“Sentia como se isso fosse uma paixão da minha alma. Ainda sinto. Me dói viver sem eles”. Com essa frase o senhor Mario Caporali, morador de Mogi das Cruzes – São Paulo, terminou nossa conversa, ao contar sua longa jornada como criador de pombo-correio. Filho de imigrantes italianos, nascido em Santos, casado há 60 anos; serralheiro por profissão, mas criador de pombos por paixão, Mario, agora aos 87 anos, relembra como começou com o que seria primeiro um hobby e depois uma paixão para a vida inteira: a criação de pombos-correio.
Paulo Henrique – Quando surgiu seu interesse por pombos-correio?
Mario Caporali – Desde moleque eu gostava muito de pombos. Observava eles na rua e morria de vontade de ficar com um pra mim. Mas foi só quando casei que comecei a comprar e criar pombos.
Sua esposa incentivou o senhor?
Ah, ela sempre percebeu que isso vinha de dentro, da minha alma. Eu tinha, e ainda tenho tanta paixão pelos pombos. Ela percebia isso e me ajudou bastante. Apoiou-me quando comecei a criá-los e até cedeu o terraço para a construção do pombal.
Como foi seu primeiro contato como criador de pombos?
Eu primeiro comprei pombos-gigante e outros tipos exóticos. Mas acabei não achando graça porque eles não tinham muita serventia, serviam só para exposição. Então descobri esse negócio de pombo-correio e, nossa, vendi todos meus pombos e passei a criar só pombos-correio. Virei até sócio da Sociedade Columbófila Paulista. O pessoal da sociedade sempre pedia meus pombos para participar de corridas. Em alguns anos cheguei a emprestar quase 100 pombos.
Quantos pombos o senhor já teve?
Juntos, no pombal, já tive no máximo 180 pombos. Mas ao longo da vida tive mais de 300!
Havia algum controle dos cruzamentos e parentesco?
Sim. Eu colocava em todos meus pombos uma anilha com seu número e registrava em um caderno. Não deixava machos e fêmeas juntos para não cruzarem, mas, quando queria um filhote, isolava um casal em uma gaiola especial. É preciso ter esse controle para evitar que parente cruze com parente e a raça enfraqueça.
Como era o treinamento dos pombos?
Primeiramente, para um pombo-correio voltar para minha casa, ele precisa ter nascido aqui. Quando isso acontecia, eu primeiro o deixava andar pela casa para localizar o lugar desde novinho. Depois, soltava ele no socorro (bairro a 5 km de sua casa) e ele voltava para cá. Então ia levando para lugares mais longe: Biritiba, Salesópolis, Barra Funda. Desse jeito eles vão treinando e conseguem voltar sempre.
Qual foi o caminho mais longo que eles percorreram?
O mais longe foi uma vez que soltei 25 pombos em Brasília para um evento da Sociedade. Só se perdeu um pelo caminho, mas os outros 24 já estavam no meu pombal quando eu voltei para Mogi.
O senhor alguma vez já os utilizou efetivamente como correio?
Nunca. Sempre usei para corridas ou comemorações. Uma vez o governador de São Paulo arrumou um caminhão para a Sociedade no qual nós transportamos mais de 3.000 pombos de todos os sócios e soltamos lá no Parque da Água Branca. Mas aqui em Mogi mesmo, todo ano eu empresto 7 pombos brancos para serem soltados durante a Festa do Divino (comemoração tradicional da região). Uma vez recebi um recado de um pombo: deixamos nossa filha com um pombo na nossa casa lá em Águas de Lindoia; quando chegamos em Mogi de carro, aquele pombo já estava no pombal. Preso à patinha trazia a mensagem: “Mamãe e Papai, estou com saudades”.
E o senhor vendia os pombos?
Vender? Nunca. Se algum amigo meu queria criar eu doava algum casal porque tinha muitos, mas nunca vendi. Cheguei até a dar 10 pombos para o antigo prefeito de Mogi, Waldemar Costa Filho.
Afinal, qual a diferença entre um pombo de rua e um pombo-correio?
Os pombos-correio são maiores que o normal. Eles têm uma glândula no nariz que ajuda a identificar a altura e a distância dos lugares, por isso nunca se perdem. Esses pombos de rua têm muitas doenças também. Os meus não, eu vacinava todos, tinha uma gaiola que funcionava como hospital para um doente não infectar os outros, colocava remédio na garganta deles quando estavam roucos e limpava o viveiro todo dia. Aquele pombal era um paraíso, comedouro que durava uma semana e água corrente para eles beberem e se banharem.
Por que o senhor parou de criá-los?
Alguém aqui na vizinhança nos denunciou. Disse que os pombos estavam trazendo doenças. Veio a zoonoses e me levou todos embora. Tenho muita saudade deles, mas não tenho coragem de criar de novo. Sentia como se isso fosse uma paixão da minha alma. Ainda sinto. Me dói viver sem eles.