O docente que mais tempo ocupou a direção da Faculdade Cásper Líbero virou jornalista como a maioria dos homens de imprensa na primeira metade do século XX: indo à luta. Na época em que o professor Erasmo, alcunha pela qual é chamado até hoje nos corredores da instituição, começou a atuar como repórter, a formação universitária em jornalismo não fazia parte dos planos usuais de quem via na carreira uma atividade eminentemente prática, um ofício para o qual o acúmulo de experiências concretas era mais importante do que a reflexão teórica.
Quando nasceu, em 14 de julho de 1919, na cidade mineira de Guaranésia (a 429 km de Belo Horizonte), a grande aventura da imprensa republicana brasileira estava somente começando. Aos poucos, o gênero da reportagem passa a estabelecer a diferenciação do jornalismo como linguagem e estilo, e o jornalista, recrutado nos ambientes intelectuais próximos da vida literária e editorial, começa a ser treinado para escrever em um “jornal jornalístico”, de acordo com a fina ironia de Carlos Drummond de Andrade.
Em 1933, disposto a ampliar seus horizontes, o garoto interiorano decide fazer o que muitos brasileiros faziam, e ainda fazem nos dias de hoje: mudar-se para São Paulo. Na cidade que se transformava vertiginosamente em um grande “parque industrial” – a publicação do romance homônimo da escritora modernista Patrícia Galvão, a Pagu, data do mesmo ano –, o jovem, até completar o ensino secundário, passou por diversos empregos: de ajudante de garçom no suntuoso Café Guarany, localizado na rua XV de Novembro, no Centro, a chefe de vendas em uma fábrica no Brás, onde, em certa ocasião, o patrão lhe mostrou um artigo da revista Seleções a respeito da taquigrafia, método de escrita abreviado ou simbólico adotado para garantir a agilidade nos registros por profissionais que precisam escrever celeremente. O então industriário não somente quis aprender estenografia (o outro nome dado à atividade) como também acabou se transformando em professor do método, abrindo com alguns amigos a Associação Taquigráfica Paulista.
Daí para o exercício do jornalismo não tardou muito. E o taquígrafo converteu-se no profissional que, enveredando pelas ruas, repartições públicas e delegacias de polícia, flagra a realidade a partir do testemunho de seus cinco sentidos: o repórter. Pouco a pouco, o nome de Erasmo de Freitas Nuzzi começou a se destacar em jornais como o Correio Paulistano e A Noite, chegando, em 1946, ao conhecimento de Américo Bologna, secretário de redação do jornal A Gazeta, que necessitava de um profissional experiente em estenografia para registrar as reuniões do Centro de Debates de Assuntos Econômicos Cásper Líbero, em vias de ser inaugurado.
Quatro anos depois, o jornalista foi incumbido pelo secretário de redação do Jornal de São Paulo da tarefa da qual mais se orgulhou durante toda a vida: entrevistar com exclusividade o presidente Getúlio Vargas, que voltava ao poder de forma democrática. Com a ajuda de um amigo pessoal que trabalhava para Vargas, o repórter integrou-se a uma pequena comitiva que se reuniu em torno do presidente, no Rio Grande do Sul, na fazenda do médico e advogado João Batista Luzardo, figura política muito próxima do ex-ditador. Além da entrevista, o repórter ainda obteve do entrevistado uma carta de agradecimento aos eleitores de São Paulo, prontamente entregue ao editor do jornal quando de seu retorno à redação.
Em 1951, o já experiente repórter Erasmo de Freitas Nuzzi ingressa no curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, concluído em 1953. E, em virtude de suas excelentes notas, ganha, logo após de formado, uma bolsa de estudos da família Jafet para estudar em Roma – pouquíssimos anos antes de Marcello Mastroianni encarnar um inesquecível jornalista em plena atividade na cidade eterna em A doce vida (1960), de Federico Fellini. De volta ao Brasil, ele é convidado a lecionar na Cásper Líbero, onde começa a ministrar, em 1955, as disciplinas “Comunicação Comparada”, “História da Comunicação” e “Grafotécnica”. Começa sua militância então pelo “bom texto”, um objetivo profissional bastante negligenciado hoje em dia pelas novas gerações. Como um veterano da profissão, o professor Erasmo jamais deixou de ressaltar a qualidade do texto entre as exigências para o exercício do jornalismo.
Em 1972, já afastado da grande imprensa, ele assume a direção da faculdade, permanecendo no cargo por duas décadas. Ainda houve tempo para o exercício de mais um mandato, assumido em 2003, do qual afastou-se dois anos depois por motivos de saúde. Coube-lhe então virar consultor educacional da presidência da Fundação Cásper Líbero. Foi durante sua gestão que a Faculdade aumentou de tamanho – passando a ocupar quatro andares do prédio da Fundação –, ampliou o número de vagas oferecidas e viu nascer o curso de Rádio, Televisão e Internet, logrando ainda projeção internacional.
Além da filha que teve com Neide, com quem foi casado por 59 anos, Erasmo de Freitas Nuzzi deixa também como seus fiéis testamenteiros os livros História da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero e Meios de Comunicação e a Constituição Federal de 1988. A última obra, História Global dos Meios de Comunicação, embora concluída, não poderá mais ser autografada pelo próprio autor. Nada a lamentar, uma vez serem incontáveis as digitais deixadas por ele na escola de comunicação na qual atuou, entre docente e diretor, por exato meio século.