Quem nunca sonhou em receber na sala da sua casa seu ídolo, de chinelos e pijamas? Ou então ter com ele tanta intimidade que poderia flagrar sua família lavando a louça? Momentos assim tem se tornado realidade na quarentena graças às lives, as transmissões ao vivo por streaming. Para o professor Fábio Ciquini, não se trata de um acaso: “Nada mais sintomático desse momento que tentarmos substituir a conexão interpessoal pelas imagens”, disse ele no encontro “Como as lives nos olham?”, promovida pelo Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) da Faculdade Cásper Líbero.
Especialista em fotografia e doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Ciquini explicou que o “ao vivo” é um fenômeno com cara de moderno, mas tem raízes antigas. Explorar a simultaneidade de tempo e espaço é um instrumento da comunicação de massa desde a explosão da televisão nos anos 1950, marcada pelas históricas transmissões de shows de bandas de rock em estúdio. A live das lives ocorreu na segunda-feira (8), no Instagram da revista Esquinas, com mediação da coordenadora do CIP, Michelle Prazeres.
O que há de novo é a superexposição da intimidade, ou ainda a extimidade, como propõe Paula Sibilia: “As lives tentam trazer à tela uma performatividade do sujeito. É o típico ‘pode entrar, mas não repara a bagunça’: a primeira coisa que você faz é notar a bagunça”, explicou Ciquini. Um exemplo que cabe é o filme O Show De Truman (1998), que esgarçou as fronteiras entre público e privado. A intimidade se torna um espetáculo, e propositalmente ou não, uma série de símbolos é transmitida junto das imagens.
Para o professor Ciquini, as atuais lives são devidamente programadas e preparadas. Baseia-se, portanto, em uma organicidade falseada. “Toda imagem é uma encenação. Há nas lives um olhar de compra e venda do mundo de marketing: um storytelling que os patrocinadores buscam aplicar nessas encenações”, alertou Ciquini, lembrando que os comunicadores não podem perder de vista a perspectiva de monetização e um olhar voltado para o consumo que há por detrás desses eventos.
Desde março, 7 das 10 lives de maior audiência no YouTube foram de artistas brasileiros, segundo dados da própria plataforma. Mas será que esse formato se sustenta? “Pandemia, revolução e guerra tendem a acelerar alguns processos. Há uma intensificação que tende a continuar. Num momento pós-pandemia o que as pessoas mais desejam é o encontro, o contato, mas acho que as lives vão continuar”, finalizou Ciquini.
As conversas sobre o futuro da comunicação pós-pandemia prosseguem no segundo ciclo de lives promovidas pelo CIP, ocorrendo agora às segundas e terças-feiras. Hoje (9), o professor Pedro Nogueira debaterá sobre os impactos de uma vida profissional digitalizada. Acompanhe no Instagram da Revista Esquinas, sempre às 18 horas.