Se pensarmos na eleição de palavras estampadas em textos, o trabalho de Agnès Varda seria a ilustração de uma intertextualidade sinestésica. Varda por Agnès (2019), seu último ensaio no cinema, é formado por momentos exclamativos e interrogativos (ou de celebração e reflexão). Ao final, cercada pelo mar, muda a pontuação e escolhe a suspensão do pensamento (ou a sua fantasia sobre o tempo) para se despedir de cena e da vida. Elege, então, as reticências metafóricas da morte, a partir de sua trajetória na areia, e ilustra as três vigas, ou verbos, que sustentam seu compromisso com a generosidade artística: inspirar, criar e compartilhar.
Com o filme marcado por uma trilha em crescente melancolia (ainda que vibrante) e pelo destaque das cores primárias, especialmente o vermelho e o azul, a diretora belga emancipa seu olhar e escapa do formato de palestra do documentário, que se assemelha a uma revista carregada de entrevistas, reportagens, trechos e curiosidades de obras passadas. Para essa conversa íntima, quebra a quarta parede e convida seu público a observar batatas, vilarejos, ruínas, a rotina dos trabalhadores e a sua própria voz no mundo.
Quando posiciona pessoas à frente de espelhos ou acompanha os modos de vida de seus personagens – Panteras Negras, feministas, agricultores, imigrantes, dentre outros –, Varda faz mais: confronta a ideia de trivialidade da existência. Conviver com a realidade do outro, dessa forma, se transforma em mote não só estilístico, mas representativo. E é ao coexistir com grupos que passam pela barreira da opressão que a artista visual, como gostava de ser chamada, liberta seus protagonistas no espaço da tela cheia.
Como tentativa de descrever um aceno, registro uma palavra: serendipitosa, por natureza.