Dino “Motorosa” Perez é figura carimbada em Barão Geraldo, Campinas. Aos 56 anos, monta em sua moto pouco discreta e saí todo dia, religiosamente, vestido inteiro na cor pink. Nascido na cidade que tem a fama de ser a “capital gay” do Brasil, Dino conta suas histórias sem papas na língua. Mostrando que é guerreiro independente da cor.
Você sempre se vestiu de rosa?
Olha, eu gosto do rosa desde quando se chamava maravilha, isso em 1960 [mostra a calça Pink], essa é a cor que eu mais gosto. Algumas pessoas me dão as roupas para que eu esteja usando como forma de divulgar a empresa. Como estou sendo sempre fotografado, aí aparece no face [sic] ou em uma matéria. Desde os 7 anos eu gosto do maravilha, que hoje é o pink ou rosa.
Você já foi casado com uma mulher, como foi essa experiência?
Eu sou gay, tenho dois filhos e um neto. Meu filho mais velho tem 30 anos e minha filha 24. Eles não me aceitam. Fui casado 8 anos com mulher e foi a pior fase da minha vida. Cara, você gostar de limão e ter que chupar laranja é foda! É azedo que você não faz ideia (risos).
Mas por que você teve essa decisão?
Na década de 1970, uma bicha sair na rua era uma situação, hoje é completamente diferente. Sair em 1973, quando eu comecei a sair, você era apedrejado, a polícia te colocava no carro simplesmente porque você estava conversando com outro rapaz. Hoje não é assim, tem toda essa liberação, mas infelizmente está por demais também. Mas voltando à pergunta, eu me casei porque a sociedade exigia e eu não tinha muita escolha. Foram os piores anos, é horrível você ter filhos, mulher e ter que colocar uma máscara pra ir à escola, outra pro trabalho, outra pra sair. Eu tinha um baú de máscaras. Aí chegou uma hora que eu não era mais eu. Juntei meus panos de bunda e fui embora. Deixei meu apartamento e o carro com ela e tchau.
E depois disso o que você foi fazer?
Eu saí do Brasil! Fui pra Portugal, Espanha, e quando eu fui pra França eu fui deportado porque estava ilegal. Tava lá fazia uma semana e sem visto. Fiquei uma semana preso no aeroporto, ninguém fala isso, né? Que já ficaram deportados. Eu acho chique, chiquérrimo!
Quando você voltou para cá?
Depois disso eu acabei indo para a Venezuela, onde eu percorri uns seis ou sete países da América do Sul. No começo dos anos 80.
De moto?
Foi de ônibus mesmo. Mas quando eu voltei, foi com uma mão na frente e outra atrás. Voltei na merda, pra variar. Eu trabalhava numa olaria lá. Carregando tijolo, depois passei a gerenciar a olaria. A pessoa que estava comigo foi baleada, na Colômbia. Ele foi confundido com um traficante e levou um tiro na coluna. Aí tudo começou a desabar. Eu não tinha dinheiro para o tratamento dele, mas depois de muito custo, com o escândalo que eu fiz na embaixada em Bogotá, consegui mandar ele pro Brasil.
Aí finalmente você voltou?
Mais ou menos porque eu não consegui uma passagem pra mim. Mas com outro escândalo na embaixada eles me deram uma passagem pro Brasil. Mas foram sacanas comigo, porque me deixaram na divisa da Colômbia com a Amazônia, na parte colombiana! Eu tinha 50 dólares no bolso. Aí apareceu um cara pra atravessar comigo de canoa, à noite. Detalhes eu não me lembro… Cheguei no Brasil, dormi na praça num calor. No outro dia apareceu um anjo. Um israelita… um iraniano. Ele lutou na guerra. Eles ganham passagem e dinheiro, e veio pro Brasil. Enfim, ele pagou toda a minha vinda até Campinas: passagem, estada, comida, boate; sem me cobrar um centavo.
Você não se lembra muito das coisas…
Eu tenho falhas de memória, porque sete anos atrás eu tive um tumor cerebral. Esse tumor deletou, infelizmente, algumas coisas e memórias recentes. Quando não é uma coisa muito interessante, eu não consigo lembrar. Por exemplo, rostos, um encontro rápido. Eu gravo tudo, eu até tenho um óculos que filma para eu estar relembrando depois. Esse tumor me retirou 50% mais ou menos do tato do braço [direito] e do joelho pra baixo. É ruim porque às vezes eu tô no meio da conversa e perco o sentido. Inclusive das suas perguntas.
Você fez que tratamentos?
Eu fiz quimioterapia e outro tratamento experimental pela Unicamp, que funcionou comigo, mas eu não lembro o nome. Depois eu fiz outras duas cirurgias porque também tive câncer no intestino. Faço tratamentos quimioterápicos. Sou portador do vírus da Aids há 22 anos. É isso. Eu fico puto da vida porque as pessoas querem se matar só porque um carnê atrasado das Casas Bahia está atrasado. Não veem que tem muitas pessoas com dificuldades muito maiores.
Você sabe como se infectou com o HIV?
Eu era enfermeiro, fiz curso técnico da Unicamp. Trabalhava no hospital Albert Sabin; na época teve um incêndio no Supermercado Eldorado, e muitas pessoas acabaram indo pro hospital. Como não havia a higiene de hoje em dia como luvas, essas coisas, a gente colocava a mão mesmo. Acho que foi aí, tenho quase certeza, pois sempre me cuidei muito. Hoje você sobrevive com a AIDS, eu tomo 11 comprimidos. Levo uma vida normal. Tive que colocar silicone em algumas partes do rosto, pois tive hiperdestrofia, também tirei todos os meus dentes, pois minha gengiva sangrava muito devido à doença. Eu tinha medo de infectar as pessoas, acabei colocando prótese dentária; e capilar devido ao câncer.
Como foi depois que você descobriu ser soropositivo?
Eu fiquei um ano parado. Eu tinha três salões de cabeleireiro que fecharam por causa do preconceito. Eu cortava cabelo das celebridades. Um jornal publicou que eu tinha a doença e do dia para a noite todas as minhas agendas estavam canceladas. Depois de quatro meses no hospital e oito em casa, com depressão, meu pai me deu uma moto. Ele não aguentava me ver daquele jeito mais. Você já andou de montanha-russa? Foi assim pra mim. Eu peguei aquela moto e fui até a esquina, parecia que eu ia morrer, eu não sabia se chorava, vomitava ou gritava. Depois comecei a ir até mais longe com ela. Era uma moto muito cafona.
Não era rosa?
Não, era preta! Ai eu comecei a colocar uns enfeites: um negocinho cor-de-rosa, uma caveira atrás, uma bandana, um óculos rosa. Passei a me entreter na moto para sair, até que um dia eu estava aqui no centro de Barão [Geraldo], com uns badulaques rosa pendurados, e vestido como estou hoje, calça e blusa rosa e me pediram pra tirar foto. No dia seguinte era capa de jornal de novo, do Correio Popular.
Foi aí que começou a sua fama?
Aí vieram outros jornais, programas de tevê: Ratinho, Jô Soares, Gugu, Silvio Santos, Câmera Record… Eu gosto porque tenho a oportunidade de dizer que sou soropositivo [perde o foco da conversa].
Assim você pode alertar as pessoas…
É essa a intenção, eu faço um show caricata. No último programa no Ratinho, eu contei tudo e acabei ficando 15 minutos no ar, sendo que eram só três.
Mudando de assunto, em 2008 você se candidatou ao cargo de vereador. Quais eram suas plataformas?
Sim, e em 2012 também. Olha, eu não tinha plataformas definidas, eu deixava bem claro que queria estar ajudando a população, porque essa merda de cidade não tem um posto de saúde decente. Mas depois das últimas eleições eu não me candidato mais, não quero gastar mais meu dinheiro com esse povo que não sabe votar.
Você já sofreu algum tipo de agressão pela forma que se veste, ou por sua opção sexual?
Há 5 anos, aqui em Paulínia, eu fui num evento… os motoclubes me chamavam pra fazer eventos, o triciclo tem muitas cores, nos eventos eu vou de drag queen, de Penélope Charmosa. Aí um dia eu resolvi ir no motoclube Acorrentados, e eles disseram: “Aqui veado não entra”. Eu fui embora muito chateado, algumas pessoas denunciaram a homofobia. Aí com a repercussão, outras cidades começaram a me chamar para fazer eventos.
Quais?
Mato Grosso, Três Lagoas, Sergipe, Alagoas, Marília. Já abri a Parada Gay de São Paulo oito vezes, e a de Campinas cinco. Demorei ano passado quatro dias e cnco noites pra chegar em Alagoas. Eu paro no posto de gasolina e são quase 40 minutos tirando foto com os fãs.
Quantos shows você faz por mês?
Bom, ano passado eu fazia toda sexta, sábado e domingo! Colocava: peito, bunda, um collant que custou 7 mil reais incrustado de cristais, também uso um quepe e gargantilha. O triciclo [inteiramente Pink] é equipado com 4 mil pontos de neon, 6 buzinas, 12 toques de conversa, karaokê, DVD, TV, tomada pra fazer aquela chapinha básica, sombrinha da Penélope Charmosa. Entro com o triciclo no palco ao som de Lady Gaga, Beyoncé, essas daí. Aí o triciclo fala: “Bicha, você é decadente. Faz outra coisa!” Aí eu começo a dançar funk!
Quem é o Dino sem o rosa?
Ele morreu faz muito tempo.