Em outros tempos, talvez faltasse a Agnès Varda rolos de filmes para contemplar seus 65 anos de carreira. Em 2019, aos 90 anos de idade, ela condensa em duas horas a obra de sua vida. A artista visual, como preferia ser chamada, concebeu sua filmografia a partir da capacidade de enxergar o extraordinário no banal, e alguém que fez da subjetividade sua matéria de trabalho não poderia partir sem deixar registrado o próprio olhar sobre a vida e a obra.
Sempre vestida com sobreposições de roxo e apresentando-se (ou, quem sabe, representando) diante de plateias nas quais as cadeiras vazias não são escondidas, Agnès convida o espectador a analisar sua obra (pela última vez com ela), livre das amarras da cronologia do tempo ou de qualquer padrão estético, munida apenas da poesia que carrega no olhar já debilitado. A carreira da cineasta se encerrou como a areia dispersa pela ventania, imagem-símbolo com o qual ela finaliza seu tributo às trivialidades da criação.