que pudesse diminuir a tristeza do lugar”, completa.

Para a organização do evento, cada edição tem suas próprias particularidades, o que torna difícil falar sobre os momentos mais marcantes das 17 edições realizadas nos últimos 20 anos. Em 2017 a cerimônia custou aproximadamente 20 mil reais e foi toda custeada com a ajuda de comerciantes, empresas e membros da comunidade: “Todos fazem questão de ajudar. Se eu não peço ajuda, o pessoal me cobra, e nem pedem recibo para as suas doações” diz o idealizador, que desenvolve o evento com o intuito de colaborar com o legado cultural da cidade: “Mairinque só ganhou com isso, tudo o que se perpetua é cultura, a religião, a família e o trabalho”.

Milhares de castiçais feitos com garrafas pet são enfileirados pelo chão de todo o cemitério. Quando a vermelhidão do pôr do sol começa a tomar o céu, os portões se abrem para a comunidade, que acende uma a uma as velas espalhadas entre os túmulos. Quando não se tem mais nenhum resquício da luz do dia e tudo já está iluminado, começa uma missa celebrada pelo padre da cidade, e os cânticos católicos rompem o fúnebre silêncio.

Na homilia da missa o padre recorre à canção de Elton John, Candle in the Wind (velas ao vento), para falar da brevidade da vida e da imprevisibilidade da morte. No entanto, também é possível recorrer a essa canção para descrever o cenário da celebração, uma noite incomumente fria de novembro, em que as chamas de milhares de velas resistiam a um forte vento e iluminavam o caminho de aproximadamente dez mil pessoas (segundo a organização) até o túmulo de seus entes queridos.

A brevidade da vida de que falaram Elton John em sua canção e o padre na homilia parece ganhar forma ao ouvir o depoimento da mineira Maria das Graças Carneiro, 68, que mora em Mairinque há 30 anos. Maria é tratada pela organização do evento como uma das pessoas que têm cadeira cativa, e depois de acompanhar tantas Cerimônias das Velas, o evento desse ano tem um significado diferente para ela, que há oito meses enterrou o neto de 18 anos, vítima de um acidente de trânsito. “É uma oportunidade para nos sentirmos mais perto daqueles que se foram”, diz.

Algumas das milhares de velas espalhadas pelo cemitério não resistem aos fortes ventos e se apagaram antes do fim da celebração, quase uma analogia ao caso de Aparecida Santana, 63. Morando em Mairinque há 40 anos, é a primeira vez que a aposentada vem assistir a celebração: “Só vi pela televisão e sempre achei muito lindo, como meu marido morreu esse ano tenho vindo frequentemente aqui, e resolvi vir essa noite pra poder rezar por ele”, diz Aparecida.

Se visitar um cemitério à noite parece algo incomum, mais incomum ainda é o final da celebração, uma queima de fogos dividida em quatro partes encerra a cerimônia homenageando alguns santos católicos e os falecidos enterrados no cemitério. Ao som de Halellujah os fogos iluminam o céu escuro da noite alta, destoando do tradicional silêncio fúnebre e harmonizando com a saudade coletiva. “Onde quer que eles estejam, merecem ser lembrados com alegria, aqui estão nossos familiares não deve ser um lugar triste”, diz Iolanda Ribeiro, 59, viúva desde 2004, a aposentada acompanha a Cerimônia das Velas há muitos anos.