Na noite da quinta-feira, 3 de abril, a Faculdade Cásper Líbero recebeu o professor Fernando Salla; a ativista Débora Maria, fundadora e coordenadora do Movimento Mães de Maio, formado por mães e familiares que perderam seus entes, vítimas da violência do Estado em maio de 2006; a especialista em Segurança Pública, Marina Menezes e o mestre em Direito pela USP e doutorando em Relações Internacionais pela mesma instituição, Renan Quinalha. Foi uma noite intensa, da qual os alunos e professores participaram ativamente, fazendo perguntas para os convidados e deixando bastante claro que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer rumo à real democracia.
A maioria de nossas instituições, estatais ou privadas, ainda retém enorme conteúdo residual desse período. Essa afirmação torna-se evidente após a constatação de que somente no Estado de São Paulo, entre os anos de 2008 a 2012, 10% dos homicídios foram cometidos devido às execuções policiais. E não são apenas esses números assustadores que demonstram que o padrão de violência da polícia brasileira hoje, é reflexo do período ditatorial, a exemplo das práticas de tortura que ainda persistem, nos interrogatórios, na manutenção dos presos em seus vários espaços de confinamento ou até mesmo na abordagem e revistas policiais. Tais práticas não foram criadas na ditadura, mas é indiscutível que ela as potencializou e, a um passo de completarmos trinta anos do fim desse período, parece que a sociedade brasileira ainda não aprendeu a conviver bem com as diferenças e com os conflitos sociais. O professor Fernando Salla afirma que uma sociedade minimamente democrática não pode permitir esse completo desrespeito em relação às leis e que não importa se a pessoa julgada é criminosa ou não, isso é uma questão de direitos humanos.
Não é difícil perceber que a sociedade brasileira está cada vez mais intolerante, agressiva e insensível com os problemas alheios. Vive-se em um período de grande corporativismo e, nesse contexto, é como se as pessoas perdessem a sua importância fundamental, tornando-se essenciais apenas para o funcionamento da engrenagem. Esse é um cenário que nos remonta novamente ao período de chumbo, já que grandes instituições, muitas existentes até hoje, apoiaram e financiaram o golpe e o tipo de governo que se deu em seguida.
“O problema da questão não está nas diferenças, pois elas são naturais em qualquer sociedade e em qualquer período. O problema é quando essas diferenças tornam-se instrumentos de separação e afastamento, a ponto de desconfigurar uma sociedade de seu projeto coletivo”, palavras muito bem colocadas pelo mestre Renan Quinalha.
Débora Maria afirmou que vivemos na democracia da chacina. Para os periféricos, a ditadura não acabou: o alvo tem cor e tem classe. Em maio de 2006 e nos protestos cada vez mais atuais e recorrentes, como na época da ditadura, quem estava na rua era inimigo da polícia. A polícia brasileira é a polícia que mais mata no mundo. E esta polícia não é despreparada, como muitos dizem. Ela é muito bem preparada, mas contra a população, utilizando-se de práticas abusivas para impor poder e matar.
Após a ditadura, não se fez uma análise das instituições, a exemplo do exército, da polícia e dos partidos políticos, como deveria ter sido feito. A violação dos direitos humanos, a corrupção, a repressão e a punição policial são resquícios do processo malfeito de transição para a democracia. É disso que fala Marina Menezes que comenta, ainda, que apesar de o assunto “segurança pública” ser tratado como sendo um tema de direita e as pessoas que se consideram de esquerda se recusam a tratar sobre tal, pensando, primeiramente, na eliminação de quaisquer diferenças sociais, é importante ter um bom planejamento desta segurança. Além disto, ela diz que nem sempre a solução para os conflitos sociais é tipificar, ou seja, tornar crime previsto no Código Penal Brasileiro.
Vale lembrar que a polícia que temos é reflexo da sociedade que somos. Como combater a violência e corrupção policial se cometemos pequenas corrupções, usamos e abusamos do “jeitinho brasileiro” e incitamos o crime? E não precisamos ir muito longe para notar isto: o Facebook e a televisão estão cheios de discursos de ódio e pessoas apoiando os chamados “justiceiros” que, ao notar a ausência de uma ação policial, fazem justiça com as próprias mãos, valendo-se de violência corporal e psicológica. Muitas pessoas aplaudem esta prática de pé, como a âncora Raquel Sheherazade, do SBT. Para Marina, cassar a concessão deste canal é o mínimo que se deve fazer como sanção.
Ao final dos debates restou a pergunta: sociedade democrática para quem?