PENSE EM UM escritor premiado. Provavelmente, no seu imaginário, ele deve ter mais de 30 anos, extensa lista de publicações e, talvez, um doutorado. Agora imagine outro escritor premiado – desta vez, jovem. Ou melhor, pós-adolescente, com pouco mais de 20 anos. Um cara genial, que só pode ser nerd desde o berço e mal sai de casa. Mas, no caso de Luisa Geisler, todas essas premissas e clichês caem por terra. Aos 21 anos, a garota nascida em Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre (RS), já conquistou dois Prêmios SESC de Literatura consecutivos, teve o nome incluído na coletânea Granta – Os melhores jovens escritores brasileiros e foi indicada ao 54º Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro de Contos e Crônicas por Contos de mentira (2011, editora Record).

Como qualquer jovem da sua idade, ela pensa em morar sozinha, gosta de sair com os amigos e ficar com o namorado. Além do mais, Luisa é ansiosa e faz mil coisas ao mesmo tempo: estuda Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Relações Internacionais na ESPM, é colunista da revista Capricho e bolsista de iniciação científica em Economia, atualiza o Twitter, tem perfil no Facebook, sai com os amigos, viaja divulgando suas obras – além do livro de contos, publicou o romance Quiçá, em junho deste ano, também pela Record – e tenta se disciplinar para continuar escrevendo – ufa! Em entrevista à Esquinas, Luisa não nega o sotaque gaúcho, diz não gostar de ser vista como escritora “promessa” e revela como é ser a autora mais jovem da literatura brasileira.

 

Às vezes, o termo “jovem” pode soar depreciativo, como alguém que não precisa ser levado a sério. Te incomoda ser chamada de jovem escritora?

Não, não incomoda. De certa forma o termo “jovem” soa depreciativo mesmo, não pela palavra em si, mas pela conotação que acaba ganhando. Como se só quem já é experiente, já tem um doutorado tenha algo a dizer. As pessoas acabam desmerecendo quem não é nem formado ou não tem nem 20 anos.

 

Com a Granta, os prêmios SESC, as publicações e com a indicação ao Prêmio Jabuti, você já é vista no meio literário como uma autora consolidada e não uma revelação. Você se sente assim?

Fico um pouco incomodada com essa ideia de promessa e de potencial porque é mais uma forma de te chamar de inexperiente do que dizer que você é jovem. Ao mesmo tempo, tenho um pouco de dificuldade de me enxergar como uma escritora pronta, porque acho que todos os escritores estão em formação. Não só os escritores, mas todas as pessoas. Porém, acho muito difícil olhar para o Cristovão Tezza [autor de O filho eterno] e dizer que ele não é um escritor pronto.

 

A imagem que se tem do escritor é a de alguém na faixa dos 30 anos ou mais. Você mantém contato com alguém da sua idade nesse meio?

No meio literário, o pessoal próximo da minha idade tem entre 25 e 28 anos. Como somos uma geração parecida, em geral mantenho boas amizades literárias. Mas tenho amigos fora deste meio, o que é algo importante, já que às vezes isso tudo sufoca um pouco. Meu primeiro amigo escritor foi o André de Leones, ganhador do Prêmio SESC em 2005. Conheci outros escritores do Prêmio SESC e até hoje falo com eles. São pessoas muito amigas que entendem toda a ansiedade em torno do Prêmio SESC. Fui à Flip [Festa Literária Internacional de Paraty] logo em seguida, que é uma semana de pura literatura, de gente falando de escrita, de escritor, de coisas do meio literário, de fofocas. No final, só quero ir para casa [risos], para um mundinho em que ninguém saiba quem sou.

 

Sem contar que a Granta foi lançada em meio aos burburinhos da Flip.

Isso. É bastante coisa acontecendo ao mesmo tempo. Gosto de circular nos dois meios: no da minha realidade, onde não sou ninguém, e no meio literário. Não gosto de ficar alienada em uma área, porque elas me cansam de algum jeito e, de certa forma, me agradam muito. Acho que o meio literário pode sufocar um pouquinho, porque você acaba acreditando que a literatura contemporânea brasileira é a coisa mais importante que existe e acaba deixando isso subir um pouco à cabeça.

 

Como você faz para conciliar a literatura com sua vida pessoal e as duas faculdades?

É uma questão de saber o que é prioridade e o que pode ficar para depois. Não sou uma pessoa calculista e organizada, sou bem destrambelhada e acabo esquecendo das coisas. No começo do mês organizo minha agenda, mas no final, mal sei qual dia é.

 

Você tem uma rotina de escrita quando está trabalhando em um livro?

Eu planejo, crio uma meta e tento escrever. Minha meta é escrever diariamente nem que seja uma página para não esquecer. Mas não é sempre que acontece [risos]. Por mais que faça tudo diferente, gosto de ter uma noção de onde eu deveria estar. E, se estiver muito diferente, tento me reestruturar.

 

Mas é difícil, porque nossa geração é muito ansiosa, de certa forma.

Bah, sim!

 

E como você a avalia?

Com certeza, é uma geração ansiosa por resultados. Digo isso porque sou assim, ansiosa pelo que está acontecendo agora. É uma geração que não quer deixar o prazer para o último dia da vida. Não quer se aposentar para curtir a vida, quer conciliar os dois agora.

 

Como é a experiência de escrever para públicos tão diferentes como o da Capricho e o dos seus livros? Alguma leitora da Capricho já comprou algum deles?

Estava na Bienal do Livro em um bate papo do SESC, quando uma menina veio e disse “vim porque sou uma leitora da Capricho e acabei comprando o seu livro. Mas são bem diferentes, né?”[risos]. São dois públicos distintos, não imagino mesmo que sejam iguais. O público adolescente é muito passional. Eles lêem mas não analisam o texto, apenas falam “poxa eu curti porque me identifiquei” e é isso. Enquanto o público adulto procura análise do personagem, coisas mais sérias, motivos mais lógicos por trás do texto. Achava que ia ficar desajeitada na Capricho porque sempre fui aquela adolescente meio esquisita, sabe? Meio excluída em um canto, que fala pouco…

 

Apesar da rotina acelerada de trabalho e estudo, Luísa 
encontra um tempo para se divertir com os amigos

A garota que não está na capa da Capricho.

Exatamente. Eu assinei Capricho por um tempo, mas mesmo assim, sempre fui meio esquisita. Poxa, demorei muito para fazer a sobrancelha. Achei que não ia dar certo a coluna na revista, mas percebi que muitas meninas se identificaram, se sentiram mexidas de alguma forma. Para mim, isso foi muito estimulante.

 

O Quiçá possui dois personagens: a Clarissa, de 11 anos, e o Arthur, de 18. A diferença entre eles é justamente a adolescência, esse período de leitores passionais. Como foram esses anos para a sua formação e da escritora Luisa? E quanto disso está na sua obra?

A formação de escritora é uma coisa bem antiga, porque eu sempre me diverti muito lendo. Quando era pequena, gostava muito da Feira do Livro de Porto Alegre, gostava de fazer os meus próprios livros. Fazer desenhos e carinhas. A leitura foi uma coisa muito prazerosa e eu sempre estive muito ligada a ela. A minha adolescência de leitora foi normal, não peguei livros do Dostoievski aos 14 anos. Lia Diário da Princesa, Harry Potter e curtia pra caramba. Eu demorei para chegar nos autores grandes. Comecei com Edgar Allan Poe, depois Gabriel García Márquez.

Foi a fase em que mais li na vida. De certa forma, fui uma adolescente introvertida, como no caso da Clarissa, mas nunca fui tão controladora como ela. A Clarissa tem essa característica muito forte de ser introvertida e, ao mesmo tempo, de querer controlar tudo o que acontece em sua vida. Para poder controlar, ela acaba lidando com coisas que são controláveis – a televisão, o piano, o gato. O livro não é tão autobiográfico como dizem. Talvez, com muito esforço, dê para enxergar a Clarissa como uma exacerbação de mim, mas nada muito grave. Ela diferencia muito as coisas, coloca-as em caixinhas. O Arthur não tem muito a ver comigo, mas eu gosto da ideia de alguém que perdeu a fé na vida a ponto de não querer mais viver.

 

E está trabalhando em algum projeto?

Eu estou trabalhando em um romance chamado Canoas Não Boas. Nele, o personagem resolve escrever cartas para o melhor amigo de infância que está em coma. Por meio dessas cartas, ele revela seu dia a dia e por aí vai. O romance mostra a história desse garoto, todos os dramas que ele tem que viver. O protagonista trabalha em um posto de conveniência para poder pagar a faculdade. Ele não tem muito para onde olhar, mas, ao mesmo tempo, tem preocupações mundanas que confiaria ao amigo que está em coma.

 

O que você espera dos seus 20 anos?

[hesitação]

 

Já tem algum projeto?

É uma coisa estranha, porque eu sempre acabo fazendo as coisas de que gosto e elas acabam dando certo. Espero continuar escrevendo e publicando. Mas fora isso… Espero não morrer atropelada por um ônibus [risos]. Eu vou fazendo as coisas e elas vão indo.

Tenho uma dificuldade bem grande em pensar a longo prazo. Como eu me vejo daqui cinco anos, aquelas histórias, não sei. Quero continuar escrevendo, o resto é lucro. Quero me formar, sair da casa dos meus pais, mas nada muito ambicioso, não.