“Me debulhei de chorar”, confessou Ester Gammardella Rizzi, advogada e professora de Legislação e Práticas Jurídicas e Ciência Política na Faculdade Cásper Líbero, ao comentar o filme A Caça, do dinamarquês Thomas Vinterberg.
Amante do cinema desde o tempo em que via os clássicos com sua avó, no Cinesesc da Rua Augusta, Ester se sensibilizou com a história de um homem que foi acusado injustamente de abusar de uma criança. Ver como o personagem não tinha meio de se defender foi angustiante para a docente, que tem a busca pela justiça como o norte de sua atuação cidadã, política, social e profissional, desde muito antes de ela decidir cursar Direito.
Um exemplo dessa busca é uma lembrança curiosa que ela traz, de quando tinha 9 anos e estudava em um colégio de freiras na cidade de Presidente Prudente. Sua turma estava insatisfeita com a correção de uma prova e montou uma comissão para reclamar com a coordenadora pedagógica. Nossa futura professora estava entre os cincos alunos que foram lutar por uma nota mais justa. E ficou chocada quando um de seus colegas foi interrompido pela freira de maneira nada educada: “Você cala a boca. Não tem o direito de falar aqui”, lembra com tristeza. Ester logo percebeu que era por que o garoto era bolsista naquela escola, filho de uma secretária, e o defendeu. As “freiras mercenárias” daquela época são um dos motivos de desilusão com a Igreja Católica, que ela nega seguir, apesar da influência familiar.
Ester nasceu em janeiro de 1983, em São Paulo, e se mudou para Presidente Prudente em 1987. Sobre o período de sete anos em que passou naquela cidade, ela não sente entusiasmo em lembrar. “Não tenho boas lembranças de Presidente Prudente como um todo”, afirma. Todavia, acha que foi por causa de uma amizade de lá que virou professora. Quando sua amiga Mariana caiu do cavalo e parou de ir à escola, Ester começou a visitá-la em casa para ensinar as matérias para a colega – e também brincar muito. Isso fez com que ela percebesse que lecionar não só era prazeroso como também uma maneira de aprender. Visto que Mariana não conseguia falar, pois tinha uma placa instalada em sua traqueia, elas desenvolveram juntas uma língua de sinais e um código escrito que ninguém entendesse. Uma lembrança que tem muito carinho e uma amizade que mantém até hoje.
Mesmo assim, escolher a profissão não foi fácil para Ester. Ela estava em dúvida entre Letras, Psicologia, Direito e Audiovisual. Decidiu-se apenas no caminho para o vestibular de Psicologia, quando achou que não chegaria em tempo à prova e percebeu: o que queria mesmo era cursar Direito. Com essa graduação, seu grande interesse foi “entender a sociedade, sua organização, suas instituições políticas e como ela está em mudança”, explica.
Cursou um ano de PUC e depois foi para a São Francisco (USP), onde militou no movimento estudantil – o que considera a melhor parte daquele período. “O gosto por tentar entender a estrutura da sociedade quem me deu foi o Colégio Equipe. Coisa que muita gente tem na faculdade, eu não tive. Meu auge foi no colegial”, lembra, ao justificar suas ausências nas aulas, substituídas pela militância. Para Ester, era importante que os professores fizessem reflexão de como o assunto abordado no curso de Direito refletia na sociedade. Isso eles não faziam. “A maioria dos professores era ruim e não cobrava presença, então eu não ia na aula”, confessa. Na graduação, sua dedicação à militância foi intensa. Ao longo desses anos, ela participou da luta pela defensoria pública em São Paulo e dos protestos contra a indicação de Gilmar Mendes ao STF, por exemplo. Quando estava à frente da gestão do Centro Acadêmico, sua chapa entregou um prêmio para o MST (Movimento dos Sem Terra) – “e nunca mais fomos eleitos” (risos).
Foi só no mestrado e no doutorado que Ester reencontrou o prazer da vida acadêmica. Ao começar a trabalhar, descobriu um lugar que a deixa muito desconfortável: o Judiciário. “É um ambiente bastante masculino, de poder e argumento de autoridade, com muito formalismo”, explica. Mesmo assim, gosta de atuar como advogada. Só não tem boas lembranças dos “lamentáveis três meses” em que estagiou em uma firma de advocacia, quando organizava argumentos em que não acreditava. Fazia petições pensando: “tomara que o juiz não acredite’’, torcendo para dar errado.
No momento atual, a professora se considera profissionalmente satisfeita. Embora sua vida tenha tomado um ritmo acelerado após o nascimento da filha Teodora, agora com nove meses de idade, ela mantém dois trabalhos que ama: a Faculdade Cásper Líbero e a ONG Ação Educativa. No tempo livre, tem, junto com o marido, “assassinado vários filmes com fotografias bonitas”, ao assisti-los no computador. “Cinema, coitadinho, só no final de semana, e olhe lá”, constata. Gosta mais de ser professora do que advogada, confessa, ainda mais quando dá aulas para alunos de Jornalismo. “Vejo muito claramente o avanço em muitos alunos, uma revelação para um tema que antes estava escondido”, explica. O que não acontecia quando lecionava em cursos de Direito, em que ela apresentava apenas mais uma perspectiva frente a um objeto visto à exaustão pelos alunos. Agora em maio, a professora deve se afastar da ONG para concluir o seu doutorado, embora pretende voltar. Afinal, ela considera sua atuação na ONG uma “fonte de prazer”, misturando a formação jurídica com a política.
Questionada se suas bandeiras são as mesmas da época de estudante, Ester Rizzi afirma que amadureceu muito, mas continua defendendo causas do campo progressista. “Acho uma bobagem essa história de comunista aos 15, conservador aos 50”, observa. “Espero nunca me conformar com as mazelas sociais. É evidente que vivemos numa sociedade muito injusta.” Ela se incomoda com a desigualdade no Brasil e com a ostentação, e diz que acha uma violência carros de luxo, por exemplo. “Tenho uma crença de que a sociedade, a convivência entre os homens, poderia ser muito melhor.”