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Crédito: Vitor Brown

Crédito: Vitor Brown

Em janeiro deste ano, o jogo entre Palmeiras e Piauí, na Copa São Paulo de Futebol Junior, ficou marcado pela contusão do árbitro, que torceu o tornozelo ao marcar um pênalti a favor do time paulista, mas apitou a partida até o final, causando grande comoção no mundo do esporte.

Ilbert Estevam, árbitro da categoria 1 da Federação Paulista, não contava com a repercussão que o caso teria. Naquela noite, ao chegar em casa, após a partida, era chamado de “árbitro-guerreiro” nas reportagens do jogo na Internet e, em algumas horas, 120 pessoas o haviam adicionado no Facebook.

Ilbert sempre gostou de ser o vilão da partida. Antes de ser o juiz, ele foi o responsável por evitar que a bola balançasse a rede. Até os 22 anos, quando uma lesão acabou com sua breve carreira, Ilbert era goleiro e chegou a jogar, inclusive, em um time de El Salvador.

Mas não é só nos campos de futebol que Ilbert é autoridade. Fora das quatro linhas, ele é policial militar e nos recebeu na 3ª Companhia de Policiamento de Trânsito, onde ele realiza o cadastramento das autuações do bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, para falar sobre a vida de um árbitro no Brasil, sua experiência como atleta e a árdua tarefa de conciliar arbitragem, policiamento e vida pessoal.

Vitor Brown: Ilbert, quais as condições de trabalho de um árbitro no Brasil atualmente?
Ilbert: Olha, é uma carreira bem complicada, por todas as dificuldades que você passa até chegar a apitar. Você entra na FPF [Federação Paulista de Fuebol], faz um curso de um ano e meio. Vai subindo, chega à categoria 1, que é a minha hoje. Dessa categoria, você tem que ser indicado para a CBF e da CBF para a Fifa. Eu pretendo, para minha carreira, em uns dois anos, chegar à CBF e apitar competições nacionais.

VB: Mas para continuar apitando, vocês realizam avaliações periódicas para se manter no quadro de árbitros, não é?
Sim, temos um teste teórico e prova oral. Tem perguntas fáceis, médias e difíceis, mas a cada seis meses temos que renová-lo. Então você tem que estar bem atualizado, porque se você não estudar, não consegue passar. E tem o teste físico que é bem complicado também, e que é muito importante. Se você for reprovado, não pode apitar.

VB: E antes das partidas que você vai apitar, também faz uma preparação especial?
Olha, eu sou bem estudioso. Leio tudo sobre as equipes, eu sei quantas faltas o time fez, quantos cartões tem tal jogador, leio a súmula do jogo anterior, ligo para os outros árbitros meus colegas e pergunto se no outro jogo desse time houve algum problema, quem é o “brigão”, quem gosta de complicar. Eu estudo bastante a partida.
Mas isso, na primeira divisão, todos os árbitros fazem. Temos palestras e vídeos. A primeira divisão está bem profissionalizada em São Paulo. Os árbitros que vêm de outras federações não acreditam que temos toda essa estrutura, mas isso é necessário, não é? Temos que estar bem preparados. Em dez minutos de arbitragem, podem acontecer uns cem lances polêmicos.

VB: Falando sobre isso, quais são as jogadas mais delicadas para um árbitro?
Os lances dentro da área, que são os mais polêmicos. Você tem que respirar fundo e ficar calmo, porque eles [os jogadores] estão vindo a 110 por hora, com os nervos à flor da pele. Mas você tem que estar tranquilo.

VB: E quanto às brigas entre jogadores ou qualquer outra confusão em campo? Vocês também se preparam para isso?
A gente recebe algumas instruções, sim. A gente tem que procurar ficar calmo. Se você agredir com palavras, vai gerar uma confusão maior ainda. Técnica de defesa é nunca ficar parado. Também temos duas armas: uma se chama cartão amarelo e a outra cartão vermelho.

VB: Mas imagino que a sua experiência como jogador ajude bastante, agora que você está do outro lado, não é?
Sem dúvida! Você não tem, no feeling da partida, como saber se o jogador caiu ou se ele realmente se machucou. Eu ter sido jogador me ajuda muito a saber quando eles estão valorizando. Às vezes, os próprios jogadores, sabendo da fama do árbitro, seguram seus colegas. Aqui na América do Sul, os jogadores valorizam mais a situação. O europeu dá menos falta que o sul-americano. Lá eles jogam de pé. Olhe o Neymar como está jogando diferente. Lá, a torcida cobra isso.

VB: Como você acha que está a relação entre os jogadores e os árbitros, atualmente? Eles respeitam o juiz?
Juiz é no tribunal, futebol é árbitro! (Risos.) Mas acho que isso melhorou muito de uns tempos para cá. Quando eu era jogador, quem trazia as informações a respeito do árbitro era a comissão técnica, mas na minha época o interesse era maior em relação à equipe adversária, mas não muito pelo árbitro.
Tem um caso de um jogador e de um treinador que, sempre que eu apito com eles, eles vêm e falam: “Hoje eu não vou te dar problema!”. É bacana quando os jogadores entendem as regras de arbitragem. Porque muitos jogadores desconhecem as regras, falta teoria. E eu não estou lá para ensinar a regra, eu estou lá para aplicar. Então, se você agredir com palavras, vai gerar uma confusão maior ainda.

VB: Você acha que apitar futebol requer coragem?
Sim, não por estar apitando sozinho no amador, no meio da favela. É coragem de marcar um pênalti contra um time aos 48 minutos, ou não marcar. Aliás, tudo quanto é desgraça que tem que acontecer com o árbitro acontece nos acréscimos! (Risos.)

VB: E entre as suas duas profissões, árbitro e policial, qual das duas você considera mais perigosa, mais arriscada?
A vida de árbitro não tem tanto risco quanto a de policial. No policiamento, você lida com a vida. Hoje, se você errar numa rua, você pode tirar a vida de um inocente ou tirar a própria vida. A arbitragem tem um certo nervosismo, mas tem um limite.

VB: Se você tivesse que escolher entre apenas uma das suas profissões, qual você escolheria? Árbitro ou policial?
Eu amo o que faço. A arbitragem eu tenho como verdadeira adoração. Mas é da PM que vem o meu sustento. Como a arbitragem não é profissional, eu posso me lesionar, eu posso errar e vou perder a vaga.

VB: Ilbert, tem algum jogo que você sonha apitar?
Um clássico grande, mas qualquer um deles: Grêmio e Inter, São Paulo e Palmeiras, Corinthians e Santos, em qualquer estádio. Já apitei clássicos, mas de campeonatos menores. Estou a caminho, mas como é sorteio, não tem como saber. Nos clássicos, eles colocam os mais experientes. Estou chegando agora, primeiro preciso me firmar. Em três anos espero estar apitando clássicos.

VB: Conte um pouco mais sobre a sua experiência como jogador.
Olha, eu sempre quis jogar futebol e meu pai sempre me apoiou. Ele me levava nos treinos, para fazer testes, me dava uns puxões de orelha. Ele dizia: “Pô, um cara do seu tamanho não pode levar esse gol”, ia me corrigindo. Eu passei por vários times aqui de São Paulo, até um grande inclusive, mas não me firmei muito [para preservar sua imagem como árbitro, Ilbert não revela os times onde jogou]. Então, o Matheus, que jogava comigo em um time, recebeu um convite para ir para El Salvador e conseguiu me levar junto, para jogar lá também. E nós dois fomos, mas era uma vida muito difícil, o país estava em guerra, tinha toque de recolher, muita violência, além da saudade da família, a preocupação que eu causava neles. Depois de um ano, eu me machuquei, operei o joelho e teria que ficar seis meses sem jogar. Então, eu achei melhor voltar para o Brasil e estudar, encerrar a carreira.

VB: Como o policiamento entrou na sua vida? Você era jogador, depois se tornou árbitro, vivia no mundo do futebol, então como decidiu ser policial?
Na verdade, foi meu irmão que me convenceu a prestar o concurso da PM. Na época, quando eu tive que parar de jogar, estava estudando Educação Física, porque nossos pais nunca quiseram que a gente vivesse de futebol, é uma coisa muito incerta. Então, nós prestamos o concurso. Eu passei, mas o meu irmão, que queria, não passou.

VB: Como você concilia os dois empregos, policial e árbitro?
Eu comecei trabalhando como oficial na rua mesmo, mas, como isso me prejudicava nas escalas, pedi transferência para a área administrativa e hoje, aqui no batalhão [3ª Companhia de Policiamento de Trânsito], eu tenho mais flexibilidade pras viagens, posso pedir pra fazer meio expediente, dá pra lidar melhor.

VB: E a vida pessoal, como fica?
Então, eu sou casado e minha esposa é professora. Quase não a vejo durante a semana, porque a arbitragem ocupa bastante tempo. Nossa vida é muito corrida. A arbitragem não pode usar aliança, então eu guardo para não perder e não uso quando viajo, e isso dá problema também! (Risos.)

VB: Ela assiste aos seus jogos?
Ela não assiste muito porque fica muito nervosa. Esse jogo ela foi assistir e eu me machuquei, então não quero mais que ela assista! (Risos.) Mas ela assistiu o segundo tempo de joelhos, rezando para eu terminar o jogo, ficou muito preocupada. A família é o nosso combustível para a gente poder trabalhar.

VB: Você já pensou no que fazer quando chegar aos 45 anos? [Ilbert tem 30 anos e aos 45, os árbitros têm que se aposentar]
Eu já pensei, mas está um pouco longe. Arbitragem é algo viciante. Eu já não assisto mais o jogo como outra pessoa. Eu olho para o árbitro para ver se ele está correndo direito, fico analisando os lances. Eu penso em ajudar a arbitragem de alguma forma, mas não sei como ainda. Posso ser observador, aquele que dá a nota que te eleva no ranking. O que eu planejo no futuro é morar em uma cidade do interior, a gente [Ilbert e a esposa, Andrea] já estava olhando casas em Atibaia, queremos ter um filho e a gente prefere uma cidade menor, mais tranquila. Eu gosto muito de cachorros, então penso em pedir transferência para o canil da PM, que é lá em Atibaia, mas isso a gente ainda está pensando.