Cartaz contra a blogueira Yoani Sanchez
Crédito: Samanta Esteves

 

 A blogueira e dissidente cubana, que participou de diversos compromissos, principalmente na cidade de São Paulo, foi alvo de críticas de dezenas de manifestantes pró-Cuba durante o evento de relançamento do livro “De Cuba, com Carinho”, na livraria Cultura do Conjunto Nacional, no último dia 22 de fevereiro.

Os manifestantes pertenciam a diversos grupos de esquerda e entre eles havia pessoas do Levante Popular, Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba, União da Juventude Socialista (UJS) e UJR. Chegaram de maneira despercebida e sentaram no fundo do auditório. Em seguida, surpreenderam a platéia e convidados ao criticar a cubana pelo seu alinhamento ideológico ao imperialismo americano, dizendo frases como “Yoani mercenária” e entoando rimas como “Yoani é só caô, Bolsonaro ela abraçou”, em uma referência ao encontro de Yoani Sanchez com o parlamentar polêmico e conservador Jair Bolsonaro, em Brasília. Frases como “Mas que bacana, ninguém passa fome em Havana” também foram ditas por pessoas indignadas com a defesa que Yoani faz da democracia brasileira. Em meio aos cartazes, também poderia se observar protestos contra o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos à Cuba e pedidos para a libertação de agentes do serviço secreto cubano presos pelos estadunidenses. Havia também um grupo minoritário de apoio à cubana que segurava cartazes de incentivo à Yoani e de crítica ao regime comunista da ilha.

Yoani é formada em Filologia pela Universidade de Havana e alcançou fama internacional com seu blog – Generacion Y – escrevendo textos críticos à situação vivida por Cuba sob o governo dos irmãos Castro. Foi incluída pela revista Time na lista das “cem pessoas mais influentes de 2008” e recebeu o prêmio de jornalismo Ortega y Gasset. De acordo com Yoani, desde 2008 o governo cubano colocou em prática um sistema de filtragem de acesso que impossibilita que sua página seja acessada em Cuba. Por isso, conta com alguns colaboradores que atualizam o blog, traduzido em mais de vinte línguas por voluntários. A cubana, porém, não goza de tanta popularidade em Cuba e é praticamente uma desconhecida em seu próprio país. Não é vista como heroína pelos companheiros cubanos, o que causa controvérsias sobre os reais interesses que estão em jogo por trás do apoio de instituições internacionais à dissidente, como a Sociedade Interamericana de Imprensa.

Foto: Samanta Esteves

Yoani Sanchez no relaçamento de seu livro “De Cuba, 
com Carinho”. Evento gerou tumulto devido chegada 
de manifestantes contrários à blogueira

Antes do debate encerrado antecipadamente, Yoani respondeu a algumas perguntas feitas por blogueiros. Entre os assuntos abordados, a cubana falou sobre as possíveis consequências da restrição ao acesso à Internet. De acordo com ela, tal situação pode causar um problema para o sistema educacional cubano devido à desatualização de professores, além de promover o aumento do grau de desinformação da população. A blogueira também criticou o Gramna, jornal oficial do governo comunista. “Minha crítica é que este é um jornal de propaganda política que passa a imagem de que Cuba é um paraíso, enquanto os verbos utilizados para as notícias internacionais são sempre matar, morrer e destruir. É um periódico privado, de um partido. Gramna é uma hegemonia”, enfatiza.

O objetivo de fundar um jornal alternativo em Cuba foi discutido, analisando a dinâmica da troca de um blog pela imprensa tradicional. Yoani esclarece que seu trabalho como blogueira não é uma oposição à criação de um jornal e frisa a intenção de influenciar o surgimento de uma nova imprensa com um jornal que obedeça ao espírito da responsabilidade cívica. “Meu blog será sempre necessário, porque lá estão os textos que nunca poderão estar na imprensa tradicional, pois são focados na pergunta ‘por quê’ e não em ‘quando’, ‘onde’ e ‘como’,” completa.

A dissidente também falou brevemente sobre as dificuldades na publicação de livros que sejam contra o regime, elogiando a Feira Internacional do Livro que acontece em Cuba. “Tem o lado da censura, as editoras cubanas passam por muitas limitações materiais e filtrações políticas e ideológicas. Assim, a feira foi um respiro em meio a tantas restrições.”

O evento encerrou antes do horário previsto e a sessão de autógrafos foi cancelada. “Aqui não é um grupo único. Tem vários grupos e pessoas independentes que estão aqui por razões diferentes, mas pessoalmente estou aqui porque acredito que a Yoani apresenta interesses contrários ao povo”, disse um dos estudantes do Levante Popular que protestava contra a cubana.

Foto: Samanta Esteves

Manifestante ergue cartaz contrário à cubana

“Eu penso que as expressões contra Cuba são expressões que não defendem a América Latina. São expressões que são muito bem vindas pelos Estados Unidos, que invade os países, como invadiu Cuba, onde tem presos que ainda não foram julgados pelas leis de direitos humanos” fala uma manifestante que  dizia protestar de maneira independente em referência à base militar de Guantánamo. “Essas são questões para serem ditas e não as que a Yoani diz, que em seu país não tem democracia. Aqui não tem, porque o Brasil é um país de desigualdade racial, econômica, social e política” disse a manifestante que não representava um grupo específico. “Cuba, muito pelo contrário, tem uma condição social muito superior a nossa”, complementa.

Yoani chegou ao Brasil na madrugada do dia 18, em uma visita que até agora tem sido turbulenta. Por outras cidades onde passou, também foi alvo de manifestações e críticas, como nos aeroportos de Recife e Salvador. Depois do Brasil, a cubana ainda visitará alguns países, como Argentina, Peru, México, Estados Unidos, Espanha, Itália, Polônia e República Tcheca.