Há um ano, jovens, adultos e celebridades se divertiram compartilhando nas redes sociais fotos com projeções de uma versão mais velha de si mesmo. Sem saber, eles compartilhavam também informações de navegação web e metadados com a empresa russa desenvolvedora do FaceApp. Nesta pandemia, a mesma estratégia virou moda novamente, agora com fotos que simulam outro gênero do usuário. A experiência mostra que até nas atividades mais triviais da vida digital, como brincadeiras da moda, algoritmos estão presentes e somos nós que alimentamos os dados que fazem esses programas rodarem.
Na live “A Algoritmização da vida”, o professor Eduardo Nunomura lembrou que o algoritmo pode ser visto, pela maioria da população, como um misterioso conjunto de regras executadas roboticamente. Mas a analogia de uma receita de cozinha, quando usamos alguns ingredientes e seguimos um conjunto de instruções, não deixa de ser um algoritmo: “Cada vez mais estamos usando ferramentas criadas tecnologicamente que têm como base uma entrada de dados (inputs), um conjunto de instruções que processam essas informações e um resultado (output).” E por mais que não percebamos, nós adoramos interagir com elas, acrescentou.
“Temos uma grande máquina de inteligência publicitária e não artificial. Essas grandes empresas coletam uma quantidade impressionante de dados e vendem esses dados de volta para os consumidores”, lembrou Nunomura. Quando escolhemos músicas e filmes nas plataformas de streaming e curtimos conteúdos em redes sociais, fornecemos para essa sociedade digital os dados sobre nós que alimentam os algoritmos. E máquinas são capazes de executar comandos com muito mais velocidade e capacidade que nós humanos podemos.
Coordenadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP), a professora Michelle Prazeres pontuou a importância dos comunicadores lançarem mão dessas ferramentas para estarem alinhados à tecnologia, mas recomendou atenção: “As empresas que financiam essas máquinas também têm determinados interesses. Como usuário estamos nas mãos de interesses que não sabemos quais são”. Nunomura completou: “Se não pensarmos nessa problemática, talvez um algoritmo seja capaz de escrever matérias melhor do que jornalistas. E esses programas assim já existem”.
Alimentar plataformas baseadas em algoritmos com nossos gostos e interesses passou a fazer parte de uma lógica de mercado. Com isso, parecemos estar sofrendo perdas sociais. A segmentação de conteúdos e anúncios pode não ter criado as bolhas de intolerância nas redes, mas para os docentes, as legitima por acelerar a perda da empatia no ambiente digital. “A máquina não entrega mais sugestão de consumo, ela entrega padrões de comportamento seus. Se perde a esfera pública e você tem uma timeline que é só sua”, explicou Prazeres.
O custo de ignorar as letras miúdas das políticas de privacidade em sites e aplicativos pode ser caro demais, mas Nunomura, jornalista e também bacharel em Ciências da Computação pela USP, apontou que a alfabetização digital e a transparência na programação desses códigos podem contornar a complexidade deste universo e guiar uma possível legislação reguladora. Fugindo de uma visão negativista da saga homem versus máquina, ele apontou que a algoritmização da vida moderna também tem suas vantagens. Afinal, facilitamos a vida dos algoritmos, mas eles também facilitam a nossa.
Em tempos de pandemia, correr para as colinas digitais foi a saída para manter muitos negócios ativos durante a quarentena. Escritórios que antes tinham medo de oferecer home office a seus funcionários se viram obrigados a fazê-lo. “A pandemia nos colocou em uma transição da noite para o dia e o digital está sendo empurrado para nossas vidas. É inevitável que a gente pense se quer mesmo levar esse tipo de vida no futuro“, ponderou Nunomura.
Questionado sobre se a algoritmização da vida é capaz de nos fazer perder a humanidade, o jornalista afirmou que o momento presente nos convida a preservar o contato humano: “Por mais que esse mundo de facilidade seja muito sedutor e prático, precisamos sair desse ambiente digital e entender que não é necessário fazer tudo online”.
O debate encerrou o segundo ciclo de lives sobre “O futuro da comunicação pós pandemia” da Faculdade Cásper Líbero promovido pelo CIP em parceria com o Núcleo Editorial de Revistas. Para acompanhar as outras conversas, confira a cobertura da Revista CÁSPER.