Dominique Wolton na Cásper Líbero | Crédito: Juliana Machado

Dominique Wolton na Cásper Líbero | Crédito: Juliana Machado

No último dia 18 de março a Faculdade Cásper Líbero viveu uma manhã agitada. Em parceria com o Consulado-Geral da França no Brasil, as Coordenadorias de Jornalismo e de Pós-Graduação promoveram Aula Magna com o tema “A Liberdade de Expressão e o Charlie Hebdo”, tendo como palestrante um dos maiores pensadores vivos da área, o sociólogo francês Dominique Wolton.

Com presenças de alunos dos quatro cursos da graduação, da pós-graduação lato e stricto sensu, profissionais e convidados externos de outras instituições, lotação máxima do Teatro Cásper Líbero, o evento contou com apresentação inicial do diretor da FCL, o Prof. Carlos Costa, que expôs a felicidade da instituição em sediar o evento e poder proporcionar aos alunos o contato com uma personalidade desse porte. Em sua fala, o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom), o Prof. Dimas Künsch, lembrou da importância da fala de Wolton para o panorama atual, “em seu apelo, quase grito, de que é preciso salvar a comunicação”. Encerrando as apresentações iniciais, a Cônsul Geral Adjunta da França em São Paulo, sra. Marie-Christine Lang, ressaltou a importância cultural e diplomática de eventos como esse, para as relações entre os dois países, “um magnífico ato de humanismo”.

Um dos responsáveis pelo processo de internacionalização da Cásper, o vice-diretor, Prof. Roberto Chiachiri, assumiu a mediação da mesa e fez a apresentação do convidado. Formado em Direito e em Ciências Políticas, doutor em Sociologia, Dominique Wolton é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e do laboratório “Informação, Comunicação e Objetos Científicos”, além da revista acadêmica internacional Hermés, da qual foi fundador em 1998.

Descontraído, Wolton iniciou o evento falando da Europa que, na visão dele, “é forte, mas fraca, um tanto ansiosa” e o quanto acredita ser importante a cooperação com a América Latina até para a sustentabilidade do desenvolvimento continental. Prosseguiu com uma brincadeira, “eu adoro a comunicação, porque eu sei que ela nunca dá certo”, mas se explicou, falando do fenômeno que chama de “incomunicação”: a valorização excessiva da divulgação de informações brutas ao invés de processos que, na visão dele, estabeleçam de fato uma comunicação propriamente dita e o entendimento.

“Comunicar é negociar. Comunicação são as palavras, o calor da voz”. O sociólogo expôs sua visão crítica da troca virtual de informações, uma vez que ela prezaria a velocidade em primeiro lugar, preterindo a qualidade do diálogo. Sobre os conflitos em relação à liberdade de expressão, ressaltou que não podemos esquecer que ela é, sem dúvida, uma das principais ferramentas da humanidade na luta contra guerras, ditaduras e o terrorismo e fazer restrições, quaisquer que sejam, pode se tornar um perigo muito grande. O que, segundo ele, não significa que não é necessário haverem regras ou preceitos de responsabilidade mas, sim, que colocar adversidades à liberdade de expressão pode abrir precedentes que a tornem inviável.

Aula Magna sobre liberdade de expressão e o Charlie Hebdo | Crédito: Ricardo Nóbrega

Aula Magna sobre liberdade de expressão e o Charlie Hebdo | Crédito: Ricardo Nóbrega

No caso específico da revista Charlie Hebdo fez a ressalva inicial de que se trata de uma publicaçãorelativamente pequena e pouco popular e que a situação é mais complexa do que pareceria num primeiro olhar. A França tem a laicidade como um dos preceitos fundamentais da nação desde o brusco rompimento com a interferência religiosa no Estado representado pela Revolução Francesa e, portanto, a ideia de que uma publicação não poderia se utilizar de uma charge do profeta Maomé por motivos religiosos do islã dificilmente seria aceita pelo cidadão médio francês. O que, segundo ele, explica o intenso engajamento nacional com a campanha “Je suis Charlie”. Dominique Wolton também fez questão de reforçar que acredita que uma das causas do crescimento atual do radicalismo é a fraqueza da mundialização, sintoma de uma combinação do enfraquecimento da democracia no mundo e do fortalecimento do capitalismo moderno, que ameaça de forma predatória as identidades culturais dos povos. O desafio, para ele, é conservar a abertura econômica de uma maneira que seja possível preservar a diversidade cultural.

No tópico seguinte voltou a falar do conflito entre os conceitos de informação e comunicação. Fez isso para se posicionar contra o que chamou de “os adoradores da internet”, postulando também que o uso excessivo da técnica jornalística pode reforçar o cenário atual, no qual todos os veículos publicam quase sempre as mesmas informações, as mesmas notícias. “Aumentam os rumores, as mentiras, as paranoias, as teorias de conspiração”. O caminho segundo ele seria a união dos jornalistas, “nos recusarmos a participar dessa corrida da informação”. Refletir sobre o próprio fazer, “até onde a técnica é mais e a partir da onde ela é prejudicial” e analisar caso a caso “alguns assuntos podem seguir esse fluxo, para outros precisamos dizer ‘não, isso a gente não trata nessa velocidade’”.

Para Dominique Wolton, o jornalista é “um ser humano frágil que pode se enganar mas que tem a árdua missão de classificar informações”. “O desafio do Jornalismo de amanhã vai ser selecionar as poucas informações que possam fazer o povo se entender”. Antes de abrir para a animada roda de perguntas, na qual os presentes levantaram discussões pertinentes sobre o fazer jornalístico, a liberdade de expressão e as relações entre os povos, o convidado encerrou sua exposição com três fortes definições: “Comunicação é coabitar. Comunicação é negociar. Comunicação é, acima de tudo, amar”.