Por Profa. Dra. Michelle Prazeres

Como organizar o tempo da pesquisa? O que faz o tempo fluir e o que dá sensação de frustração em relação ao tempo da pesquisa? Por que, na atividade de pesquisa, o cronograma é importante, mas o tempo de dedicação vai além dele?

Estas foram algumas perguntas que nos mobilizaram a realizar a oficina “Organização do tempo na pesquisa“, atividade realizada presencialmente na Cásper Líbero.

No encontro, falamos sobre a cultura da velocidade e como ela está impregnada também na Academia, lugar do pensar. Conversamos sobre como a lógica da produtividade na Universidade vem acelerando a experiência da pesquisa (a respeito desta tendência, escrevi uma resenha sobre o Livro The Slow Professor para a Revista Líbero em 2014) e sobre como podemos fazer – de forma prática – para lidar de um lado com a consciência da pressão que isso gera e, de outro, com possibilidades reais de organizar o tempo de forma a minimizar os efeitos desta correria (e manter a nossa saúde mental em dia).

O grupo chegou à seguinte síntese: no cotidiano, estamos, de alguma forma, sendo “treinados para acelerar e para oferecer respostas ágeis a tudo”. Acontece que a pesquisa é o lugar da reflexividade, de um tempo de demora, de dedicação concentrada a um objeto. Como fazer, então, para pesquisar na era da aceleração social generalizada?

A resposta mais evidente é a da organização do tempo. Mas na nossa reflexão coletiva, juntamos também outras impressões, tendo em vista a percepção de que não basta apenas se organizar. É preciso criar estratégias de concentração, tendo em vista que não é suficiente “reservar tempo” para a pesquisa. É preciso criar momentos de disposição para a pesquisa, em contraponto a um “dispositivo cultural acelerador”, que nos acompanha no cotidiano e vai construindo uma disposição permanente à aceleração e uma indisposição (ou indisponibilidade para tarefas que seriam “mais lentas”).

O exercício proposto foi o de buscar reconhecer os momentos de pesquisa em que o tempo fluiu e aqueles em que o tempo não fluiu. A ideia era pensar em aspectos que nos ajudam a combater a ideia de que “não temos tempo” e, a simultaneamente, a ideia de que “basta organizar o tempo”, que podemos fazer tudo que precisamos.

O contexto de orientação foi citado como um espaço de tempo que ajuda o tempo a fluir. A troca com outros(as) pesquisadores(as), em especial com colegas que estão atravessando momento semelhante na pesquisa, foi outro fator citado como “colaborador do tempo”.

Algumas dicas práticas de organização também foram lembradas: fazer fichamentos, notas e “banco de citações” para sistematizar as leituras; delegar tarefas que são possíveis de “terceirização” (como as transcrições de entrevistas, por exemplo); e usar aplicativos de organização foram ideias bem concretas listadas pelo grupo.

Dois temas foram controversos no que diz respeito a dicas práticas. Um deles foi a pressão dos prazos. Algumas pessoas consideram o prazo um aliado, pois trabalham melhor sob pressão (estas pessoas possuem dificuldade em trabalhar com muita disponibilidade de tempo); outras, consideram o prazo um possível “inimigo” e sentem maior necessidade de organizar as tarefas de longo prazo em prazos intermediários.

A relação com as redes sociais é um ponto que, para algumas pessoas sugere uma barreira à pesquisa (por serem estopim da distração) e para outras, são pontos de apoio para, por exemplo, manter alguma socialização e troca com amigos. A chave para conduzir esta relação seria o equilíbrio. Elas não são nem heroínas, nem vilãs. Precisamos nos relacionar com as redes com alguma temperança.

Os(as) participantes contaram que o tempo não fluiu quando deixaram de respeitar seu ritmo interno para períodos do dia. Se você é uma pessoa que trabalha melhor à noite, se organize para trabalhar neste período do dia. Eles(as) contaram que a pesquisa não acontece, quando “forçamos” a produção em um dia em que não estamos bem. E isso pode gerar um tipo de frustração e desencadear um período não produtivo mais extenso.

Nesta mesma linha, eles(as) contaram que não foi bom quando calcularam mal o tempo de uma tarefa (subestimando ou superestimando) e que calcular bem os tempos de cada atividade pode ser bom para a organização de modo geral. Isso, porque o tempo disponível costuma ser fragmentado e – calculando os tempos – é possível avançar na pesquisa, mesmo sem muito tempo “de imersão” disponível no processo.

Sobre a imersão, uma dica prática interessante foi a de começar o processo com um conteúdo mais leve, relacionado à pesquisa, que funcione como um “ativador” de disposição para a reflexão.

Além destas questões levantadas pelo grupo, deixo aqui algumas referências.

Devemos realizar outra oficina sobre o tema no próximo semestre.

Caso tenha interesse, fique atento(a) no site e nas redes sociais da Cásper.

 

Referências

COMUNICAR DEVAGAR: COMO O ENSINO, A PESQUISA E A PRÁTICA DE JORNALISMO PODEM SE INSPIRAR NO MOVIMENTO SLOW PARA DESACELERAR

Resenha do Livro The Slow Professor, publicada na Revista Líbero. De Michelle Prazeres.

https://revistalibero.casperlibero.edu.br/sem-categoria/comunicar-devagar-como-o-ensino-a-pesquisa-e-a-pratica-de-jornalismo-podem-se-inspirar-no-movimento-slow-para-desacelerar/

 

Jornalismo lento: Mapeando tensões entre velocidade e comunicação em ambientes digitais

Artigo científico publicado na Revista Paulus. De Michelle Prazeres.

https://fapcom.edu.br/revista/index.php/revista-paulus/article/view/71

 

Resenha do livro Aceleração e alienação: esboço de uma teoria crítica da temporalidade na modernidade tardia, Harmut Rosa.

Revista de Estudos Culturais. De Rafael Silveira.

http://www.each.usp.br/revistaec/sites/default/files/pdfs/07-resenha-rafael_silveira.pdf

 

O fake é fast? Velocidade, desinformação, qualidade do jornalismo e media literacy

Artigo científico publicado na Revista Estudos em Jornalismo e Mídia. De Michelle Prazeres e Rodrigo Ratier.

https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/1984-6924.2020v17n1p86