O ano era 1969. O Brasil presenciava, em todas as áreas, o reflexo do AI-5. Com o teatro não foi diferente. Sentindo na “pele” os efeitos arrasadores da lei, nomes como Leilah Assunção, Isabel Câmara, Consuelo de Castro, José Vicente e Antônio Bivar despontavam na cena teatral. Por este motivo, o crítico e ensaísta Sábato Magaldi considerou que aquele ano provavelmente seria destacado, no futuro, como notabilíssimo na história do teatro brasileiro.
É sobre a geração de 1969 que Welington Andrade, professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, bacharel em Artes Cênicas pela Uni-Rio e doutor em literatura brasileira pela USP, se debruça em O teatro da marginalidade e da contracultura. O capítulo faz parte do segundo volume da História do Teatro Brasileiro: do modernismo às tendências contemporâneas (Editora Perspectiva), organizada pelo professor João Roberto Faria. Em cada um dos dois volumes, um time de colaboradores se dedica à belíssima missão de recontar a história da arte teatral no Brasil, aprofundando certos aspectos que levaram à sua evolução e consolidação.
Além de trazer à tona o nome das obras e dos autores mais expressivos da época, Andrade apresenta as características, as influências, os encontros e desencontros desse teatro marginal praticado pelos dramaturgos de 1969. “É como se os autores concebessem suas tramas e enredos, partindo apenas de suas próprias vivências e visões. As experiências formais realizadas em outros países não parecem, a rigor, importadas. Tudo é abrasileirado. Encontramos ecos distantes de Sartre em Bivar, de Genet em José Vicente, de Ionesco em Athayde, por exemplo, mas a fórmula das peças está ligada à corrente espontânea do próprio movimento interior desses dramaturgos”, escreve. Para Andrade, “É uma geração de dramaturgos que propõe uma nova forma de abordar a questão política, unindo-a ao problema da subjetividade, às voltas com a iluminação do mundo interior”.
Confira a seguir a entrevista concedida por Welington Andrade ao site de Jornalismo da Cásper.
SITE: No texto, o senhor afirma que, para alguns críticos, a obra de Plínio Marcos é a mais revolucionária dos anos 1960. O senhor concorda? Por quê?
WELINGTON ANDRADE: Depende muito de como se trata o qualificativo “revolucionário”. Plínio Marcos foi um dramaturgo muitíssimo importante para a década de 1960 pelo fato de ter problematizado a violência do homem contra o próprio homem por meio de uma voltagem emocional nunca antes vista em nossos palcos. Por esse viés, então, ele faz jus ao adjetivo. Mas há no período outras dramaturgias “transgressoras” também. As de Vianinha e Boal, por exemplo.
Quais foram os problemas enfrentados pelos autores de 1969 ao terem sua dramaturgia vista por certos setores intelectuais sob a pecha de “teatro alienado”?
O principal problema foi o da visibilidade. Em muitos textos que fazem um balanço histórico da década de 1960, a geração de 1969 simplesmente não é tratada com a seriedade que, creio eu, ela merece. As obras de tais dramaturgos viraram espécimes muito exóticos e não foram compreendidas por meio do mesmo sistema de referências socioculturais aplicado ao teatro de esquerda, por exemplo.
Qual autor da geração de 1969 é o seu favorito? Por quê?
Antonio Bivar. Por que ele misturou nonsense, absurdo, contracultura, cultura pop e existencialismo em doses muito equilibradas, concebendo uma dramaturgia bastante original.
Hoje, o senhor acredita que há grupos de teatro dispostos a, assim como o grupo de 1969, “renovar e consequentemente, ampliar o modo de interação do teatro com a sociedade”? Quais são eles e como têm trabalhado?
Há em São Paulo excelentes grupos lidando com isso. A Companhia do Latão, o Teatro da Vertigem e a Companhia São Jorge de Variedade são ótimos exemplos.
Atualmente, há algum grupo teatral que dê continuidade (ou tome como inspiração) a dramaturgia de 69? Quais são eles e como são suas abordagens?
Não creio que haja alguém repercutindo o espírito da geração de 1969 entre nós, não. A mistura feita há mais de 40 anos ainda soa bastante genuína.