A semana dos 50 anos do golpe militar no Brasil contou com participações ilustres no Teatro Cásper Líbero, entre os dias 31 de março a 4 de abril. Na terça-feira, foi a vez da palestra envolvendo o futebol nos anos de chumbo e a relação que se deu entre o governo, os jogadores da época e a imprensa. Os convidados foram os jornalistas Juca Kfouri e o Prof. Dr. Marcos Guterman, além do pesquisador Prof. Dr. Denaldo Alchone de Souza.
Com muita objetividade e convicção, os argumentos do pesquisador Denaldo Alchone de Souza, que deu início à palestra, basearam-se na precedência histórica do Brasil que, em sua tradição autoritária, leva consigo os indícios de intolerância social datados da época colonial se estendendo até a época do Estado Novo. Justificou-se, assim, o ambiente político propício para a execução do golpe de 1964 e ainda uma ferramenta essencial usada pelos militares para criar a esfera de patriotismo em âmbito nacional: o futebol.
De acordo com os três convidados, o regime militar se apropriou da popularidade do futebol para conciliar a unificação nacional e consolidar seu poder sobre toda a federação. Como dito pelo Dr. Denaldo, “quando o futebol engloba todas as classes sociais, ele é cobiçado pelo governo a qualquer preço”, como foi o caso do Brasil. Destacaram também que esse tipo de mecanismo não foi aproveitado unicamente durante a ditadura, mas também em governos democráticos de direito, como JK em 1958 e Jango, em 1962. Ambos se utilizaram dos títulos mundiais para criar uma imagem positiva de seus mandatos aos olhos da população brasileira, não muito diferente do que ocorre atualmente com os discursos da presidente Dilma Rousseff a respeito da importância da Copa para o país.
Posto isso, a discussão voltou-se para a relação construída entre a comunicação e a difusão das ideias esportivas no seu aspecto político militar. Para que a influência do futebol tivesse impacto direto na população, a imagem dos jogadores de futebol deveria coincidir com os ideais de disciplina e hierarquia defendidos pelo regime. Assim, além de figuras heroicas, eram considerados os exemplos de cidadania que os indivíduos deveriam se espelhar. Deu-se início, então, ao projeto de construção do novo perfil do brasileiro.
Para tanto, a propaganda foi feita pelos meios de comunicação em massa que, de acordo com o jornalista Juca Kfouri, “não podia retratar a sociedade em que era produzida de maneira contraditória”, deixando claro que a autonomia dos veículos de imprensa era restrita pelas censuras impostas pelo governo.
Mas, quando indagados por uma espectadora, que afirmou ser indiscutível a questão do futebol ter sido o “ópio” do povo durante a ditadura, o debate desandou. Os três convidados, então, defenderam um mesmo pensamento que pode ser resumido na seguinte fala de Juca Kfouri: “É natural a mídia se manifestar com as vitórias do futebol, independentemente da ideologia que há por trás dela”. Atribuiu-se, assim, a ideia de que o uso do futebol como fenômeno de massa pode ser usado em qualquer momento, sob qualquer circunstância e em qualquer relação que há entre a população e seu governo.
Além disso, o Prof. Dr. Marcos Guterman alegou ser impossível determinar precisamente a acusação de alienação por meio da imprensa frente o pouco tempo desde a restauração da democracia, tendo em vista que o golpe foi dado há apenas 50 anos. Consodera-se, portanto, inapropriado apurar e analisar de forma clara e precisa o papel da imprensa e de sua relação com o regime militar. Segundo o pesquisador, a única alegação cabível dentre as pesquisas realizadas é a de que o futebol se apropriou da ditadura como uma “ideologia do otimismo”, responsável por devolver aos brasileiros certo conforto em meio aos atos obscuros do regime.
Após muita discussão sobre a conexão do esporte e seu papel na ditadura, que englobam desde estratégias políticas até a configuração de um novo Brasil, os convidados reiteraram que a emoção pelo futebol não mudou nas épocas mais turbulentas pelas quais o país passou. “Mesmo com tudo o que já vivenciei no mundo do futebol, toda vez que assisto a um jogo volto a ter 12 anos”, finalizou Juca Kfouri.