Arre, como ando monotemático, me pego maçante: nesse eterno retorno, retomo uma surrada história que principia com os papiros, passa pelos pergaminhos em direção ao códice. Mas fazer o quê se uma das raras certezas que cultivo na vida é de que a leitura deve ser imperiosa como a comunhão diária católica?

Um dia à beira da cama me metamorfoseio numa traça daquelas bem xeretas… Para Gregor Samsa nenhum botar defeito e migro para uma apetitosa e desprotegida encadernação de percalina. Declaro meu latifúndio entre sua costura e a lombada, não sem antes um rolê pelo colofão e pela página de rosto.

Mediante uma espiada na biblioteca alheia conhecesse muito da personalidade de cada um. Não resisto a saber o que os outros estão lendo… Daí porque publiquei neste ano Os Livros de Cabeceira: 65 intelectuais do Brasil e seus livros preferidos (Editora Multifoco), a partir de depoimentos que me foram prestados por respeitáveis intelectuais. Aprontar essa compilação me deu um prazer poucas vezes experimentado. Sorry, periferia.

Que me perdoem as companhias tão adoráveis – e eu sou um gregário festeiro, com alto coeficiente de sociabilidade
–, mas é pela leitura que me reconheço no mundo. Os livros assanham a nossa imaginação, abastecem a nossa consciência crítica, nos tornam melhores. Sempre ganho o dia quando flagro um concidadão sobraçando um exemplar, ainda que seja de literatura de má extração (esoterismo barato, subliteratura envolvendo vampiros, lobisomens, alguma mal-ajambrada literatura espírita…). O venenoso Agrippino Grieco ia a extremos no seu “vício”: “Não vou a casas que não tenham livros: são casasde gente sem caráter.”

O entretenimento fácil, a propaganda e a teledramaturgia subtraem potenciais leitores. Mas entre tantas notícias embebidas em fel, vinagre e óleo de rícino, podemos erguer um brinde a uma adorável ocorrência: o falecido Paulo Leminski desbancou a descartável trilogia 50 Tons de Cinza no ranking dos livros mais vendidos da Livraria Cultura. Podemos suspirar aliviados por alguns minutos…

Impossível ir a uma livraria (ò parque de diversões ideal!) e não se gostar de nada. Comparo uma delas a uma praça de alimentação (que eu já batizei de “praça de mastigação”). Ou a um tabuleiro da baiana. Tem opção para todos os gostos.

Livros teimam em invadir todas as dependências dos nossos apartamentos cada vez mais projetados pelos arquitetos para não admitirem a insolência intrometida dos nossos “mestres-mudos”. Os volumes, as brochuras – ganhas, compradas ou até mesmo roubadas de algum incauto – multiplicam-se como cogumelos, exasperam nossas(os) cônjuges menos tolerantes com a bibliofilia espaçosa… Saudades dos imóveis de pé direito alto! Sobram livros até para – quem sabe? – violar nossa privacidade no exílio de nossos water closets, muitas vezes nossos casulos filosóficos…

Gabriel Kwak é jornalista formado pela Cásper Líbero, membro da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), membro da Academia de Letras de Campos do Jordão (SP) e revisor do Portal R7.

 

 

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