No dia 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog era assassinado cruelmente, vítima de um contexto de forte repressão ocasionado pela ditadura militar. Após três décadas desse acontecimento que impulsionou a abertura política brasileira, João Batista de Andrade – roteirista e diretor – elabora o documentário Vlado – 30 anos depois, com vivências pessoais de conhecidos e amigos de Herzog, com o intuito de perpetuar a história do jornalista que simbolizou a luta democrática brasileira.
Nascido na Iugoslávia, Herzog foi obrigado a fugir da perseguição nazista para a Europa devido ao contexto da Guerra em 1937. Posteriormente, se naturalizou brasileiro. Graduando-se na Universidade de São Paulo no curso de Filosofia, conhece a esposa Clarice com quem se casa na década de 60, início da ditadura militar. Nessa época, ficou evidente para os depoentes que Vlado estava dividido entre duas paixões: jornalismo e cinema. “Escrevia muito bem, pautava muito bem”, declarou o jornalista e escritor Fernando Morais. Chegou a produzir um documentário sobre pescadores na Baía de Guanabara, denominado Marimbás.
Por outro lado, “era ligado à arte, à cultura”, conta Rodolfo Konder, jornalista que também foi submetido ao confinamento no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão maniqueísta utilizado pelos militares para repreender todos que fossem contrários ao regime vigente.
Recém-casados no contexto do Golpe Militar, o casal decidiu passar uma temporada na Inglaterra. Longe do Brasil e seus “anos de chumbo”, o jornalista envolveu-se com a BBC de Londres (British Broadcasting Corporation), fazendo com que desenvolvesse ainda mais experiência na área da comunicação e da televisão, mudando o foco da dualidade. Preocupado em mostrar a realidade e não produzir para as camadas elitistas, Herzog assumia um compromisso com a liberdade de expressão, o que dificultou a decisão de voltar ao Brasil em 1968, época do decreto do AI-5 (Ato Institucional nº 5), que concedia poder absoluto aos militares.
No Brasil, trabalhou como editor de Cultura na revista Visão, que João Batista de Andrade classificou como uma “ilha de independência e visão crítica da realidade brasileira”. Foi parceiro de grandes jornalistas como Ricardo Setti, Paulo Francis e Zuenir Ventura. Posteriormente, atuou na TV Cultura, no programa A Hora da Notícia, que teve curta duração graças à abordagem de questões populares, que denunciavam os problemas que enfrentavam a sociedade brasileira. Era classificado como “pessimista”, já que o regime tentava disseminar a imagem de um país próspero e afortunado.
Com a repressão ao comunismo, todos os seus aliados e simpatizantes foram perseguidos pelos militares de linha dura. A prisão com a conivência do governo federal fez com que muitos fossem torturados e assassinados no prédio da Rua Tomás Carvalhal, conhecido como DOI-CODI. A singularidade do capuz que eram submetidos fazia com que se preparassem para a “cadeira do dragão”, uso de amoníaco ou a “pimentinha”, instrumentos de tortura utilizados.. “A grande materialização do DOI-CODI era o capuz”, confessa Paulo Markun, um dos depoentes que reavivaram essas memórias. Vlado foi levado ao DOI-CODI para prestar esclarecimentos e foi torturado até a morte. A foto divulgada na mídia dava a entender que ele havia se enforcado com o cinto, o que fazia com que os responsáveis se livrassem da responsabilidade. A farsa foi desmentida pelos companheiros que estavam no mesmo ambiente no momento do assassinato.
Vladimir Herzog deixava a esposa e dois filhos. O culto ecumênico paralisou a cidade e a Catedral da Sé, em um protesto contra o regime. Foi a alavanca para que ocorresse uma mobilização e a abertura política se concretizasse: “Vlado não morreu em vão”, acreditava José Mindlin. Herzog, sem dúvidas, reavivou na população o sentimento e a sede por autonomia, além de uma mudança de cenário para que se criasse condição de um novo Brasil e um novo jornalismo: o de compromisso com a liberdade.