As transformações provocadas pela Inteligência Artificial no campo da comunicação foram tema da 12ª edição do Encontro Cásper Líbero de Práticas de Comunicação – PRATICOM, realizada no dia 30 de setembro, na Faculdade Cásper Líbero, em parceria com a Associação Brasileira das Agências de Comunicação (ABRACOM).
O evento reuniu profissionais, pesquisadores e estudantes em uma programação composta por painéis e oficinas que discutiram os impactos reais da IA no fazer comunicacional. Desde tarefas operacionais até decisões estratégicas, a tecnologia vem redesenhando rotinas, redefinindo competências e ampliando possibilidades.
Entre os principais pontos abordados estiveram as mudanças na produtividade e na execução de atividades cotidianas, como clipagem de notícias, monitoramento de dados, produção de conteúdo e análise de desempenho. A automatização dessas etapas tem permitido às equipes de comunicação mais agilidade e precisão, mas também impõe desafios éticos e estratégicos.
Os painelistas e instrutores de oficinas convidados ajudaram a refletir sobre algumas das questões que pautam o setor atualmente:
• Quais as oportunidades de inovação que a IA trazem para a comunicação?
• De que forma a IA pode potencializar o pensamento estratégico e a capacidade de resposta em tempo real aos diferentes públicos?
• Como mitigar os riscos relacionados à obsolescência de pensamento, bem como os impactos sociais e éticos do uso da tecnologia?
• Qual será o futuro do trabalho na comunicação e as competências essenciais para os profissionais da área?
Durante o painel “IA: Oportunidades e Riscos”, que contou com as participações do jornalista Alvaro Leme e de Luís Joly, presidente da JeffreyGroup, abordou-se o papel da Inteligência Artificial na manutenção dos usuários conectados e digitalmente informados, evidenciando os impactos desta tecnologia na comunicação.
De acordo com Alvaro Leme, a IA amplia a produtividade e a agilidade no processamento de dados e de conteúdo, permitindo que um único profissional possa efetuar uma entrega completa, do levantamento de dados até o produto final editado, integrando diversas habilidades e competências anteriormente segmentadas.
No entanto, existem riscos sensíveis que não podem ser negligenciados por profissionais da comunicação. Entre eles, conteúdos pouco inovadores construídos a partir de realidades passadas, desinformação ampliada por falta de exatidão e fontes de informação, gerando exaustão e vieses algorítmicos que acabam por impactar a confidencialidade de dados de clientes e gerar problemas de propriedade intelectual e de direitos autorais – por campanhas similares criadas por IA para contextos e organizações diferentes -, além de influenciar a terceirização cognitiva.
Leme compartilhou ainda que as habilidades do futuro demandam o uso da IA centrada no pensamento crítico, na criatividade sustentada na empatia e na escuta ativa aos públicos, permeando características intrinsecamente humanas.
Em sua participação, Luís Joly também refletiu acerca dos riscos sensíveis vinculados ao uso da IA, caso ela seja usada para empilhar mais carga de trabalho em vez de atuar como alívio em tarefas operacionais e escaláveis geridas por humanos.
Para Joly, a não neutralidade da IA é um dos principais riscos na área da comunicação, tendo em vista que a desinformação é o risco número 1 do mapeamento global de 2024, impulsionado pelo uso de IA e outras tecnologias. Por outro lado, ele acentua o aspecto humano dos profissionais do setor e reforça a premissa de que não se trabalha no esquema Humanos versus IA, mas, sim, Humanos + IA, enquanto curadores pela confiança.
Sendo assim, o olhar para as pessoas é decisivo no controle do aumento da ansiedade devida à pressão por produtividade e as novas competências precisam guiar os profissionais na busca da produtividade que não se resume a “fazer mais”, mas, principalmente, em decidir, criticamente, o que não precisa mais ser feito.
No decorrer do painel “IA: Dados e Análise”, com participações de Aretha Yarak, diretora de data & intelligence no Grupo Burson Brasil, Fernanda Dantas, head digital e inteligência dados na CDN, e Marcelo Cia, diretor influência no Grupo InPress, o uso da Inteligência Artificial com o intuito de desenvolver campanhas direcionadas e que atendam necessidades dos clientes, por meio da análise e interpretação de dados no ambiente digital foi destaque.
Os convidados falaram a respeito da transformação paradigmática que a IA promoveu no setor da comunicação, gerando mudanças na produtividade. Tarefas historicamente demandantes, como o monitoramento de redes sociais e a geração de clipping, evoluíram de processos manuais para coletas automatizadas e, como resultado disso, alterou-se a entrega de análises instantâneas, insights acionáveis, previsões de tendências e mapeamento detalhado, elementos cruciais para a agilidade e a eficácia das ações de comunicação integrada e em tempo real.
A transmutação de dados em inteligência também foi tema da conversa neste painel. Os convidados debateram acerca de como a utilidade do dado reside em sua capacidade de ser transformado em inteligência, caso contrário, o volume massivo de informação configura-se apenas como ruído informacional. Desse modo, o foco da aplicação tecnológica deve migrar da simples coleta para a curadoria estratégica e a interpretação humana, garantindo que os outputs gerados pela IA subsidiem a tomada de decisão de forma decisiva.
O trio de painelistas reforçou ainda que a adoção da IA é um imperativo estratégico que deve ser encarado sem vieses ou receios, mas com responsabilidade. O sucesso exige que a inteligência humana mantenha sua centralidade na formulação das perguntas certas, no estabelecimento de objetivos claros e na visão estratégica. E, neste contexto, o profissional de comunicação é responsável por discernir com precisão onde a automação pode ser conectada para otimizar processos, guiando a tecnologia em vez de ser guiado por ela.
No dia a dia de exercício profissional, os painelistas evidenciaram que o ecossistema da comunicação nas agências concentra o uso da IA primariamente na produção de conteúdo, gestão de mídia e análise de dados – e que, ainda assim, essa sinergia tecnológica ratifica o papel insubstituível do profissional humano. Para o futuro, configuram-se as possibilidades de discussão sobre o uso ético, o combate a desinformação e sobrecarga de informações, proteção de dados e mensagens cada vez mais personalizadas e contextualizadas aos públicos.
Desta forma, no decorrer das falas, mostrou-se que a inteligência e a sensibilidade humanas são essenciais para conectar narrativas complexas, edificar a confiança e garantir o desenvolvimento de relacionamentos autênticos entre as marcas e seus diversos stakeholders.
Em seu terceiro painel, “IA: Estratégia e Criatividade”, o PRATICOM recebeu Leila Gasparindo, CEO da agência Trama Reputale, Nathalie Folco, VP, head digital Latam Edelman, Renata Marins, diretora estratégia e analytics da Weber Shandwick, e Rodolfo Araújo, vice-presidente da Weber Shandwick para uma discussão acerca de como a Inteligência Artificial contribui para a inovação do ambiente organizacional e também para a valorização dos colaboradores, além de impactar na visibilidade das empresas na internet.
Diversos estudos, incluindo o MIT, demonstram que o uso da IA pode comprometer a atividade cerebral e a criatividade, gerando o vício em não resolver problemas. As boas estratégias de comunicação e inovação dependem de análises e imersões nos contextos ambientais, mercado e públicos. No contexto de IA, a centralidade humana ganha cada vez mais força, sendo decisiva para a efetividade das estratégias.
Nathalie Folco mostrou como a IA tem transformado os comportamentos de busca dos usuários e como o relacionamento com a imprensa representa estratégia central para a entrega de conteúdo desenvolvido por IA, em iniciativas que unem o SEO e o GEO. Visibilidade e legitimidade na era de IA demandam posicionamento estratégico na imprensa, valorizando ainda mais a atividade de Relações Públicas pautada em temas de interesse público.
Rodolfo Araújo e Renata Marins apresentaram aspectos mais relevantes para promoção de vínculos com as marcas por parte dos públicos e a oportunidade de uso de IA para processamento de dados e análises preditivas. Os públicos demandam comunicações criativas, alinhamento com valores e soluções práticas para seus problemas. Com a metodologia Ciranda Cultural, que usa recursos de IA para processamento de dados, o convite aos profissionais se baseia em escuta, em mensuração de dados sobre pessoas e comportamentos reais e atuação ética. A IA pode contribuir muito em análises preditivas, mas a estratégia precisa estar centrada na realidade das pessoas.
Já Leila Gasparindo apresentou os cuidados necessários para integração de novas tecnologias, como a IA nos ambientes organizacionais. O advento de tecnologias pode impactar o pensamento criativo, além dos sentimentos de medo, exaustão, insegurança. Gaparindo compartilhou dados de pesquisa que indicam que 77% dos trabalhadores avaliam aumento de pressão com o uso de IA, além da fadiga informacional. Neste contexto, a integração de recursos de IA para planejamento estratégico precisam ter como centralidade a inovação, o pensamento criativo, a participação e a colaboração.
Encerrando a edição, o painel “IA: Futuro do Trabalho e Competências” contou com as participações de Giovanna Pieroni, diretora de produtos na FSB Holding e integrante do iaLAB, Ricardo César, CEO e presidente América Latina da Ideal Axicom e Rosa Vanzella, CEO Grupo Burson.
Durante a conversa, Ricardo César trouxe a ideia de que falar em futuro do trabalho no contexto de IA já é falar de presente da comunicação e Relações Públicas. Tal presente se delineia em algumas abordagens, que envolvem:
1) Profissões em risco: IA impactará 40% dos empregos e tarefas repetitivas e operacionais são as mais expostas e 59% dos profissionais de comunicação entendem que a IA deve reduzir empregos;
2) 74% dos profissionais de comunicação já usam IA para atividades como brainstorming, relatórios, SEO, conteúdos. O tempo deveria ser investido em estratégia e relacionamento humano. O desafio continua sendo a governança, a ética e o uso responsável;
3) No contexto externo é preciso observar que a IA já é amplamente utilizada pelos públicos, pelas redações e que há forte pressão por regulação sobre rotulagem de conteúdos produzidos por IA;
4) A ética a o viés algorítmico são um dos principais riscos: estudo com 504 jornalistas mostrou que 89,9% acreditam que IA vai aumentar risco de desinformação e dificultar ainda mais a detecção de conteúdo falso e deepfakes;
5) Aos profissionais de comunicação a demanda é clara: a alfabetização não é apenas em IA, mas principalmente em ciências humanas. É preciso se aprofundar em filosofia, sociologia, psicologia, para ser capaz de aprimorar relacionamentos humanos. Além disso, as habilidades de criação de prompts, de análise de dados, de storytelling e dos instrumentos legais em risco com uso de IA são decisivos;
6) As agências estão se adaptando em quatro principais esforços: playbooks e guias internos, com muito treinamento para equipes; estão investimento cada vez mais em revisão humana em peças críticas; estão se fortalecendo em governança de dados para evitar riscos de proteção industrial e intelectual; além de mecanismos para evitar manipulação de dados;
7) Assim, as novas competências aos profissionais envolvem literacia avançada de IA; habilidade de gestão de crise e combate à desinformação; conhecimento em compliance e regulações como AI Act, LGPD, entre outros; e a grande força dos human skills: criatividade, empatia, pensamento crítico e inteligência emocional.
A mensagem central reverberada é a de um caminho claro: a gestão de reputação a partir da IA. O Generative Engine Optimization (GEO), ou o AI Engine Optimization (AIEO), ou seja, a prática de monitorar como as ferramentas de IA representam as marcas. Estudos demonstram que mais de 65% das respostas geradas por IA têm como fonte reportagens em imprensa tradicional, reforçando o valor da prática de Relações Públicas. Essa compreensão é decisiva para o planejamento de relações com a imprensa, mídia proprietária e social que alimentam as conversações dos usuários com suas IAs.
Fontes:
DADOS: Estudo MIT – IA pode comprometer atividade cerebral e criatividade. (atenção e criação). Uso de eletroencefalogramas para monitorar atividade de alunos e mostrou que a agilidade e produtividade pode gerar preço cognitivo a longo prazo. Estudo Reino Unido desenvolvido por Michael Gerlic, usuários frequentes de IA apresentam menor desempenho cognitivo. Desaprendizagem cerebral, vicio em não resolver problemas.
https://tecnoblog.net/noticias/uso-de-ia-reduz-aprendizado-e-o-pensamento-critico-revela-pesquisa/
https://forbes.com.br/forbes-tech/2025/01/estudo-aponta-que-a-ia-esta-reduzindo-a-capacidade-cognitiva-das-pessoas/
https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/ia-degenerativa-o-que-nao-te-contaram-sobre-inteligencia-artificial/