Em entrevista à Newsletter Pós na Cásper, Cido Coelho, professor da pós-graduação em Jornalismo em Plataformas Digitais na Cásper, fala sobre os limites éticos no uso da inteligência artificial no jornalismo, os usos nas redações e o preconceito de jornalistas em relação ao tema.
Cido Coelho é especialista em mídias digitais e web, jornalista no Portal SBT News, membro do Projeto Comprova (fact checking) e ministra vários cursos sobre jornalismo e Inteligência Artificial (IA). Leia a entrevista abaixo!
As formas de uso da inteligência artificial nas redações podem ser para auxílio à busca, usando como o Google, para revisão textual, sugestão de Tags para SEO (Search Engine Optimization – estratégias para otimizar a visibilidade de conteúdos na internet), criação de arte ou imagens realistas para ilustrar alguma notícia, criação de gráficos ou tabelas para organizar os dados.
Tudo isso feito a partir de uma ordem, um comando, como se diz tecnicamente, um prompt. Por exemplo: você pode pedir a imagem de um pôr do sol no formato 16:9 (relação entre a largura e altura) com cores vivas e o chatbot te entrega, você pode usar essa criação para um texto de opinião ou para ilustrar um lugar que não foi possível o registro audiovisual. Enfim, você tem que ser criativo e detalhista para pedir a sua demanda para a ferramenta.
O jornalista pode “abrir a mente” e quebrar o preconceito para o uso da IA. Há um entendimento ético e o receio de uso inadequado da ferramenta, o que é bem compreensível. Mas, é importante ressaltar que o jornalista pode usar a IA como uma grande aliada. O jornalista, que já tem uma boa base técnica, cultural e de conhecimento, pode usar a IA como um assistente na produção de conteúdos. Você faz o comando para a Inteligência Artificial agir e ela entrega o que você pede. Logo, a ferramenta está ao nosso domínio e não o contrário.
Para quem é da geração mais recente de jornalistas, o uso da tecnologia já é algo mais internalizado; existe uma facilidade e uma adoção mais rápida às novas tecnologias. O desafio compete às gerações anteriores de profissionais que ainda buscam se adaptar à internet, às redes sociais, além da transformação digital pela qual passa o jornalismo. Ou seja, o jornalista precisa de letramento digital e um treinamento mais adequado e intensivo às ferramentas que vão ajudá-lo no dia a dia do processo jornalístico.
O jornalista tem que se interessar em conhecer e aprender a usar a ferramenta com a consciência de que ela vai ser uma aliada no trabalho, e não uma inimiga que vai canibalizar o seu emprego. Cabe ao jornalismo como um todo essa conscientização ética e as boas práticas de uso das ferramentas de inteligência artificial.
A inteligência artificial é uma “faca de dois gumes”. Ela não é a salvação da lavoura, mas ajuda a “carpir um lote”. A salvação da lavoura no jornalismo ainda são os investimentos em produção de conteúdo e profissionais humanos capacitados de forma técnica e ética no processo jornalístico, para atender às demandas de relevância e interesse informacional da sociedade.
A IA vai ser como o streaming, vai ser normal o seu uso, ela vai ser mais uma ferramenta como o Office, o Analytics, o Chartbeat, o Word ou algum CMS (Sistema de Gestão de Conteúdos) que são usados em quaisquer redações mundo afora. Agora, no cardápio de ferramentas que nos ajudam a fazer um bom trabalho, temos o ChatGPT, o Gemini, o Canva, o Adobe Firefly, o Leonardo AI e tantas outras que podem nos ajudar a expandir o nosso processo criativo na produção de conteúdo.
Vejo que a IA ficará na produção de conteúdo commodity, aquele conteúdo cotidiano dos números da bolsa, dados da economia, resultados dos jogos, essas informações e trabalhos mais repetitivos, enquanto o jornalista, humano, vai ter mais tempo para se dedicar ao noticiário ao analisar informações, cenários, procurar histórias relevantes ao público, produzir conteúdo mais dedicado, assertivo, com mais qualidade e profundidade, gerando uma melhor entrega e distribuição ao público.
Uma coisa importante a se destacar: vai cair do cavalo quem achar que as pessoas vão consumir conteúdo de inteligência artificial com naturalidade. Já existem pesquisas que mostram que as pessoas desconfiam dos conteúdos gerados por inteligência artificial. Trazendo para você que lê esta entrevista, a pesquisa MITRE-Harris Poll sobre tendências de IA, realizada nos Estados Unidos em fevereiro de 2023, aponta que três quartos dos entrevistados estão preocupados com o uso da IA na produção de conteúdo, principalmente em relação às fake news – desinformação espalhada na web de forma deliberada para gerar mentira com algum interesse ou propósito – e as deep fakes – que são vídeos e imagens falsas geradas por programas de computador e IA para criar confusão e desinformação com alguma finalidade maliciosa.
No geral, 7 em cada 10 pessoas entrevistadas pela MITRE-Harris ainda têm preocupações com o uso malicioso da IA em várias situações e ainda há uma forte preocupação com o uso seguro da tecnologia. E digo mais, 8 em cada 10 pessoas defendem a regulação do uso da tecnologia, tamanho é o receio com a IA. Logo, podemos dizer que até o momento as pessoas querem conteúdo de confiança gerado por pessoas e o jornalismo, com seus jornalistas profissionais, está presente para cumprir este papel de curadoria para levar as informações mais confiáveis ao seu público para que eles possam se apropriar delas e se autogovernar. Logo, o jornalismo ainda tem seu peso e papel preponderante na sociedade e na manutenção da democracia.
Este conteúdo faz parte da Newsletter Pós na Cásper, uma iniciativa dos cursos de Pós-Graduação lato sensu da Faculdade Cásper Líbero, que informa e divulga as produções realizadas pelos estudantes que desejam aplicar o conhecimento adquirido em suas atividades profissionais nas organizações, ou querem realizar novos projetos, como transição de carreira ou inovação nas funções que já exercem. Iniciativas e perfis de docentes, além de agenda sobre eventos (como aulas magnas e abertas, mesas-redondas, oficinas, rodas de conversa, entre outros) também são o foco da publicação.
Para sugerir pautas para a newsletter, envie um e-mail para [email protected]. Para receber o boletim mensal, inscreva-se pelo formulário abaixo: