A obra de despedida de Agnès Varda conduz o público por uma verdadeira aula de organicidade. Em uma espécie de viagem onírica, Agnès – às vezes, professora; às vezes, personagem, e a todo momento interpretando o papel de si mesma – norteia a narrativa por uma profusão de cores arrebatadoras e sentimentos múltiplos. Aos que já cruzaram o caminho com a morte, a artista belga reserva latente gentileza: a de aliviar o peso que a experiência coloca em nossos ombros. Seu diálogo delicado com a verdade dos ciclos de vida-morte-vida oscila, como o próprio processo de luto.
Na trajetória, acompanhamos desde a saudade de uma viúva que ainda come os feijões que o finado marido comprou no mercado até o viçoso e florido túmulo de Zgougou, a gata, que encanta espectadores e crianças. Tratando com leveza a efemeridade de obras, pessoas e sensações, a diretora disseca junto ao público o tabu da finitude, com inesperado resultado. Esvaecendo em lufadas de areia, Agnès nos remete mais a uma subjetividade rarefeita e de gozo do que, como é esperado quando pensamos na morte, à dor.