Em tempos nos quais, aparentemente, qualquer pessoa com um celular e acesso à internet pode virar jornalista e o diploma do curso não é mais obrigatório para exercer a profissão, vale a pena ouvir quem realmente tem experiência em “sujar os sapatos”. Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha de S.Paulo desde 2010, já foi correspondente nos EUA, onde cobriu o 11 de setembro e a eleição de Barack Obama, além de ser o único repórter brasileiro presente no início da Guerra do Iraque. Apesar das incertezas de um mercado editorial em crise, com diminuição do número de leitores de jornais impressos e fechamento de revistas, Dávila afirma, otimista: “O jornalismo nunca estará em xeque”.
Rupert Murdoch, o conservador e polêmico publisher dono do conglomerado que envolve pesos-pesados como o The Wall Street Journal, o New York Post e a FOX, costuma dizer que “nunca a morte do jornalismo foi tantas vezes noticiada, e com tanta alegria, pelos próprios jornalistas”. Na contramão desse olhar pessimista, Dávila acredita que a função do jornalista não se perderá com a ascensão dos meios digitais; a tendência é que esses formatos se complementem, e não concorram entre si. O editor cita o exemplo da própria Folha, que unificou as redações da versão impressa e on-line, em um processo árduo que teve como objetivo produzir notícias 24 horas. Com a premissa de que, se forem seguidos princípios de qualidade, não importa em que meio o conteúdo será veiculado, o projeto deu certo: em um ano, o número de assinantes de conteúdo pago da Folha cresceu 20 vezes.
Ao se colocar como o “evangelista” que crê que a função do repórter jamais estará em risco, Dávila tranquiliza os aspirantes à carreira. Para ele, apurar um acontecimento ou assunto exige criticidade e forte senso ético, além de um cuidadoso trabalho de curadoria que só um profissional é capaz de executar. Com a crise dos meios tradicionais e a liberdade e o espaço proporcionados pela internet, torna-se ainda mais imprescindível a intermediação do jornalista. Por isso, Dávila defende que é importante, sim, ter diploma universitário, não obrigatoriamente de jornalismo, entretanto. Em sua opinião pessoal, faz muita diferença a graduação no ensino superior, e uma maior qualificação – como os títulos de mestrado ou doutorado – ainda é altamente desejável no mercado de hoje.
Mesmo nas mídias independentes, ele argumenta, é necessário que haja uma curadoria de jornalistas profissionais. Como não há possibilidade de se registrar tudo sob todos os ângulos, o trabalho de organização, hierarquização e edição é fundamental para selecionar o conteúdo que chega até o público, pois não se pode esperar um internauta que acompanhe 24 horas de streaming. A cacofonia das informações difundidas na rede exige esse recorte. Daí a importância de expor o leitor ao contraditório, que ele não conhece – ou não quer conhecer – , ainda mais no atual contexto, no qual redes sociais aproximam pessoas com interesses semelhantes e funcionam como um reforçador de convicções. Esta é a função primordial do jornalista, a qual pouco se discute, lembra Dávila.
O experiente editor, que começou sua carreira em meados dos anos 80 na revista Playboy, tendo como ferramentas principais de trabalho o gravador, a máquina de escrever e a lista telefônica, não se arrisca a prever os efeitos de tantas mudanças, mas revela o que acredita ser o segredo para tornar-se um bom jornalista: distanciar-se suficientemente em sua abordagem, mas não tanto que isso tenha como resultado a falta de empatia, o que traria frieza a sua narrativa. O desafio é não se calejar em demasia ao presenciar cenas extremas e trágicas, buscando um distanciamento que permita um relato coerente. Com a vivência de quem viu a segunda Torre Gêmea desabar a poucos quarteirões de distância e estava em Bagdá quando a cidade foi bombardeada, ele parece saber muito bem do que está falando.