Tenho saudades de falar no microfone, ao vivo, todos os dias. Era uma adrenalina apaixonada. Acho que todos os casperianos e as casperianas que passaram pelo Jornal da Gazeta AM Universitária têm essa “coisa” com o rádio, que não dá para explicar. Neste ano, visitei a Cásper, e só de sentir o cheiro dos estúdios no quarto andar, voltei no tempo. Tempo bom!
Biancamaria Binazzi é formada em Rádio e Televisão pela Faculdade Cásper Líbero. Apaixonada pelo rádio e pela música brasileira, conta um pouco sobre sua formação e carreira inspiradoras.
Marcela Schiavon: Por que você escolheu cursar Rádio e TV? No que a Cásper Líbero contribuiu para a sua formação?
Biancamaria Binazzi: Fui da primeira turma do curso. A gente ainda gravava os trabalhos de rádio em fita K7! Quando terminei o colegial já tocava flauta transversal, estava descobrindo o choro e o samba, sempre sintonizada nas rádios. Desde os tempos de escola gostava de ler sobre a “velha guarda” e ir no Centro Cultural São Paulo escutar discos da Discoteca Oneyda Alvarenga. Apesar de adorar tocar, não era muito de praticar o instrumento por horas e horas, e pensei que a faculdade de música talvez não me ajudasse a chegar onde eu queria. O curso de Rádio e TV apareceu como uma possibilidade de continuar perto da música. Poderia ser feliz em uma profissão que me permitisse falar sobre música, pesquisar, ouvir, difundir!
MS: Qual é a importância do rádio para você?
BB: Desde o primeiro ano da Faculdade, fui fisgada pelo Rádio. Acho que a maior contribuição que a Cásper deu para a minha formação foi, desde cedo, permitir o contato com a estrutura e a equipe da Rádio Gazeta AM e nos dar abertura para desenvolvermos projetos experimentais.
Era uma turma de alunos de Jornalismo e Rádio e TV com um pique absurdo para preparar os textos, gravar as matérias, fazer a programação musical, e trazer músicos ao vivo todos os dias. Foi uma experiência inesquecível e minha maior escola.
No meu caso, me encontrei na Discoteca da Gazeta e na Rádio Gazeta AM. Aprendi muito com os discos do acervo e com os profissionais da Gazeta . A Rádio Gazeta AM foi onde fiz o meu primeiro estágio profissional. Tinha bolsa da Faculdade para produzir e apresentar o Jornal e dar monitoria aos alunos que estivessem interessados em produzir programas e matérias para a rádio.
Gosto de contar que, nesses 15 anos de rádio, os anos de Rádio Universitária foram os mais ativos e ousados! Inventamos muito. Lembro da série “Tempos da Adversidade” que fizemos sobre o ambiente sonoro dos tempos da ditadura militar, com o Prof. Dr. Liraucio Girardi Jr.. Também inventamos um programa só sobre discos de vinil e estávamos sempre na rua fazendo reportagens. Todos os dias a gente apresentava um jornal ao vivo às 7h da manhã, antes da aula, e outro às 13h, depois da aula. À tarde, preparávamos a edição da noite, na época, gravada.
MS: Como foi realizar a peça radiofônica: “Estigmas”, com Emanuel Bonfim (formado em Rádio e Televisão pela Cásper, na mesma turma de Biancamaria e, hoje, diretor artístico e apresentador na Rádio Eldorado)
BB: O Emanuel me mostrou o livro Estigmas, dos italianos Matotti e Piersanti. Fiquei fascinada com as ilustrações, e pensei que aqueles traços poderiam ser traduzidos em sons e silêncios. Pegamos emprestado o gravador Marantz da Cásper, que na época era ultra moderno, porque tinha um microfone estéreo, e gravava digitalmente (no cartão de memória). Nossa vida era sair gravando paisagens sonoras, inventando barulhos e efeitos. Juntamos os amigos, familiares e alguns “atores” da faculdade para interpretar os personagens. Foi um trabalho bastante cuidadoso e cheio de detalhes. Recentemente, escutei a peça e todos os meus pensamentos sobre as possibilidades da ficção no Rádio se reacenderam. Acho que, de 2004 prá cá, mesmo com todos os avanços das tecnologias de gravação e distribuição, ainda há muito a ser pensado e produzido sobre a linguagem radiofônica. Fiquei com vontade de voltar a experimentar!
MS: Depois do Trabalho de Conclusão de Curso, você trabalhou com edição e roteiro de programas de rádio e podcasts. No que o TCC te ajudou em relação à bagagem adquirida durante o processo?
BB: Como o nosso TCC era quase uma sinfonia, cheio de elementos sonoros, atores, textos, cenas, tivemos que aprender a nos organizar. Desde lá, sou militante do Roteiro no Rádio. As pessoas pensam que o rádio é mais simples que a TV, e acabam não caprichando nos roteiros. Mas quando começarmos a entender o rádio e suas dimensões, vamos ver que um programa de rádio também pode ter aspectos parecidos com cenário, cor, textura, ritmo, camadas e dimensões. No Rádio, o roteiro é um guia fundamental. Nos orienta tanto na pré-produção quanto na hora da edição e montagem. E ainda é um poderoso instrumento quando trabalhamos em equipe. Não existe fórmula para roteiro. Acho que cada projeto pede um tipo de guia, temos que reinventar o roteiro a cada programa de acordo com as necessidades dele. Estigmas nos ensinou muito, pelo gigantismo de elementos sonoros e o desafio de fazer o ouvinte entender a unidade da obra, sem precisar ler os quadrinhos.
MS: Você pode contar um pouco sobre a sua especialização em rádio documentários na BBC Academy, em Londres?
BB: A BBC sempre foi muito reconhecida pela tradição dos features, que não são bem documentários. Eu traduziria Radio Feature como uma maneira de contar uma história. Muito além do texto, ela opera com a sensibilidade do ouvinte, com ritmos, texturas, podendo trazer elementos como paisagens sonoras, ficção, entrevistas, música. A BBC é um modelo de Rádio Pública bastante inspirador.
MS: O que é o Goma-Laca e como ele surgiu?
BB: Goma-Laca é um projeto de pesquisa, criação e difusão da música brasileira gravada no início do século XX . Antes dos discos de vinil, existiram os discos de goma-laca (esses discos giravam a 78 rotações por minuto e foram produzidos entre 1902 e 1964). Meu interesse por esse repertório começou aí na discoteca da Gazeta, e acompanha toda a minha trajetória profissional, que também passou pela Rádio Cultura e Centro Cultural São Paulo. O objetivo do Goma-Laca é mostrar a atualidade desses discos centenários para as novas gerações por meio de podcasts, shows, rodas de escuta e do disco “Goma-Laca: Afrobrasilidades em 78 rpm”, lançado em 2014.
MS: Quais são as suas dicas aos estudantes de RTVI que querem trabalhar com o rádio?
BB: Experimentemos! O Rádio tem quase cem anos e ainda está querendo imitar a televisão e o jornal impresso. Precisamos aproveitar as possibilidades da escuta, e fazer o rádio contar o que o “visual” não conta. Se o Rádio é mensagem e expressão pelo som, o desafio, hoje, é nos apropriarmos dos recursos que o mundo digital nos dá para extrapolarmos a barreira das Frequências Moduladas e ocupar novas frequências. Temos as tecnologias a nosso favor. Agora, as distancias ficaram mais curtas, é possível gravar sons com o celular. Agora, o público está preparado (e faminto) para escutar produções sonoras na internet e pelo telefone. Aplicativos mil a serem desbravados. Sei que o mercado do Rádio convencional está desanimador, e são pouquíssimas as pessoas que conseguem fazer projetos inovadores em emissoras AM e FM. Trabalhar com rádio não significa trabalhar no Rádio. As portas estão abertas para quem quiser fazer rádio em outras plataformas. Por que não apresentar um projeto de rádio ou podcast para uma editora, um centro cultural, uma sala de cinema, ou uma loja, uma revista, um jornal, uma marca?