Véspera do encerramento da Conferência do Clima, aqui em Bonn, Alemanha, a sobra de alimentos ainda é uma das cenas mais incoerentes com a proposta da sustentabilidade. Sempre que precisamos atravessar os espaços das lanchonetes e restaurantes, na sede da COP23, é impossível ignorar essa contradição.
Em nossa primeira cobertura de uma conferência da ONU, acompanhamos muitas discussões sobre a conexão entre os impactos das mudanças climáticas e a crise humanitária, simbolizada pelo risco de inanição que atinge mais de 20 milhões de pessoas, estatística de apenas quatro países, Iêmen, Nigéria, Somália e Sudão do Sul.
O comportamento dos presentes na cúpula climática, no entanto, tem gerado uma percepção negativa, contraditória à ênfase humanitária dos eventos oficiais e paralelos aqui em Bonn.
Pratos de comida ainda cheios são abandonados nas prateleiras dos refeitórios e o excesso é jogado no lixo. A COP23 tem debatido os impactos das mudanças climáticas, também, sob a luz da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que traz no seu segundo objetivo o desafio da fome zero.
Diante dessa contradição, quisemos questionar aonde vai parar essa perda, então conversamos com alguns voluntários da conferência, como Samantha Baker, atendente de uma das lanchonetes da Bonn Zone. Segundo ela, todos os alimentos não vendidos até o prazo de validade são descartados.
Baker contou ter conversado com o seu supervisor sobre a viabilidade de outra saída para o problema dos alimentos, mas, segundo ela, pouco adiantou, uma vez que lhe falta autonomia para tomar decisões. Segundo a voluntária, na maioria das vezes os alimentos se esgotam, não sobrando quase nada, mas quando um sanduíche etiquetado com a data do dia não é vendido, a ordem recebida é a de jogá-lo no lixo, independentemente de estar em condições de consumo – prática justificada por questões sanitárias, muitas vezes questionada por ativistas da causa humanitária.
A voluntária trabalha apenas na lanchonete, mas acredita tratar-se de um procedimento comum a outros pontos de alimentação. Ao final da nossa conversa, ela admitiu ser algo contraditório esse descaso, mas disse não acreditar numa perda tão significativa.
Conversamos também com o voluntário brasileiro Pedro Rocha, enviado para falar no lugar de sua supervisora, que preferiu não comentar o assunto. Rocha disse não ser uma prática comum aproveitar os alimentos do dia anterior não comercializados, mas lembra: “o macarrão de hoje pode ser a salada fria de amanhã”.
Na página oficial da conferência, há alguns registros sobre a preocupação com o menu, preparado com alimentos orgânicos e com o mínimo de “rastro de carbono”, valorizando pratos vegetarianos. No entanto, o site da COP23 não orienta o público sobre uma postura mais responsável e consciente.
Parte dos presentes da COP23 deixou de adotar uma prática condizente com a maior crise humanitária dos últimos 70 anos.
* Para preservar os voluntários, que não tinham autorização para falar sobre esse assunto, seus nomes nesta análise são fictícios.