A Marcha da Maconha toma a Avenida Paulista
Crédito: (CCBY-SA) Fora do eixo

 

A ASSEMBLEIA ESTAVA marcada para às 15 horas do dia 26 de agosto – um domingo quente e ensolarado. Uma hora depois do combinado, 13 jovens militantes organizavam suas ideias no jardim suspenso do Centro Cultural São Paulo. Intitularam-se 15-o, mas ficaram conhecidos como os jovens do Ocupa Sampa.

Em roda, discutiram primeiramente a paralisação das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A vontade era fazer uma “pressão positiva” no ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, capaz de decidir se a obra continuaria estagnada ou se voltaria a ser ativada. Planejavam fazer vigília em frente à casa de Britto, que, na visão dos presentes, não os ignoraria. Passada a fase de discussão, começou o acerto de questões logísticas da ida a Brasília naquela mesma noite.

Eles foram. Quatro manifestantes entraram no plenário do Supremo Tribunal Federal com cartazes estampando a seguinte mensagem: “Belo Monte: é a hora de julgar o mérito dessa questão”. Os jovens lá permaneceram por apenas quatro segundos antes de serem retirados por seguranças. Infelizmente, a mobilização não obteve êxito, uma vez que as obras foram retomadas.

São esses mesmos jovens, e centenas de outros, que ficaram acampados no Vale do Anhangabaú, abaixo do Viaduto do Chá, no OcupaSampa. A ocupação teve início no dia 15 de outubro de 2011 e durou 50 dias. Segundo Gabriela Ferreira, 22 anos, estudante de Jornalismo e jovem participante ativa, o movimento se inspirou no M15M, mais conhecido como Indignados da Puerta del Sol. O grupo espanhol acampou no mês de março na famosa praça de Madri – que deu nome ao movimento de indignados – durante um protesto nacional contra as políticas realizadas para conter a crise econômica do país.

 

QUEBRA-CABEÇA DE INFORMAÇÕES

Os dois movimentos, assim como o 12M, em Portugal, os insatisfeitos da Praça Syntagma, na Grécia, os jovens que invadiram o centro financeiro de Wall Street, em Nova York, prezam pela democracia horizontal. Nela, não há influência partidária ou a figura de um líder. “Somos a favor da democracia direta, pois os interesses dos partidos beneficiam somente uma pequena minoria. Defendemos a autogestão e a permacultura como forma”, exalta a estudante de Jornalismo. “Procuramos manter sempre os três pilares: apartidarismo, não violência e decisão por consenso”, reforça Gabriela.

 A ativista ainda expõe que há um “quebra cabeça de informações”, já que o Ocupa não é um grupo com características marcadas, mas sim um coletivo que engloba desde punks até hippies.“Tive que me inserir no movimento para saber como ele funcionava e o que era. Ficamos com um pouco de receio ao definir algo relacionado ao Ocupa para não passar por cima da vasta gama de vozes e ideias que o compõe”, diz.

Embora não haja divulgação expressiva na imprensa, o Ocupa Sampa está em constante atividade. Uma delas é o Cine Ocupa, que ocorre a cada quinze dias. O evento consiste na apresentação de filmes seguidos de debates com o objetivo de construir o pensamento em coletividade. A escolha das obras exibidas segue ciclos temáticos com quatro sessões por tema. O espaço, conhecido como Porão, localizado na Rua Frei Caneca, foi cedido pelo grupo Tortura Nunca Mais São Paulo (GTNM-SP). O GTNM-SP surgiu com a luta dos familiares mortos, torturados e desaparecidos durante o regime militar implantado no país em 1964.

 

LIVRE PRODUÇÃO, LIVRE CONSUMO

Outro grande movimento organizado é a Marcha da Maconha. Foi criado nos Estados Unidos, em 1998, pelo ativista Dana Beal. A marcha acontece em 40 países e tem ensaiado sua consolidação no Brasil, que desde os anos 1980 é palco de algumas manifestações sobre o assunto. O objetivo da marcha é legalizar a produção, bem como o uso da erva para consumo e uso medicinal. Com protestos dispersos em todo o território, apenas em 2007 a causa idealizada por Beal ganhou expressão nacional.

O movimento teve um início conturbadono país: as decisões judiciais o consideraram anticonstitucional, acusando-o de fazer apologia às drogas. Segundo Júlio Delmanto, um dos organizadores da manifestação, em São Paulo “qualquer movimento social que ouse ir às ruas e desafiar a ditadura privatista da nossa sociedade, já é naturalmente punido pela polícia. No caso da nossa manifestação, a PM estava salvaguardada por decisões judiciais grotescas, que ignoravam a livre expressão e a livre manifestação.”

De forma horizontal, sem lideranças ou hierarquia, a marcha pretende mudar a política de drogas em vigor no país, mostrando para o governo e para população que a proibição da maconha é uma medida falha, que só aumenta a violência e o tráfico.

Érico Detali (nome fictício), integrante dos protestos contra o violento despejo do Pinheirinho, em São José dos Campos, e participante da Marcha da Maconha, ressalta que apoia a causa por considerar a droga proibida por uma questão cultural: “ela é considerada uma droga de negro e de índio. Essa atitude é um etnocídio contra essas minorias. É como a proibição de usar burca na França.”

Ele esteve presente em outra revolta – em que a maconha também foi assunto discutido – ocorrida na Universidade de São Paulo (USP), no final do ano passado. O estopim da revolta dos estudantes se deu quando três alunos foram detidos pela Polícia Militar por estarem fumando maconha dentro da universidade. Em novembro, um grupo de alunos invadiu a reitoria para protestar contra a presença da Polícia Militar no campus. Seis dias após a invasão, os manifestantes foram tirados a força pela PM.

Para o jovem, a USP tem uma “estrutura oligárquica de poder, por causa da escolha do reitor num esquema de lista tríplice. Quem manda na USP é a minoria. É uma ditadura muito bem elaborada”. “A escolha para reitor, decidida por poucos integrantes da universidade, fica à mercê da palavra final do governador”, comenta.

Detali foi um dos estudantes detidos pela polícia durante a ocupação da reitoria, mas não se arrepende de ter feito parte da revolta. “Me arrependo de ter sido pego”, afirma. “Se não tivesse ocorrido a ocupação, estaria tudo pior, pelo clima de silêncio em torno da questão”, acrescenta.

 

Integrantes da Revolução da Colher em sua reunião 
semanal
 

COLHERES VEGETARIANAS A POSTOS

Além de movimentos impulsionados por causas sociais ou políticas, há também os que entram no campo da vida privada. É o caso da Revolução da Colher, movimento internacional que, segundo Bruno Carmo, um dos integrantes ativos do grupo, tem “o intuito de aumentar a consciência das pessoas sobre o vegetarianismo e o impacto que nossa alimentação tem no meio ambiente e na vida dos animais”. A Revolução da Colher teve sua origem na Colômbia, surgindo apenas em 2005 no Brasil. Hoje, ela também existe na França, Suécia, Alemanha, Índia e em países latino-americanos. De acordo com Carmo, apesar dos objetivos do movimento serem “bem genéricos” – sendo os principais deles, ampliar a consciência do mundo sobre o vegetarianismo e levar informação às pessoas – eles trabalham com uma “metodologia bem específica”. Para divulgar suas mensagens, o movimento se organiza em passeatas, intervenções nas ruas, divulgações de conteúdo na internet e palestras em escolas.

O grupo se reúne todo sábado, pela manhã no Vrinda, um templo Hare Krishna, para discutir o vegetarianismo e as formas de divulgá- lo. Nessas reuniões, definem quais serão os próximos eventos, sejam eles festas para arrecadação e propagação das mensagens, intervenções na rua ou cursos. A participação é aberta para todos que se interessem pelo tema e queiram ajudar a divulgá-lo. “Somos um grupo aberto. Qualquer pessoa pode participar, basta integrar-se ao movimento já existente em sua cidade ou formar um, caso ainda não exista”, diz Carmo.

 

CONTRA O SISTEMA

O Fórum Popular da Saúde é uma entidade que luta contra as diversas formas de privatização da saúde pública. Desde 2009, o Fórum vem combatendo a lógica de lucratividade que impera por trás das Organizações Sociais e da Fundação Estatal do Direito Privado. O movimento é pluripartidário e luta por um sistema de saúde de qualidade, público e estatal. “Em 2004 surgiu uma lei que permite que os hospitais antigos geridos pelo serviço público de maneira direta passassem para as mãos das Organizações Sociais”, afirma Lívia Rodrigues, estudante de Medicina que se engajou na luta do Fórum.

Em setembro, ocorreu uma ocupação conjunta ao Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MST). O ato se deu num prédio abandonado na Região de Capela do Socorro, onde há 14 anos a construção de um hospital é prometida. A manifestação protestava contra as promessas não cumpridas pelo então prefeito Gilberto Kassab, que se comprometeu a inaugurar três hospitais e 50 serviços odontológicos que não se tornaram realidade.

Segundo Lívia, a ideia da ocupação surgiu em um contexto de “crescimento dos movimentos que lutam por saúde no estado de São Paulo”. Para a estudante, isso reflete o procedimento do modelo de gestão que vem sendo colocado em prática desde o governo FHC. “O Fórum Popular de Saúde surge em um momento em que víamos na prática a política do Estado mínimo”, diz. Dessa forma, “as Organizações Sociais de Saúde vão na contramão de pensar saúde como garantia e responsabilidade do Estado. Apesar de muitas delas serem ditas sem fins lucrativos, na prática isso não acontece.”

A respeito da grande mídia classificar muitos movimentos como manifestações relâmpago, Lívia é enfática ao dizer que “a mídia interpreta as manifestações como se fossem pontuais. Os movimentos são vistos como passageiros, apesar da dimensão que têm”. Para exemplificar de que maneira isso acontece, a estudante cita um caso recente: “Vimos a greve das universidades federais, quanto tempo durou e o pouco espaço que ocupou na mídia.”

Para Sâmia Bomfim, estudante de Letras na Universidade de São Paulo e envolvida em movimentos sociais como o Ocupa Sampa, “é normal que a mídia diga que a juventude só faz manifestações por ser rebelde sem causa. Acredito que um dos motivos para a grande mídia querer encobrir essas demonstrações de insatisfação é o fato de a juventude ser um setor perigoso à medida que pode gerar mudanças.”

Sâmia ainda faz uma consideração a respeito das revoltas brasileiras e das manifestações espalhadas pelo mundo: “No Brasil, por não estarmos sentindo tanto os efeitos da crise econômica, as rebeliões acabam parecendo pequenas gerações espontâneas, mas, a meu ver, os movimentos ao redor do mundo dizem respeito a uma mesma indignação: com o sistema capitalista em que vivemos.”