Por Ana Luiza Sanfilippo, estagiária do Núcleo de Mídias Digitais
Em meados da década de 1990, o mundo viu o jornalismo começar a sofrer mudanças em seu formato. De repente, a forma usual impressa se tornou digital, o que trouxe algumas consequências para a comunicação. Primeiramente, com a digitalização de conteúdos para a internet, muitos veículos tradicionais precisaram fechar as portas, pois não tinha mais como manter todo o processo de impressão. Já órgãos como Folha, Estadão, Gazeta entre outros, conseguiram se reinventar e acompanhar a transição do impresso para o digital, o chamado ciberjornalismo na época.
Entretanto, é importante frisar que não necessariamente foi um processo negativo para os comunicadores e seu público, pelo contrário. Hoje em dia, temos mais acesso a conteúdos de boa qualidade e gratuitos, temos um leque de veículos para consumir de maneira rápida e prática, e, acima de tudo, na palma da nossa mão. Não é mais necessário sair de casa e ir à uma banca de jornal ou fazer a assinatura de uma revista para se manter bem informado.
Porém, tudo tem pontos positivos, mas também negativos. Muitos veículos conhecidos tiveram que encerrar suas publicações, a possibilidade de consumirmos notícias falsas se tornou ainda maior e a infodemia é evidente.
No geral, essa adaptação foi boa ou ruim?
Segundo o professor Edson Rossi, que leciona sobre essa área da Comunicação há 27 anos, o jornalismo era feito com uma certa periodicidade desde que nasceu, no começo do século XVII. Essa prática ocorreu desde 1600 na Alemanha até os anos 1990. Antigamente, havia só duas formas de fazer jornalismo: o modo impresso (jornais, livros, revistas) e o eletrônico, que seria a rádio e a televisão. Com o surgimento do webjornalismo, o conceito de periodicidade desapareceu. A notícia pode ir ao ar a qualquer momento e em qualquer formato, o que desestabilizou os veículos tradicionais.
Além disso, com o processo do impresso para o digital, as notícias começaram a ser produzidas em uma velocidade completamente maior do que era anteriormente.
O excesso de velocidade traz duas coisas: o risco e a baixa qualidade.
O profissional da comunicação apresenta alguns dos problemas que começaram a aparecer com o ciberjornalismo.
O jornalismo na web nasce com a velocidade como DNA. Nessa velocidade está na essência dele ter nascido também menos denso, menos contextualizado. Muitas vezes ele destruiu ferramentas que eram históricas no jornalismo como o lead. Muitas vezes você lê a notícia e ela não tem as seis questões do lead sendo respondidas.
O professor Edson também afirma que o jornalismo digital nasceu não cobrando pelo jornalismo em si, já que não se compra mais a notícia. Com o impresso, a receita era gerada já naquele momento, enquanto no digital, as informações eram entregues completamente de graça. Edson Rossi afirma que essa decisão se tornou um impasse:
Quando você não cobra por nada, chega um momento em que ninguém vai querer pagar por isso. O mundo digital nasceu muito de graça. Esses grandes portais precisaram trabalhar com a busca de audiência, e para buscar audiência o pessoal começou a fazer uns truquezinhos muito sujos, muito ruins no jornalismo. Isso fez com que a qualidade caísse.
Basicamente, o famoso clickbait se tornou algo ainda mais comum com a era digital, pois esse esquema de atrair o público chamando atenção de qualquer forma, sempre existiu.
A realidade é que conteúdos bons e ruins sempre existiram, assim como as fake news. Porém, com as redes sociais, esse tipo de conteúdo tornou-se frequente, principalmente porque hoje em dia é mais fácil realizar a publicação de notícias. Mas ainda existem bons jornais que realizam um trabalho de excelente qualidade, frisa o professor Edson Rossi.
É preciso levar duas coisas em consideração ao criar um veículo: o tema e o público-alvo. Essa é a base da elaboração de um veículo de qualidade e vale para qualquer plataforma. Especificamente sobre as plataformas digitais, o professor comenta:
O que vai ser decisivo, especificamente do mundo das plataformas digitais, é se o seu veículo é um portal horizontal, no sentido de um portal que busca grandes audiências, um número maciço de usuários, para gerar muitos cliques e fazer receita a partir disso, ou se ele vai ser um produto nichado, segmentado.
Decidindo entre esses dois formatos, o importante agora é buscar realizar um conteúdo ético e de qualidade para o público. Não necessariamente a ausência de moral dentro da criação de conteúdo é pertencente unicamente às redes sociais. Infelizmente, é mais comum, mas é possível criar excelentes formas de comunicação exclusivamente digitais.
Os podcasts hoje, por exemplo, fazem muito sucesso no jornalismo, pois conseguiram reinventar o formato tradicional para algo digital e inovador. Tanto que alguns dos veículos mais antigos, como a Folha de S. Paulo, se modernizaram e criaram novas formas de fazer jornalismo pela internet, como o podcast Café da Manhã.
Com essa mudança, o jornalismo digital é acessível para todas as gerações?
Além de possível, é necessário. Ao pensar no público-alvo, questões como acessibilidade devem estar bem resolvidas.
É necessário atender as diferentes gerações. O que não significa fazer o que as pessoas querem, mas fazer algo dirigido a elas.
A afirmação do professor Edson Rossi mostra que o jornalismo deve atender a todos os públicos, cabe a cada veículo proporcionar o conteúdo específico para cada um deles.
Durante o século XX, as revistas foram o maior sucesso no meio jornalístico. Havia vários tipos para diversos públicos, e eram consumidas pelos brasileiros principalmente entre 1950 até o início dos anos 2000. Com o surgimento dos blogs e dos demais veículos jornalísticos online, conteúdos que eram produzidos quinzenalmente ou mensalmente pelas revistas se tornaram diários no ambiente digital.
O professor Edson afirma que as revistas sofreram mais do que os jornais, rádios e TVs nessa transição:
Um dos maiores grupos de mídia da segunda metade do século passado por 60 anos foi o Grupo Abril. Chegou a ter 60 títulos, chegou a liderar em todos os segmentos de revista do Brasil, chegou a ter mais de 1000 jornalistas, era um grupo de mídia que rivalizava com a Globo, mesmo não tendo rede de TV e o Grupo Abril acabou.
Entretanto, o professor destaca que alguns veículos conseguiram se reerguer ou se renovar, como o Grupo Folha.
Os veículos impressos que entenderam que o grande patrimônio deles era a marca, ou seja, a relevância daquele conteúdo, daquele time de jornalistas, com boas notícias e notícias relevantes, notícias que mudavam o destino de um país, conseguiram mudar para o mundo digital e sobrevivem.
Com três passagens pela Abril, Edson Rossi saiu de vez em 2015, ano em que o grupo começou a cair. Com isso, ele viveu o ápice em 1987 e a queda em 2015 de um dos veículos jornalísticos mais conhecidos do Brasil. O professor enfatiza que, se houve perda na qualidade do conteúdo, a culpa foi da necessidade de postar notícias em larga escala e dos clickbaits. Dessa forma, os erros ficaram mais aparentes.
Com a mudança para o digital, os veículos acabam criando certas tendências, como diz o professor:
Cada vez mais vamos ter veículos mais nichados e, consequentemente, mais qualificados. Mesmo dentro de portais, começam a nascer canais cada vez mais segmentados.
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