Talvez você já tenha almoçado na Casa dos Cariris. Ou pode tê-los reconhecido pelo projeto atual, o itinerante Salón Calavera. E pode ser até que nunca tenha ouvido falar. Mas Lourdes Hernandéz e Felipe Ehrenberg são responsáveis por ajudar a difundir a cultura mexicana no Brasil.
Com um sotaque forte, os dois conversaram comigo em sua casa no Morumbi, numa terça-feira quente e tranquila, ao contrário do dia de nosso encontro anterior, no jantar quatro dias antes, quando havia acabado a luz na rua inteira e estavam prestes a servir um jantar para 24 pessoas.
Às 10h, quando cheguei, fui recebida por Felipe, artista plástico mexicano responsável pelas obras espalhadas pela casa. Se não feitas por ele, adquiridas por sua influência. Sem cerimônias, Felipe me guiou até o depósito de comidas, logo após a cozinha. Do outro lado da casa, tem uma garagem enorme onde ele trabalha em sua arte. Naquela manhã, a cozinha estava clara, iluminada pela luz do dia. Mas percebe-se instantaneamente que ali acontece a magia de Lourdes em seus jantares concorridos.
Fico ali em pé me lembrando do caos que presenciei na noite em que fui jantar e conversar com Lourdes. A eletricidade havia acabado no meio do preparo de uma sobremesa – um bolo molhado em três leites que me pareceu delicioso, embora tenha deixado Lourdes nervosa, pois não havia ficado no ponto certo. E o pernil de porco (com molho de tamarindo) nem tinha começado a assar quando percebeu que não teria como salvar aquela noite.
Felipe interrompeu meus pensamentos insistindo que eu escolhesse um chá para bebermos enquanto aguardava por Lourdes. Empolgada para saber quais seriam minhas opções pedi algo “exótico” para combinar com o meu estado de espírito.
“Exótico é tudo o que não está em seu hábitat natural. Por isso, exótico é relativo. O negro no Brasil, porque é imigrante africano, é exótico, eu [Felipe], que sou mexicano, sou exótico por aqui. Um chá preto londrino, se tomado em Londres, ok – se tomado no Brasil é exótico”.
Em seguida chegou Lourdes. Sem cerimônias, me acompanhou até a sala. Tinha acabado de tomar banho e com os cabelos ainda molhados, vestia um short jeans e camiseta branca, look apropriado aos 30 graus de um final de fevereiro.
Natural da Cidade do México, Lourdes não tem formação em Gastronomia. Sonhava em ser engenheira, mas acabou se apaixonando mesmo foi por Literatura. O relacionamento com a cozinha veio mais tarde.
Em setembro de 1995, quando Lourdes se viu sem trabalho e sem renda, resolveu começar a receber pessoas para jantar em sua casa. A ideia foi tão bem recebida que em pouco tempo sua casa havia se tornado um dos pontos culturais mais importantes da Cidade do México.
Por conta da influência de Felipe, a casa vivia cheia de pessoas “importantes” de instituições internacionais, artistas e amigos. Em certa ocasião, chegaram a abrir a casa com uma exposição de Fernando Calderón (ex-aluno de Felipe) totalmente esgotada.
Em 2006, Felipe foi transferido para a Embaixada do México no Brasil, e Lourdes veio sem perspectiva de trabalho. Celebravam a cultura mexicana com festas e eventos bem elaborados e patrocinados pelo governo mexicano.
No meio do caminho Felipe foi demitido. Consequência de uma cena de nudez em um filme de Beto Brant. O casal até pensou na possibilidade de voltar, mas a essa altura, o Brasil já tinha conquistado os dois. Resolveram ficar.
Encontraram uma casa na Rua dos Cariris, em Pinheiros e voltaram a entreter as pessoas como eles sabiam – pelo estômago. Estava aí o nome do projeto, porque não?
Os convites eram feitos, como sempre, por email. Lourdes decidia o cardápio de acordo com seu humor e o com que estava em época. Uma vez por semana, ou a cada dez dias, dependendo da sua disponibilidade, soltava um email para os amigos e esperava as confirmações para começar a se preparar.
Era tudo fechado. Só entrava quem tinha convite ou conhecia alguém lá de dentro. Caso contrário, “isso é uma festa particular. Você deve ter anotado o endereço errado”, lembra Lourdes.
Quando o Largo da Batata começou a ser revitalizado e o bairro tomou proporções ainda maiores, os dois se mudaram para uma casa maior no Morumbi, e mudaram o nome do projeto. Agora se chamaria Salón Calavera, um projeto itinerante gastronômico cultural mexicano. Uma mistura de arte, gastronomia e cultura mexicana.
Exatamente 14 anos após sua chegada ao Brasil, o casal está de viagem marcada de volta para casa. Se cansaram da falta de segurança, do trânsito e da burocracia brasileira.
Como é que o projeto Salón Calavera começou?
No México eu tinha um restaurante mesmo, estava pensado como um restaurante. E não era aquela história de tira mesa, coloca mesa. Era um restaurante dentro do terreno onde a gente morava.
Naquela época tínhamos uma estrutura muito bacana porque eram duas construções paralelas pequenas. Era um restaurante com 32 lugares e o outro, escritório de Felipe com uma micro-galeria. Tinha um quintal interior assim bem do tipo das antigas fazendas mexicanas. Nada de luxo, era uma coisa bem de tijolinho.
E depois estavam os quartos que a gente habitava que conseguíamos ganhar espaço tirando muros, colocando uma instalação de ferro para fazer uma coisa vidrada, era uma casa muito bonita, era uma casa tremendamente simples, linda linda linda.
Terminamos colocando um teto no corredor, louça de barro nesse corredor que dividia a galeria do restaurante. Quando as pessoas entravam não acreditavam que estavam dentro da cidade do México.
Por quanto tempo ficaram abertos no México?
A casa abriu durante um ano e pouco todos os dias menos domingo. Só que quase ao ponto de inaugurar a gente decidiu não inaugurar de portas abertas. A gente decidiu que tínhamos suficiente público para confiar no boca a boca e não pagar impostos.
Então a gente decidiu abrir à porta fechada que era no começo de brincadeira, e de repente todo mundo ficou sabendo. O Felipe é um artista muito conhecido. Então todo mundo sabia que ele tinha um negócio fechado no coração da Cidade do México.
As pessoas faziam reservas desde a Europa, Estados Unidos, ligavam da Conselheria (Promexico Conselheria Comercial) que queriam uma mesa para um X número de artistas.
Era um ponto cultural muito importante. Começamos a assinar uns contratos culturais com o Canadá por exemplo. Embaixadas de 29, 32 países se reuniam toda primeira sexta-feira do mês para apresentar projetos culturais, tomavam café da manhã e iam falando o que iam fazer porque dessa forma conseguiam integrar uma equipe de trabalho.
Então comecei a ter musica ao vivo. Porque era o seguinte passo, lógico, e eu conhecia vários músicos. Eu acho que quem abriu os trabalhos de música ao vivo foi o próprio Jaime Lopes da Chilanga Banda, aquela musica do Café Tacuba que ficou famosa no mundo inteiro. Aí depois eu não lembro como eu conheci a Lila Down, que agora é uma cantora muito famosa, mas naquela época era uma cantora que estava começando com essas duas caras de cantar em espanhol e em inglês porque era de pai americano e mãe mexicana. Era a realidade dela porque foi criada nos Estados Unidos mas nunca deixou de visitar a mãe que era uma asteca. E ela cantou todas as sextas-feiras durante dois anos, inclusive ela já tinha gravado o filme de Frida que ela canta com o Caetano Veloso no Oscar.
Era divertido porque o Ruben Barra, do Café Tacuba, em 15 de setembro que é nossa festa nacional cantou 34 canções mexicanas. Imagina um cara que enche estádios de 75 mil pessoas disputar 32 lugares. Era uma loucura assim, eu acho que esses ingressos se vendiam em aproximadamente em segundos.
Em que ano foi isso?
Em 1995. Abrimos em setembro de 95 um pouco antes da festa nacional. E deixei de trabalhar todos os dias, um ano depois para abrir só sextas e sábados. Segunda eu ia trabalhar menos.
Porque o que aconteceu, no momento que é um local fechado, eu já não dormia. Mexicano não é aquele cara que vai beber dois drinques, paga a conta vai embora, não. Ele ficava, então às vezes eu tinha que tirar gente da casa sábado 10h30 da manhã para passar um pano e servir o almoço.
Mas você começava à noite…
Começava no almoço, à uma da tarde, aí emendava o jantar. E tinha gente que ficava lá a noite toda. E saia às 9h30 da manhã reclamando ‘estamos muito bem, estamos consumindo’. Porque o pretexto para o mexicano não sair é que está consumindo.
É verdade, mas eu já não dormia. Eu me lembro de final de semana que não dormia um minuto, não encostava o pé. Foi trabalho, trabalho, trabalho, estava ficando louca. E falei, quer saber, vamos abrir sexta e sábado.
Resolveu?
Eu tinha um grupo de dominó que era como nossa vida social. Às sextas-feiras juntávamos seis casais que se revezavam. Esperava um perder para outro entrar. Fazíamos as mesas, todo mundo levava uma garrafa de tequila e comíamos as sobras do restaurante. Mas eu abria às sextas-feiras, e era muito difícil eu estar atendendo lá fora e jogando dominó dentro. Então de repente falei ‘não, vou abrir quinta e sexta no almoço, e sábado à noite’. A gente terminou trabalhando muito.
Você disse que o Felipe tinha uma galeria do lado. Vocês vendiam as obras dele também? Essas da parede são dele?
Começamos a fazer inaugurações, começamos a vender muito bem arte. As pessoas chegavam e se apaixonavam por uma obra que estava pendurada e comprava em vezes (prestações). Tinham a facilidade que não tinham em uma galeria. Tinham obras de arte muito importantes por valores que nunca iam pagar numa galeria.
Então todo mundo queria ir apresentar livros, segunda, terça, quarta. Então virou de novo aquela loucura. Sextas de manhã tinha o café da manhã.
Os vizinhos não reclamavam porque via gente do cinema e da televisão. E foi muito engraçado porque um dia foi um escândalo quando entrou um Cadillac dourado gigantesco no quarteirão. Os vizinhos não reconheceram ou não sabiam quem era nem a Marisa Paredes e nem o Almodóvar, porque não são caras que vão aparecer assim.
Então era muito divertido, era um lugar com muita coisa mas era fechado.
Quando vocês chegaram ao Brasil e como começou a cozinhar aqui?
Então quando chegamos aqui, em 2006, com a embaixada do México, eu estava super feliz porque pela primeira vez eu poderia cozinhar a vontade. Não ia me preocupar quanto cobrar porque eram festas para difundir a cultura mexicana.
Felipe vinha com a missão cultural da cultura mexicana pela embaixada do México. Tinham jantares mas era mesmo apenas para apresentar a comida mexicana. Que não tem nada a ver com a comida mexicana que vocês conhecem.
Não quero ir contra a cozinha Tex-Mex, eu sou da fronteira norte, eu sou a primeira pessoa que vai gostar da cozinha norte mexicana. A Tex-Mex é do Texas, mas lembre de todos os estados americanos que tem nome espanhol são de cultura mexicana.
Mas também Louisiana por exemplo, absorveu muito a cultura mexicana e me impressiona como eles usam os chillis mexicanos, o milho. Como se mixou com a cultura gastronômica mexicana.
Então pra mim o que é muito ruim que fazem aqui no Brasil, e eu vou dar a minha opinião porque eu considero que é que eles estão fazendo. O brasileiro que decide abrir um negocio mexicano, minha teoria, posso estar errada, mas se não é isso eu não posso entender porque eles copiam tão mal. Para mim, eles vão para Miami ou sei lá pra onde , entram numa praça de alimentação, que já é assim como o fim da picada para qualquer pessoa que gosta de comer, entra na praça de alimentação e encontra um Taco Bell (rede de comida mexicana rápida nos Estados Unidos). Eu não conhecia o taco duro, por exemplo
Como não conhecia o taco duro?
Claro que não! Como eu ia conhecer, eu nunca entrei num Taco Bell nos Estados Unidos, porque eu ia entrar se existem restaurantes mexicanos maravilhosos por lá.
De onde vem o taco duro, então?
Tenho uma teoria, de fato vou escrever um texto voltado para o México sobre isso. Os litorais, não sei se pelo calor, porque você soa muito, pra guardar reservas você come muita gordura. Sempre o litoral tem muito mais fritura que as zonas do interior. Pelo menos no México, eu acho que todo litoral come muita gordura.
Bom, no México eles fazem uma fritura, uma tortilha dobrada que coloca algo dentro, deixa de lado, e é feita no comal (como uma chapa mexicana para tortillas) que tem uma parte circular que você pode colocar óleo e nas partes laterais pode manter quente. Ela tem uns negocinhos como de arame para escorrer o que vai fritando.
Mas muitas vezes não colocam nos arames e deixam nos cantinhos desse comal e terminam torrando muito. Aí a tortilha fica durinha, durinha, durinha.
Eu acho que o estadunidense, porque somos todos americanos, tem esse negócio do timing de conseguir fazer coisas iguais. Eu acho que eles observaram isso que existe desde séculos atrás, e decidiram criar uma tortilha que funciona dessa forma.
Só que para fazer esse taco duro, eu observo os que vendem aqui de marca americana, eu olhei e falei ‘que porcaria é isso?’. Eles falam que é 100% milho, então não deve ter glúten, não deve ter trigo que é uma forma de ligar, mas então eles tem muito glutamato, porque você não consegue fazer essa liga sem que ela umedeça, por mais que tenham um vácuo no papel, isso deve ter uma liga X, e depois, quando a gente come algo crocante, essas tortilhas que a gente faz que eu estou falando, que o outro já fez aqui.
Ele é mole e você abre ele frio e coloca alface, queijo, etc., e você come frio, são excelentes para ir ao picnic, pra levar a qualquer lugar porque eles não perdem o sabor quando estão frios, são maravilhosos, estão duros estão crocantes , é a tortilha seca, porque ela se mantem durante muito tempo com essa fonte de calor, e de uma forma natural. E esse taco horroroso mutante, nunca umedece. Você passa ridículo porque ele quebra e cai pra todos os lados.
Mas voltando para o Taco Bell, eu acho que é daí que ele vem, só que eles querem massificar. Ter um produto homogêneo, da mesma quantidade sem perda absoluta. Eu lembro que uma tia me contava que trabalhou em uma dessas franquias americanas que também vendem tacos, e ela me contou que não tinha perda, que vinham pacotes contados de limão, ketchup, maionese.
Outra coisa engraçada é que vocês têm uma ideia de que a gente come doce. O que é completamente mentira, a gente não come doce, a gente come agripicante, que é bem diferente. Porque você experimenta a comida dos EUA e ela tem ketchup e se não tem ketchup tem maionese com alguma coisa doce, e se não tem isso, tem pimentão muito passado, num molho também com maionese com açúcar.
Lembra que pra fazer maionese eles colocam açúcar, isso é uma coisa que você não deve perder o foco. As grandes receitas deles de maionese levam açúcar, primeiro é um conservador, segundo valoriza o paladar que eles tem, e que a gente não tem, então de repente, claro, a comida mexicana aqui não é comida mexicana.
Se você vai num restaurante aqui e esse restaurante diz ‘Authentic Mexican Food’, não é mexicano. A gente nunca colocaria em inglês absolutamente nada, a gente não usa o inglês. Os que usam o inglês são aqueles mexicanos que querem ser mais uma estrela dos Estados Unidos.
E foi muito engraçado, a gente fez tanto essa campanha que se diz ‘Authentic Mexican Food’ não é de mexicanos, que o Si Señor tirou a frase do slogan. Pra você ver como o boca a boca pode ser mortal. Mas de qualquer forma, coitados, eles fazem a comida mais horrível do mundo.
Qual a sua formação? Você é chef de cozinha?
Não, não, e não vou ser nunca. Cada vez detesto mais essa estranha profissão. Eu estudei Língua e Literatura Ibero Americana.
Como a cozinha entrou na sua vida?
Eu sempre gostei de comer. Somos uma família ao redor da mesa. Como 95% das famílias, os outros são serial killers. Em algum momento eu percebi que tinha um paladar mais aguçado.
Eu saia com um professor. Nós trabalhávamos numa escola britânica. Eu fui professora de literatura por 4 anos. Antes eu trabalhava em construção, porque eu queria ser engenheira, eu queria construir estradas, construções grandes, trabalhei muitos anos nisso de fato.
No México, você faz um serviço social durante a faculdade e precisa fazer um estágio para poder se formar. O que eu acho ótimo, primeiro porque as faculdades no México são extremamente baratas então é uma forma de fazer o estudante pagar com um valor simbólico com trabalhos sociais.
Então, eu não sabia o que fazer de estágio e decidi dar aula na escola onde estudei. A partir daí não me importou mais nada, eu só queria dar aula. Deixei um trabalho muito bem remunerado na construção para dar essas aulas. Foi quando conheci esse professor britânico que era vegetariano e preparava curries de todos os tipos, e de repente eu vi que os curries eram muito parecidos os nossos molhos, só que o molho é aquela pasta famosa de cacau. Mas o curry dele era diferente, porque ele usava ingredientes que eu pensava que não existiam no México.
Quando eu comecei a pesquisar vi que a gente tinha quase todos, menos asafetida (erva parecida com a salsa), de fato não temos. Mas nós usamos esse curry para curar e não para cozinhar, engraçado isso, e claro, eles não tinham essa quantidade de chillis diferenciados que a culinária mexicana tem, que se usa no mole.
Mas são duas coisas (curry e pasta mexicana) que cresceram paralelas, muito parecidas nessa quantidade de cheiros combinados. O mole que vem na palavra a guacamole significa mistura, isso significa que o mole pode simplesmente ser aquela pequena salsa que você faz com chilli verde e sal.
Só que o mole que todo mundo conhece como um prato é o mole poblano ( do estado de Puebla, no México). Embora aja 40 mil tipos de mole. O curry é uma forma de cozinhar como é uma mistura. Então todas essas coisas de repente me pareciam muito apaixonantes, mas eu não me dedicava à gastronomia, eu gostava de línguas, de literatura.
Mas e a receber as pessoas na sua casa? Quando começou?
Quando caso com Felipe e fomos morar em Chicago (se casaram em 1987 e moraram nos EUA até 1988), ele me leva para um restaurante tailandês, e eu piro, porque eu sei que nessa sopa, que era Tom Kha (sopa tailandesa) que eu nunca havia experimentado, eu sabia que tinham ingredientes que eu não conhecia.
E começou a busca, só que se existe uma cidade que é cosmopolita é Chicago, porque você vai de ônibus e passa pelo bairro tailandês, indiano, etc. Aí você desce no bairro tailandês para pesquisar e tudo esta em tailandês. Realmente é tão cosmopolita que não tem tradução. Eu acho que eu fiz 400 versões de Tom Kha, voltei de Chicago fracassada porque não conseguia fazer a mesma sopa.
Então oito anos depois, voltei lá e fui pro mesmo restaurante, comi a sopa e vi que havia feito sopas bem melhores séculos antes disso. Só que a memória da sopa me falava que eu não estava acertando o ponto. Porque eu tinha uma memória absurdamente boa dessa sopa que já não era mais verdade.
Mas foi muito divertido, e aí como eu não tinha trabalho quando voltei de Chicago, e voltar a dar aula são poucas as escolas que pagavam o salário que eu tinha, resolvi ser freelancer.
Freelancer de quê?
Comecei a dar cursos de literatura que era o que eu gostava. Mas comecei a cozinhar também.
Inventei um curso que todos os meus alunos que tinham dinheiro não queriam pagar porque era policial e naquela época eu não queria mais falar de literatura, eu queria falar de literatura policial. Mas de repente eu não tinha público, então forcei meus amigos a fazer o curso.
Eu já nem cobrava, e eu cozinhava para eles experimentarem os sabores que eu estava fazendo. E daí viramos uma espécie de oficina muito famosa, ganhamos um prêmio grande que nos permitiu publicar a primeira revista de violência ilustrada. Bom, não a primeira, mas a que recuperava toda essa tradição de ilustrar relatos e com os melhores ilustradores que o México tinha nesse momento. Era muito divertido, então todo mundo queria publicar aí porque era uma revista cultural.
E era muito divertido porque tínhamos a oficina, comíamos muito bem, nos chamávamos ‘Los Comensales del Crime’.
Você acha que hoje o interesse pelo México é maior?
Desde que comecei a alimentar as pessoas, na Casa dos Cariris, até hoje com o Salón Calavera, aproximadamente 25% das pessoas que não pensavam visitar o México, já foram para lá. Não pode existir uma prova maior de que a cozinha aproxima as culturas. Eu acho que foi um canal de conhecimento bem interessante.
Com o trabalho do Felipe na embaixada, fizemos parceria com a Incine (como a ANCINE no México) trazendo filmes para cá. Felipe trouxe ao SESC Ipiranga 2400 curtas cinematográficos. Então foi aquela coisa de uma injeção de cultura tremenda.
Eu fiz festivais de comida em São Luís do Maranhão, em Salvador, em Brasília, claro, fomos para Belém do Pará duas vezes.
E agora vocês estão indo embora do Brasil, quais os planos para daqui em diante? O Salón Calavera continua em terras estrangeiras?
Sim, o Salón Calavera é um projeto itinerante. Vai para onde nós formos. Mas vamos começar do zero, sem trabalho, sem casa por enquanto. Temos amigos que vão estar no México na mesma época. E vamos procurar o lugar ideal para morar. Somos dois velhos que vão queimar navios, como Hernán Cortés, na hora de entrar no México para ninguém fugir. Eu acho que vou voltar a escrever também.
Foram 14 anos aqui no Brasil. Vão sentir saudades?
Vou sentir falta dos amigos. Mas estou pulando do barco no momento certo. Lá posso fazer coisas muito mais importantes para mim que é escrever. Então vou embora.
O céu é o limite?
Ou a morte, se você quer ser mais mexicana.
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