Com o formato inovador de três palestrantes e a presença de alunos do primeiro ao quarto ano, aconteceu na última quinta-feira (12), manhã e noite, a Aula Magna 2015 do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Mediados pelas professoras Helena Jacob e Tatiana Ferraz, coordenadora e vice-coordenadora do curso, respectivamente, os encontros tiveram as presenças do repórter investigativo André Caramante, da jornalista multiplataforma Claudia Belfort e do diretor de Jornalismo da TV Gazeta, Dácio Nitrini.
Logo no começo do evento o aviso das mediadoras chamou a atenção dos presentes: Caramante não poderia ser fotografado ou filmado. Responsável por investigações que desmantelaram esquemas de corrupção e grupos de extermínio dentro da Polícia Militar do Estado de São Paulo, ele é vítima há anos de ameaças contra a sua vida e, portanto, não poderia ter a imagem exposta. O choque era evidente. Todo jovem que decide ser jornalista tem em mente as possibilidades de transformação da profissão e sabe que investigar e enfrentar grandes esquemas como esses pode resultar em riscos até para a própria vida, mas a presença ali, de um profissional, um ser humano, que vive uma situação como essa, foi uma experiência única.
Como não podia deixar de ser, a polêmica da necessidade ou não de um diploma de graduação para ser jornalista esteve em pauta. Primeiro a palestrar, Dácio Nitrini lembrou que a FCL abriu seu curso de Jornalismo em 1947 e que antiga lei que previa a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão só foi instituída trinta anos depois, em 1977, ou seja, a profissão não precisou dessa lei para se instituir e, na visão dele, não precisará para sobreviver. Contando sobre sua experiência, relatou casos de suas passagens pelo SBT e pela TV Record, onde produziu e dirigiu telejornais e coberturas especiais. Sobre os desafios de hoje, citou o entrave que a comunicação institucional das corporações e as diferentes esferas do poder público impõem aos jornalistas: a dificuldade para que esses tenham acesso à informações e espaços que, muitas vezes, são públicos, como documentos e parques. Sobre o futuro do mercado de trabalho, Dácio reconheceu a queda de postos tradicionais das redações, como os revisores, mas ressalva: “houve uma compactação dos jornalistas que trabalham do modo clássico, mas houve também um crescimento nos que trabalham com as novas mídias, as novas tecnologias. O número de profissionais é o mesmo, essa é a transformação”. E completou: “mas mantém-se o mesmo princípio ético que deve nortear a profissão. Não vale mentir, não vale omitir.”
Antes de iniciar sua fala, Claudia Belfort ressaltou a importância de eventos como esse, nos quais jornalistas, profissionais com larga experiência, conversem sobre suas trajetórias com jovens estudantes, podendo ajudar nessa formação. Falou da importância de ter passado por diversas mídias e contou a passagem de quando foi convidada, pela primeira vez, para integrar a equipe de um portal de internet: “Uma amiga que estava indo para um portal veio e me convidou para ir com ela. Eu respondi ‘eu vou, mas não sei nada sobre isso. Só posso te garantir uma coisa, eu vou aprender”. Prosseguiu reconhecendo que as Novas Mídias podem causar uma sensação de medo e ansiedade por serem uma forma diferente de exercer a profissão e, também, por de certo modo proporcionarem uma sensação de incerteza quanto ao futuro, mas pondera: “para alguns isso pode ser motivo de desespero. Eu vejo como um desafio, uma motivação”. Falando sobre o futuro, deu sua avaliação de que o mercado de trabalho como conhecemos deve se transformar, com uma nova configuração na qual terão destaque sites e portais muito segmentados, como o americano The Marshall Project, que foca exclusivamente em injustiças do sistema penal americano. “É mais difícil, vai exigir mais talento e mais conhecimento especializado”.
Outra vertente que Belfort abordou foi a do Jornalismo de Dados. Essa nova área, que propõe o cruzamento de informações de diferentes fontes e a transformação desse material em reportagem através de plataformas digitais ainda é uma polêmica. Citou o caso do programa utilizado pelo jornal Los Angeles Times, nos Estados Unidos, que produziu uma nota sobre um terremoto acontecido na cidade apenas três minutos depois do ocorrido, mas negou a hipótese de que esse poderia ser o “começo do fim” da profissão. Para ela, é a hora dos jornalistas abrirem a cabeça para novas tecnologias, se capacitarem para poder operar essas ferramentas, obter esses dados e, a partir deles, realizar análises mais profundas sobre os temas abordados.
O assunto continuou em pauta no início da fala do terceiro palestrante, André Caramante, que comentou o caso do LA Times e frisou: “o programa pode fazer reportagem, mas ele não vai olhar no olho da pessoa que sofreu o terremoto e ouvir a história dela”, ao que Belfort completou “exatamente, é aí que a gente tem que ser bom”. Sobre a pergunta comum que recebe de jovens estudantes sobre os caminhos para ingressar no jornalismo investigativo, aconselha: “desconfie, sempre, de tudo e de todos”. “A partir do momento que você estiver na sua zona de conforto a chance de errar é muito grande”. Sobre as mudanças do mercado e o jornalismo independente, conta com muito carinho sobre o projeto da Ponte Jornalismo, agência independente de notícias que fundou em 2014 – e da qual, hoje, Claudia Belfort também participa – e sobre como a iniciativa e o novo panorama das redações o proporcionou uma situação curiosa, que foi convidar um ex-professor seu de faculdade para trabalhar com ele no projeto.
Aberta a etapa de perguntas, rapidamente muitos alunos levantaram a mão. Primeiro a responder, André Caramante contou que, mesmo com o bom retorno da Ponte, ainda não se dedica inteiramente ao jornalismo alternativo, exercendo a função de repórter especial na TV Record desde o começo do ano. Elogia as condições que tem de trabalho na emissora, mas coloca o desafio do financiamento como uma meta para os próximos projetos independentes que surgirem. Se posicionando frente a um questionamento sobre comunicação institucional, Claudia Belfort citou o case do Google que, agora, oferecerá às empresas a possibilidade de pagarem para que suas notas de retratação estejam mais acessíveis do que os textos jornalísticos no mecanismo de busca, o que, segundo ela, só reforça a ideia de que os jornalistas devem buscar ter análises cada vez mais profundas para se diferenciarem.
Atendendo a diversas perguntas sobre seu trabalho jornalismo investigativo, André Caramante emocionou ao contar casos de ameaças e outros conflitos muito intensos que enfrentou ao longo de sua carreira. Um desses conflitos é o famoso caso em que foi o responsável por denunciar uma quadrilha de policiais e ex-policiais militares que atuava exterminando jovens em comunidades carentes, e que, após intensas ameaças anônimas, o obrigou até a ter que deixar momentaneamente o país. Comentando um questionamento sobre telejornalismo e a busca, muitas vezes incessante, por uma imagem para “justificar” uma pauta em TV, ele, como repórter da TV Record, e Dácio Nitrini, como diretor de Jornalismo da TV Gazeta, foram firmes ao dizer que é possível sim fazer uma matéria de televisão mesmo quando não é possível ter acesso às imagens do ocorrido e que com boa apuração, uma história pertinente pode ir ao ar da mesma maneira. “Agora que eu ocupo um cargo de direção, eu posso dizer. Na Gazeta não abrimos mão de uma boa história só por não haver imagem, isso é um vício que a televisão brasileira absorveu das emissoras americanas e que não é bom”.
A presença das mulheres no Jornalismo foi o tópico seguinte. Respondendo a primeira pergunta sobre o tema, Caramante admitiu que elas ainda são minoria no jornalismo investigativo brasileiro, mas afirmou acreditar que essa situação, reflexo do machismo estrutural da sociedade brasileira, está, cada vez mais, sendo revertida. Na segunda, Claudia Belfort afirmou que nunca havia sentido de forma muito intensa o preconceito contra as mulheres na profissão até passar à ocupar um cargo de chefia. Em sua passagem pela função de editora-chefe, contou, foram inúmeros os casos, muitas vezes de colegas de profissão, reforçando em todos os presentes a necessidade de se combater a opressão às mulheres não só no Jornalismo, mas na sociedade brasileira como um todo.
E foi assim, com temas fortes e polêmicos, muita comoção, muita participação dos estudantes e o sentimento coletivo de determinação em se aprimorar, estar preparado para as mudanças e ser não só melhores profissionais, mas também melhores pessoas, que a palestra foi encerrada com uma merecida e emocionante salva de palmas.