Série alerta para a falta de privacidade nas redes sociais, mas peca pelo excesso de drama
O suspense psicológico lançado no final de 2018 procura captar a atenção do público através do mistério que envolve Joe Goldberg, que trabalha em uma livraria, e Guinevere Beck, aspirante à escritora. A cena inicial em que Beck cai nos trilhos no metrô é melodramática. A estética criada pelo movimento da câmera e pela maneira com que seu corpo é projetado para a frente transmite a ideia de que ela foi empurrada e não que teria apenas tropeçado. O frame seguinte, em que Joe a resgata dos trilhos momentos antes de a locomotiva passar e os dois caem abraçados, é ainda mais melodramático. É uma cena clichê que se utiliza de efeitos de filmagem e edição semelhantes aos de um filme de super-heróis, como se Joe fosse o herói de Beck.
Já a posição em que caem e o vento criado pelo movimento da locomotiva tornam a cena um estereótipo de “mocinha e mocinho” de histórias estereotipadas. Os olhares que os personagens trocam nesse momento parecem durar muito tempo. A romantização de Joe pode ser uma oportunidade para chamar a atenção do público para os relacionamentos abusivos, muitos deles não vistos como perigosos pelo fato de o parceiro ou parceira em questão serem a “pessoa ideal”. Então, o suspense reflete também a dificuldade em quebrar o modo de representação associado ao parceiro abusivo. Nem sempre o parceiro se mostra violento logo no início do relacionamento, e muito menos às pessoas de fora da relação. Portanto, os clichês românticos utilizados para caracterizar o personagem Joe perante Beck podem servir como uma espécie de alerta.
A série mostra, através da obsessão de Joe, como as redes sociais e a tecnologia podem mudar o paradigma da privacidade das pessoas. Alguns episódios convidam o espectador a pensar até que ponto usar as redes sociais não se torna uma atividade perigosa. Sem privacidade, os indivíduos se tornam vulneráveis e podem encontrar tipos como Joe Goldberg: psicopata, assassino, perseguidor e, ao mesmo tempo, romântico e simpático.
A problematização da segurança nas redes sociais acabar por criticar não somente o sujeito que se expõe muito no ambiente digital, mas também aquele que costuma conseguir todas as informações possíveis de alguma pessoa (o “stalker”). E a série mostra que Beck não se expõe apenas nas redes sociais. Seu apartamento, no primeiro andar, não tem cortinas, sugerindo a ideia de que a personagem não tem reservas. Contudo, os episódios a mostram como uma garota insegura. Então, o fato de deixar sua casa à vista de todos, inclusive em momentos íntimos, acaba sendo contraditório.
Além disso, a forma como Beck é retratada é um previsível: uma mulher muito ingênua, com problemas familiares e que já teve relacionamentos conflituosos. Ela é uma típica garota norte-americana de filmes adolescentes: loira, “bonitinha” e facilmente manipulável.
É possível associar essa banalização da mulher como um meio de minimizá-la frente ao personagem masculino, o que gera críticas sobre a maneira como Beck é apresentada. A mulher pode ser loira, bonita e ser inteligente – e não vulnerável. No âmbito social, esta depreciação da personagem feminina que se envolve em um relacionamento abusivo também é reprovável, pois as mulheres não acabam se relacionando com tiranos por serem fracas e ingênuas. Estar em um relacionamento abusivo é mais comum do que parece e nada tem a ver com a força ou inteligência da mulher. Muitas vezes uma relação inicialmente romântica acaba se tornando abusiva e a culpa, nestes casos, é exclusivamente do parceiro ou parceira que “controla” o relacionamento.
É contraditório pensar que You reitera muitos clichês femininos, ao mesmo tempo que mostra a dificuldade da mulher em se desprender e se libertar de um relacionamento abusivo.