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Edição nº 3 – Junho de 2015

A revista Arruaça conversou com Francisco Mariani Guariba Neto, o Chico Guariba, sobre a importância da Mostra Ecofalante para o cinema brasileiro.

Chico Guariba na coletiva de imprensa do documentário “O Sal da Terra”, exibido na Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental 2015 | Crédito: Fernando Novais

Chico Guariba na coletiva de imprensa do documentário “O Sal da Terra”, exibido na Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental 2015 | Crédito: Fernando Novais

Quando você começou a demonstrar interesse pelo cinema?
Eu sou filho de uma geração que sofreu com as dificuldades da ditadura militar. Os meus pais eram envolvidos com questões sociais importantes da época. O meu pai, Ulysses Guariba, era professor e a minha mãe, Heleny Guariba, era diretora de teatro. Foi ela, inclusive, quem inaugurou o teatro da cidade de Santo André. Heleny acabou sendo presa, ficando na mesma cela de Dilma Rousseff, e desapareceu em 1971. Depois disso, eu e meu pai nos mudamos para a cidade de Assis, interior de São Paulo, onde ele dava aula na Faculdade de Filosofia e Letras, que hoje é conhecida como UNESP. E desde criança, eu sempre lia muito e tinha interesse pelo cinema. Na minha geração, todos os grandes clássicos passavam na Sessão da Tarde. Naquela cidade, havia um cineclube, onde se exibiam os filmes que eram proibidos. Lembro-me muito claramente de obras daquela época que foram marcantes para a minha geração, como “Queimada” e “A Batalha de Argel”.

Como teve início a sua relação com as causas socioambientais?
Quando voltei para São Paulo, optei por estudar economia na Unicamp. Havia duas linhas de economia: uma voltada mais para a área de mercado, que era relacionada à USP, e a outra voltada para a história da economia política, que, formada por um pessoal de esquerda, compunha a linha da Unicamp. O curso acabou proporcionando uma boa formação para entender o mundo contemporâneo, a forma de organização da sociedade. Ainda estudante, tive a oportunidade de entrar como estagiário na Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Eu fui o primeiro estagiário economista da pasta, isso por volta de 1984. Nessa época, tive a oportunidade de trabalhar com uma série de pessoas que tinham vindo da antiga Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplaca) e com pessoas de esquerda que participaram ativamente da formação das principais leis ambientais criadas na cidade de São Paulo, como a Lei de Proteção dos Mananciais, a Lei da Indústria, etc.

Por que você decidiu juntar a linguagem cinematográfica com a temática ecológica?
Eu achava que a forma como o Estado atuava nas questões ambientais era ruim, mesmo com a redemocratização do Brasil. Ainda que na Constituição de 1988 tivesse um capítulo para tratar apenas desse assunto, algo que por si só já é um avanço, na prática, tudo sempre foi muito difícil. Então, em 1995, decidi sair da Secretaria do Meio Ambiente, porque o trabalho já não me satisfazia mais. Naquela época, eu ainda nutria minha vontade de trabalhar com cinema. No entanto, vivíamos uma época pós-Plano Collor, que havia acabado com os sonhos de vários brasileiros, não somente na área de cinema. Nós só tivemos uma retomada na produção cinematográfica no final da década de 1990. Em 2001, fui convidado para dirigir uma pequena ONG ambientalista em Presidente Prudente chamada Entidade Ecológica do Vale do Paranapanema. Mesmo sem ter grandes empresas que pudessem financiar o nosso trabalho, a gente conseguiu superar essa barreira, até porque tínhamos um ambiente amplamente favorável para discutirmos questões ambientais, já que no ano seguinte, em 2002, aconteceria a Rio+20. A ONG acabou ficando um pouco pequena, então decidimos, em 2003, criar a Ecofalante, um grupo formado por educadores, cineastas e especialistas das mais diversas áreas que tinham como objetivo produzir projetos culturais que trabalhassem a educação através do desenvolvimento sustentável. Ou seja, eu juntei todo o meu conhecimento sobre cinema para conciliar com o do meio-ambiente e da minha visão histórica e econômica. Foi a partir daí que surgiu a ideia de fazer o meu primeiro documentário, “O Pontal de Paranapanema”.

Como você descobriu a história do Pontal do Paranapanema?
Essa história já havia sido escrita pelo historiador e economista Warren Dean num livro chamado “A Ferro e Fogo”, no qual ele aborda questões como apropriação, grilagem de terras e devastação da região do Pontal do Paranapanema. Havia outro historiador que escreveu uma tese sobre isso, ele se chama José Leite Ferrari. A tese dele abriu o meu mundo. O documentário demorou dois anos para ficar pronto e acabou se tornando um marco em produções com temáticas socioambientais do ponto de vista brasileiro. Ele também acabou servindo como análise antropológica sobre como todo esse processo de grilagem de terra foi desenvolvido ao longo de 50 anos no Pontal do Paranapanema. Um processo que se perpetua até hoje.

Como você descobriu essa imensa gama de produções com temáticas socioambientais existentes ao redor do mundo?

Da esquerda para a direita: Chico Guariba (diretor da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental), Jean-Thomas Bernardini (diretor da Imovision e do Reserva Cultural), Juliano Salgado (codiretor de “O Sal da Terra”) e David Rosier (produtor) | Crédito: Fernando Novais

Da esquerda para a direita: Chico Guariba (diretor da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental), Jean-Thomas Bernardini (diretor da Imovision e do Reserva Cultural), Juliano Salgado (codiretor de “O Sal da Terra”) e David Rosier (produtor) | Crédito: Fernando Novais

O documentário “O Pontal do Paranapanema” acabou gerando um intercâmbio nacional e internacional muito grande, passando por diversos festivais. O filme foi lançado em 2005 e chegou ao Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), em Goiás, tido como o pioneiro dos festivais de cinema ambiental. Frequentando esses eventos, nós acabamos nos deparando com uma produção de cinema ambiental enorme. O problema era que filmes premiados no exterior não vinham para o Brasil, porque os blockbusters estão tomando conta e o intercâmbio de cinema de arte acabou, inclusive o de documentários. Foi a partir dessa forte demanda que, em 2012, criamos a Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental.

O que difere a Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental das outras mostras?
Montamos a mostra com o intuito de criarmos uma plataforma de informação e conhecimento para, através do audiovisual, debatermos os problemas contemporâneos. Quando começamos a pesquisar as produções existentes, pensávamos que esses filmes tivessem uma linguagem excessivamente didática e sem análises profundas. Para a nossa surpresa, descobrimos trabalhos fantásticos sobre temas importantíssimos. Logo no primeiro ano da mostra, trouxemos um documentário que foi candidato ao Oscar chamado “If a tree falls”. Para selecionar os melhores filmes, pesquisamos em mais de 70 festivais de cinema ao redor do mundo. Por ano, nós catalogamos mais de mil filmes. Desses, selecionamos 400, assistimos e tiramos de 30 a 40 produções, que é o que a gente considera como o que há de melhor no cinema socioambiental.

Qual estratégia vocês usam para alcançar e sensibilizar o maior número de espectadores?
No segundo ano da mostra, em parceria com o SESC, levamos o nosso conceito para 17 cidades do interior de São Paulo. A experiência que tivemos foi fantástica, pois nos permitiu perceber que não bastava apenas apresentar os filmes para o público espontâneo, precisávamos fazer um trabalho educacional mais forte. Levamos as produções para as universidades e a aceitação foi fantástica. Passamos de públicos pequenos para sessões com até 400 pessoas, isso ainda em pequenas cidades do interior. No terceiro ano, trouxemos esse modelo de circuito universitário para a cidade de São Paulo. Fechamos parcerias com sete instituições de ensino superior, entre elas, a Faculdade Cásper Líbero. E além dos trabalhos que realizamos nas universidades, fizemos parcerias com colégios privados, começando pelo Santa Cruz, mas que agora está se expandido para uma dezena de escolas que querem receber a mostra, porque perceberam a importância que esses filmes produzem do ponto de vista educacional. No ano passado, chegamos a um público de quase 30 mil pessoas. Mesmo sem ser uma mostra tradicional, chegamos ao patamar de uma das maiores de São Paulo em um curto período de tempo. Neste ano, os filmes foram exibidos em cinco importantes salas da capital: Cine Olido, Centro Cultural São Paulo, Cinemateca Brasileira, Caixa Belas Artes e Reserva Cultural. Precisamos de mais apoio para poder ampliar o evento. A Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental tinha que estar presente em todo o Brasil, porque isso é cidadania. Trata-se de questões básicas importantes.

O que você acha que falta para conseguir esse apoio?
Eu acho que é um processo de convencimento. O nosso trabalho acaba sendo o de articulação, de fazer sentar junto o pessoal de meio ambiente, de cultura e de educação, algo que geralmente eles não faziam. E agora nós temos um bom motivo para que isso ocorra: exibir filmes de qualidade que ajudem a transformar a sociedade.

Chico Guariba na coletiva de imprensa do documentário “O Sal da Terra”, exibido na Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental 2015 | Crédito: Fernando Novais

Chico Guariba na coletiva de imprensa do documentário “O Sal da Terra”, exibido na Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental 2015 | Crédito: Fernando Novais

As produtoras continuam bastante dependentes das leis de incentivo. O que é preciso para reverter esse cenário e atrair o investimento da iniciativa privada?
Essa é uma das nossas maiores preocupações. A gente percebeu que a produção brasileira na temática ambiental, por exemplo, é muito incipiente, porque a produção audiovisual depende das leis de incentivo e também do apoio das empresas. O problema é que essas empresas não estão dispostas a apoiar questões que sejam polêmicas, porque a maioria tem o rabo preso. Neste ano, tivemos um avanço. Um dos filmes que ganhou a competição latino-americana, categoria que criamos em 2014 para fomentar a produção nacional e estimular o intercâmbio de filmes entre países da América Latina, foi concebido por meio de um patrocínio coletivo envolvendo sete ONGs. Ele se chama “A Lei da Água (Novo Código Florestal)”. Uma série de novos projetos também está se viabilizando através do financiamento coletivo, o chamado crowdfunding. Para o ano que vem, estamos pensando em criar uma competição de filmes universitários, para estimular ainda mais produções com temáticas socioambientais.

Em quais projetos como documentarista você está trabalhando no momento?
Agora estou envolvido em um projeto chamado “Metrópoles – Os desafios para o desenvolvimento sustentável”. Estamos produzindo um média e um longa metragem sobre temas que envolvam a metrópole e o desenvolvimento sustentável. Essa série com a qual estou trabalhando vai discutir a relação das metrópoles com a água, a urbanização, a segregação social, os problemas de mobilidade, o descarte de lixo e de resíduos sólidos. Então, por exemplo, estou finalizando um filme que se chama “A Água e a Metrópole”. Ainda estou avaliando se irei promover a estreia no segundo semestre ou na mostra do ano que vem.

 

 

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