Vanilda Dzierwa, nome que mais tarde se tornou o de uma escola, foi Inspetora Auxiliar de Ensino do município de Contenda, no interior do Paraná, entre 1963 e 1985. Um trabalho que ia muito além de aplicar avaliações a analisar as escolas, envolvendo ter que cobrar do govero melhores condições e ensinar noções básicas de higiene e saúde para as famílias da comunidade. Vanilda conta, a seguir, a realidade desse “trabalho bonito, mas desgastante”.
Qual cargo a senhora ocupava?
Eu era inspetora auxiliar de ensino do município. Abrangia as escolas municipais e as estaduais. Fui de 1963 a 1985.
Como a senhora virou inspetora?
Não tinha muitas professoras formadas na cidade. Na época eu estudava na escola maior, chamava-se Grupo Escolar. Daí eu fui convidada por um prefeito pra assumir esse posto. Era assim, em cada município tinha uma inspetora indicada pelo prefeito. Não tinha lista tríplice nem nada… hoje em dia já tem, é tudo diferente.
Quais eram as condições de trabalho daquela época?
Ah, era muito precário. As professoras eram sobrecarregadas. Cada uma atendia quatro séries, uns 30 alunos. Tinha uma lousa em cada sala. Os espaços não acomodavam todos os alunos, não tinha carteira, não tinha material. Eram 25 escolas lá em Contenda, mas todas pequenas. O máximo que tinha era 80 alunos no total, pra duas professoras. Em alguns lugares não tinha nem banheiro e a gente tinha que ensinar eles a usarem. Tinha que ensinar a dar banho nas crianças, fazer tudo. Era quase um trabalho de mãe. A cada bimestre eu fazia todas as provas e mandava para as professoras para elas aplicarem. Dava um trabalhão, porque eu tinha um mimeógrafo que não era elétrico, era com pasta. Primeiro era um a álcool, depois com pasta. Tinha que esperar aquelas folhas secarem pra depois grampear tudo e levar pras escolas… A inspetoria já chegou a ser num anexo da minha casa, porque a prefeitura não tinha dinheiro para alugar um espaço. Era um trabalho bonito, mas desgastante.
Como era a relação da escola com a comunidade? A educação se limitava à sala de aula?
Os pais eram muito acessíveis, colaboravam. A gente passava o conhecimento pra eles e eles aceitavam e compartilhavam com os outros. Eles não sabiam fazer muitas coisas. Por exemplo, a maioria das donas de casa não sabia fazer uma boa comida, pregar um botão… eram pessoas muito simples. Então a gente ensinava tudo, dava cursos, para eles aprenderem a viver na comunidade e poderem aproveitar as coisas. Além disso, a própria escola cuidava da saúde. Os médicos iam lá e davam palestras, aplicavam vacinas… ensinavam até as mães a fazerem as mamadeiras. A escola era o núcleo de tudo, por isso os pais gostavam. Porque aprendiam muita coisa lá. Tinha uma cozinha em cada escola, onde eram feitas sopas e distribuído o leite. O governo mandava o leite, mas para as sopas o governo não mandava nada, então a gente se virava como podia. Tinha uma hortinha na escola, que as próprias crianças ajudavam a fazer. Como era rural, a gente também pedia pra cada um trazer uma coisinha, e assim a gente ia juntando os ingredientes. Ou então a gente fazia uma festa, um bingo, um baile. Os pais ajudavam a organizar. Com aquele lucro a gente ia comprando os ingredientes que faltavam e fazia a sopa para os alunos. A escola era o centro de tudo. Por exemplo, na zona rural tinha muitos cães que precisavam ser vacinados, e os donos não tinham como levar esses cachorros para os veterinários. Nem veterinário tinha na cidade, vinha sempre um da Secretaria de Saúde de Curitiba. A gente abria a escola fora do horário e os cães eram vacinados na escola. Porque onde mais eles iriam fazer? Se tivesse, por exemplo, uma reunião com um agrônomo do município pra passar pra eles as novas técnicas, onde eles iam fazer a reunião? Não tinha outro lugar. Então, além de serem professoras, as educadoras eram mães e praticamente assistentes sociais que conduziam as crianças e ainda orientavam a comunidade toda.
Durante o tempo em que a senhora foi inspetora, observou algum progresso?
Muito. Nós conseguimos mudar muitas coisas na cidade. Antes, quase todos os alunos iam com o pé descalço no verão, mas a gente deu um jeito, arranjou tênis e chinelo de dedo pra eles. Era tudo assim… A gente andava por Curitiba, ia até a Secretaria, pra conseguir mais cadernos, mais livros, mais folhas. Fazia campanhas, fazia de tudo. A gente chegou a arrumar um professor pago pela prefeitura que ia ensinar os alunos a marchar, e depois a gente levava todos pra desfilar na cidade. Não dava muito certo, cada um ia batendo o pé com mais força com o outro… Mas eles ficavam tão felizes! Um pouco antes de eu virar inspetora, quando eu ainda dava aula, muitos deles não sabiam como era uma geladeira, um congelador. Eu levava eles na minha casa e mostrava e eles ficavam espantados… Como progrediram! Mas a região ainda está atrasada.
Como era feita a capacitação dos professores e dos inspetores?
Nós tínhamos muitos cursos. Todos os anos nas férias os professores iam para capital para esses cursos. Menos quando eram cursos mais simples, que eram dados na cidade mesmo. Eram todos cursos de atualização, tanto para eles se especializarem e ensinarem melhor as crianças quanto para saberem como conduzir essas comunidades. Os professores eram muito dedicados, tinham muito empenho pela comunidade, porque quase sempre eles moravam lá, era essa a vida deles. Se a comunidade progredia, eles progrediam.
Quais são as principais mudanças que a senhora vê na educação desde que deixou o cargo?
Naquela época as escolas eram na zona rural da cidade, isso era muito complicado. Hoje todos os alunos são trazidos para uma escola central. Tem ônibus, condução… Mas não sei se o ensino é melhor. Hoje tem muita promoção automática. Se passou passou, senão passa também e recupera no ano seguinte. Antes era outra didática, outra metodologia. Um pouco dos conteúdos eram coisas regionais, do município ou do estado. As crianças levavam para a vida. A gente sempre tentava envolver as coisas que eles tinham na comunidade. Mas hoje com a internet é tudo diferente. As escolas são ótimas, a criança já entra pequenininha. Já chega com outra visão. A internet, a televisão, tudo isso faz a criança se desenvolver.
A senhora ainda colhe frutos dos anos que passou no cargo?
Ah, eu colho… para mim foi um exercício maravilhoso, com muitos momentos de solidariedade. Eu consegui implantar muita união, fraternidade entre eles. Até hoje, quando vou pra Contenda, encontro uns três ou quatro alunos meus que falam do tempo da escola, como era bom, o que eles aprenderam lá. Falam que hoje eles pegam os cadernos dos filhos deles e veem que nessa idade eles sabiam muito mais do que os filhos deles sabem hoje. Até fizeram uma escola que leva meu nome, em homenagem pelos trabalhos que eu fiz durante 22 anos no município. Todas as professoras eram amigas, era um ambiente muito bom.