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Edição nº 2 – Dezembro de 2014

Show de Lucas Santtana no Sesc Pompéia em 21/11/2014 | Crédito: Carolina Costa

Show de Lucas Santtana no Sesc Pompéia em 21/11/2014 | Crédito: Carolina Costa

“Sobre Noites e Dias” é o sexto disco da carreira do cantor, compositor e produtor Lucas Santtana. É também o primeiro a ser lançado de forma colaborativa com seus fãs. Composto de dez canções, o disco conta com participações de artistas das mais variadas partes do mundo, como a atriz francesa Fanny Ardant, o quarteto norueguês Oslo Strings e o rapper fluminense De Leve.

Nessa entrevista, Lucas Santtana conta sobre a dificuldade em classificar seus discos, a relação próxima que mantém com seu público e o desafio e alívio de completar o álbum por meio do crowdfunding.

Se você fosse descrever seu som para alguém que não o conhece, como você o descreveria?

Falar um estilo não tem como, porque tem influência de música africana, jamaicana e brasileira. Música experimental, de rock, de tudo. Eu geralmente digo “ouve e diz você”, é a experiência de cada um. Hoje em dia, tudo vem com bula e às vezes, isso tira das pessoas a experiência pessoal, que pra cada um vai ser diferente e esse é o grande lance da arte, pra cada pessoa significar um negócio.
Diria que os discos são muito diferentes entre si, é um trabalho meio camaleônico, que muda de um disco pro outro. Mas, ao mesmo tempo, todos os discos tem uma característica difícil de explicar porque não é um rótulo de um estilo. Eu trabalho muito com textura, faço a canção, depois eu a visto, como se ela fosse uma pessoa nua e a graça é saber que roupa cai melhor. Tudo que me interessou em música e me interessa até hoje parte por eu ver como se fosse uma casa, uma arquitetura de som, que posso achar interessante, ou posso ouvir e pensar: “essa arquitetura aí é manjada, não me interessa”.

Você já declarou não gostar que seu disco seja tratado nas lojas como “World Music”. Por quê?

Porque esse termo foi inventado pelos americanos, pela indústria de disco norte-americana e é meio preconceituoso, parte do princípio que a música americana não é world music e o resto é. Ou seja, é uma coisa já meio separatista, meio racista. Eu acho esse termo horroroso, além de não se encaixar com o que eu faço.

Em recente show no Sesc, muitas pessoas subiram ao palco, dançaram e cantaram com você. Fale um pouco sobre essa ligação com o público.

É, eu realmente tento diminuir essa distância. Em 2005, antes de lançar o “3 Sessions”, meu terceiro disco, eu fiz um blog, o Diginois, nome da minha gravadora. E isso foi super importante pro meu trabalho, as pessoas perceberam quem eu era. Muitas vezes, só com um disco dá pra ter uma idéia do seu trabalho, mas não do que você pensa. Quando o público tem acesso ao que você acha sobre um filme, em quem você vota, as pessoas acabam se identificando com o seu universo.

Por que você usou crowdfunding para concluir o disco?

O crowdfunding é mais uma experiência nesse sentido. Eu sempre disponibilizei meus discos de graça e dessa vez eu queria fazer um outro esquema, pensei que as pessoas pudessem também me ajudar a financiar. O processo foi muito legal, no começo é super difícil, muito desgastante. Mas quando termina, tive a sensação, pela primeira vez, de que um disco meu, antes de sair, já tinha uma rede de pessoas presentes ali. Senti que esse álbum é meu e de uma galera.

Você comentou agora que foi muito estressante e difícil, realizar o crowdfunding. Por quê?

Porque é um corpo a corpo, não só com pessoas que você não conhece, mas também com amigos. No crowdfunding, em duas semanas ele tem que chegar a 30% senão não dá a idéia de que aquilo vai vingar. Tem que falar primeiro com os amigos, porque é um jeito de você conseguir mais rápido. Depois, campanha na internet. Fazer isso estar sempre aparecendo, mas sem encher o saco das pessoas. Você se expõe muito. No Brasil, ainda não se tem a noção de que o crowdfunding não é um dinheiro perdido. Então toda vez que você vai pedir alguma coisa, fica sempre a sensação de que você está pedindo esmola. A imprensa sempre fala em “vaquinha”.

Você já fez uma trilha sonora para “2001: Uma Odisseia no Espaço” e “Taxi Driver”. Nos shows de lançamento do último disco, as projeções do coletivo Embolex proporcionam uma experiência audiovisual muito especial. Qual é a relação da sua música com o cinema?

Tem muito a ver. Em todos os meus discos, para saber se a faixa está pronta, eu tiro a voz. Desde os primeiros, sempre faço isso, tiro a voz e fico editando a música. Pra ter uma sensação se a coisa está fluindo como um travelling, um plano sequência. Meu jeito de pensar, essa coisa das texturas, as minhas letras, tem tudo a ver com cinema. Sempre procuro criar uma imagem que explique o que quero dizer. Sou cinéfilo, então minha música tem tudo a ver com cinema.

Tem vontade de fazer trilhas como o Trent Reznor e o Jonny Greenwood, que fogem da estética convencional das trilhas sonoras?

Eu estou fazendo a trilha do primeiro longa do Daniel Lisboa, cineasta jovem de Salvador, que fez o clipe de “Deus que devasta mas também cura”. E comecei também a fazer a trilha de um documentário sobre a ditadura na Bahia, do Henrique Dantas, cineasta também de Salvador. E várias músicas já entraram em filmes, como “Surf Adventures 2” e “Deus é Brasileiro”, do Cacá Diegues.

E essas trilhas, levando-se em conta o seu trabalho, imagino que devam seguir uma linha não convencional, ou seja, mais experimental…

Por um lado há uma liberdade enorme, vários tipos de instrumentação, mais ou menos distorcido, experimental, harmônico. Mas ao mesmo tempo você tem a função de dar um suporte pra imagem. Então, é um papel mais de coadjuvante.

“Sobre Noites e Dias” mistura vários gêneros musicais: funk carioca, rap, marchinha de carnaval… Mas ao mesmo tempo há um conceito no disco, um fio condutor que costura as faixas. Conte um pouco sobre isso.

Isso é uma coisa da qual tento fugir. Todos os meus dicos tiveram um mote, uma história que dá uma liga de álbum. Todos têm um tema, mas não é proposital, é decorrência de coisas que acontecem, que eu estou vivendo naquele momento. Em relação à diversidade sonora, tem a ver com o jeito como eu comecei a ouvir música e perceber que uma mesma linha de baixo descendente de uma sinfonia de Beethoven, aparecia tocada de outra maneira, com outra instrumentação tanto numa música do Michael Jackson como em um disco do Miles Davis. Então, desde cedo fui ouvindo todos os tipos de música e vendo que tudo tinha correlações.

Atualmente, vemos que as pessoas fazem download de discografias inteiras e ouvem música em fones de ouvido de baixa qualidade. Poucas pessoas, a rigor, se dão conta do trabalho que é conceber e produzir um disco. Como é para você ser músico nos dias de hoje, quando a música se transformou em uma commodity?

Já nascemos sem gravadora, sem essa indústria, por si próprio, tendo que abrir os caminhos a facão mesmo. Não tinha nada bonitinho, então isso já foi super difícil. Aí veio essa maré, de o CD perder completamente o valor, quer dizer, digitalizaram a cultura. A gente gasta uma grana pra fazer mixagem, masteriza, tudo pra ter qualidade de som e o cara ouve no computador, desbalanceando completamente a relação que você criou. Tem que lidar com isso, não tem o que fazer.

Com que músicos atualmente você estabelece uma interlocução artística mais constante? Por exemplo, enquanto produzia “Sobre Noites e Dias”.

Enquanto fazia “Sobre Noites e Dias”, aconteceu um negócio que achei muito interessante: não ouvi nada, evitava ouvir música. Em outros discos meus, já aconteceu de ouvir música de alguém, achar uma ideia e querer usar no meu disco. Aí forçava a barra para usar essa ideia, quando a música não estava querendo aquilo e só depois percebi.
Dessa vez, só ficava escutando as dez faixas do disco, como se eu ficasse com ouvido limpo e à medida que fosse gravando, ouvia o que a música pedia.

Como você avalia o panorama musical brasileiro?

Você pega os discos da Céu, do Curumin, Metá Metá, Rômulo Fróes, é tanta gente fazendo discos bons há tanto tempo. Eu fico feliz de ser contemporâneo dessas pessoas e também percebo em todos como amam o que fazem. O foco dessa geração é a música, muito mais do que os holofotes, sinto orgulho de fazer parte disso.

Como você enxerga o jornalismo cultural especializado em música atualmente? E a crítica musical, em especial?

Eu vejo cada vez menos críticas musicais. Os jornais têm pouco espaço, então o que eles fazem é contar uma história sobre o disco, ao invés de analisá-lo. Por exemplo, na França, os jornalistas se preparam muito pra uma entrevista, escutam o disco mil vezes, mas na critica, eles gostam muito de filosofar, fazer mil analogias. Já na Inglaterra, eles tentam ser super precisos, catalogar as faixas, dizer o que seu som é, como se tentassem explicar muito bem pra quem for comprar. Mas em todos os casos eu percebo que há cada vez menos a análise musical.

 

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