A crise econômica que assola o país pode fechar 150 mil bares e restaurantes no Brasil, segundo levantamento feito pela ABRASEL (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). Segundo a mesma associação, o setor de alimentação fora de casa gera 450 mil novos empregos por ano. Em meio a esse cenário, duas pessoas que trabalham nesses estabelecimentos contam como lidam com a crise: Anderson Kiles, 59, dono do restaurante Gardens, e Marcelo Neves, 45, sócio do restaurante La Tivoli.
Anderson trabalhou por onze anos na área de contratação de obras da Itaú Engenharia, empresa que passou por um corte de funcionários – o que o fez optar por seguir no ramo da alimentação, atividade que exerce desde 1995. “Como sou formado em Administração de Empresas, achei que era uma área onde eu poderia me dar bem. É um trabalho voltado para as pessoas que atuam em escritório”, diz
O empresário diz que chegou a trabalhar com dois restaurantes e uma casa de café. Um dos restaurantes, que ficava na Mooca, chamava-se Domus. Em 2001, já mais experiente, ele mudou de prédio quando aumentou seu empreendimento e passou a trabalhar num restaurante por quilo, segundo ele uma refeição mais prática com a qual as pessoas querem gastar pouco.
“Na época em que eu o comprei o restaurante girava 150, 200 refeições, tinha um público legal, mantive a qualidade, aumentei o restaurante e aí comecei a ganhar dinheiro. Comprei uma casa de café na Brigadeiro, esquina com a Jundiaí, perto do ginásio do Ibirapuera, e outro restaurante na Ana Néri , na Mooca, que estava começando a quebrar já que os antigos donos não sabiam administrá-lo, mas que também atendia a um público parecido com o meu”, lembra.
Marcelo Neves, 45, sócio do restaurante La Tivoli, negócio que iniciou há 20 anos com o irmão, fala a respeito de como começou o empreendimento e sobre as dificuldades para quem pretende seguir no ramo. “Comecei com 24 anos. Era tudo alugado, depois fomos comprando um prédio e outro, quando o comércio ainda se movimentava. Se fosse nos dias de hoje, eu não conseguiria. A sorte é que o La Tivoli tem uma clientela muito grande, o que faz o negócio se manter. Ter casas novas hoje é um risco muito grande”.
O dono do La Tivoli – também sócio com o irmão e um amigo de um restaurante na Rua Azevedo Soares, no Tatuapé – trata das dificuldades de manter um restaurante. “O movimento aqui caiu 40%, é muita coisa. Pra lidar com isso, infelizmente tivemos algumas demissões, revimos custos. Eu mesmo assumi o caixa já que o gerente saiu. A minha vantagem é que é sede própria, eu não pago aluguel, senão eu não teria conseguido”, conta.
O empreendedor acredita que, se tivesse de pagar aluguel no La Tivoli, não conseguiria se manter. “Minha média de luz aqui é de R$ 2.600, R$ 2.700 mil. Depois que eles tiraram essa isenção, ela foi para R$ 5 mil e pouco. A água também subiu um absurdo, todos os custos subiram, só que você não consegue repassar isso mais, então eu tenho que ganhar na compra; negocia aqui, negocia ali, vê onde tem um preço bom”.
Anderson, dono do Gardens, relembra que a indenização que ele recebeu da empresa em que trabalhava era de R$ 30 mil e o valor restante de R$ 95 mil. Deu o que tinha de entrada, não podia errar. Pagou prestações por dois anos e meio, período em que não obteve lucro. Ele conta que depois vendeu a sua casa de café na Rua Brigadeiro Luís Antônio um ano depois da compra, em 2004. “Abriram uma loja do Mc Donald’s do lado da casa, o que reduziu bastante o nosso faturamento. A lucratividade deixou de ser interessante e eu vendi a casa de café”, lembra.
O proprietário conta que vendeu também o restaurante na Ana Néri devido aos gastos excessivos e porque não tinha férias havia nove anos. Depois disso, Anderson passou a procurar por restaurantes na Berrini, Vila Olímpia e Avenida Paulista, áreas, segundo ele, de maior concentração de pessoas.
De acordo com dados da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), 85,9% dos brasileiros se viram obrigados a ajustar o orçamento doméstico para driblar os efeitos advindos da crise econômica pela qual o país passa. O estudo mostra que 73,1% dos participantes cortaram as saídas com amigos para bares e restaurantes.
O setor é afetado por fatores que incluem o aumento de custos com alta nos preços de luz, gás e alimentos. Em declaração ao portal UOL, Heloísa Menezes, diretora técnica do SEBRAE, afirma que a perda do poder aquisitivo das pessoas tem papel fundamental nesse cenário. “A redução do poder de compra e o aumento do número de desempregados têm, cada vez mais, levado as pessoas a economizar e preparar suas refeições em casa”.
Para Marcelo Neves, os inúmeros estabelecimentos do setor de alimentação que fecharam suas portas e o baixo número de pedidos realizados estão relacionados ao desarranjo econômico do país. “As pessoas diminuíram a freqüência. Se compravam pizza todo final de semana, agora compram uma vez por mês. O mercado se retraiu”, diz. O empresário acredita que todos têm medo de perder o emprego.
O La Tivoli passou por uma grande reforma em 2011, processo que causou retração na freqüência. “A casa era muito simples, estava deteriorada. Só que depois muitos clientes acharam que o lugar ficou muito chique, então o público diminuiu. É lógico que mantivemos parte do pessoal antigo, mas tivemos que buscar um público novo. Isso levou praticamente um ano. Depois as coisas foram voltando, conquistamos novos clientes”, comenta.
Um estudo feito pela ABRASEL mostra que o custo para abrir um restaurante self-service fica entre R$ 60 mil e R$ 100 mil com despesas iniciais incluídas. Segundo Marcelo, o risco de fracasso na tentativa de iniciar um novo empreendimento na atual conjuntura econômica é muito grande. “Só se a pessoa tem dinheiro pra investir, contratar funcionários, trabalhar de segunda a segunda. É um negócio complicado; eu não faria”.
Ele entende que a experiência passada nesse tipo de negócio foi muito importante. “Quando comprei esse restaurante eu já tinha uma base porque o meu pai teve restaurante, então aprendemos um bocado com ele. Outra coisa importante é saber fazer as coisas se um funcionário faltar, por exemplo. Eu sei assar e fazer pizza, churrasco, cozinho, fico no caixa, no bar”, lembra.
O custo de vida em São Paulo é muito alto e subiu 0,67% na passagem de abril para maio, segundo dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Essa variação ultrapassa a marca registrada em abril em relação a março (0,57%). No acumulado do ano, a taxa aumentou 4,25% e, nos últimos 12 meses, 9,44%.
Para o dono do La Tivoli essa realidade se reflete na prática quando as pessoas vão ao restaurante e acham que tudo está caro, mas se esquecem de que caros são os produtos. “Antes conseguíamos trabalhar com preços melhores, hoje não. A cada semana é um preço. Hoje parece que existe uma máfia, tudo sobe absurdamente, isso prejudica muito”, lamenta.
Apesar de conduzir um negócio estável e considerar que precisa diminuir custos, o empreendedor diz que pensa em vender o restaurante assim que possível. “Eu pretendo vender tudo e me mudar pra Portugal. A qualidade de vida é melhor. Fora isso, você paga os seus impostos, sabe que tem retorno e que vai viver melhor”, conta.
Para os dois comerciantes, a atual situação política do país preocupa, mas ambos têm expectativas diferentes com relação ao futuro. “O que vemos na verdade é uma discussão sobre o poder e não como aquecer o comércio, gerar empregos e ajudar o povo. O brasileiro faz a sua parte, mas o governo não. É desanimador”, finaliza Marcelo. “Não é possível que o Brasil vá quebrar. Tem que recuperar. Eu aposto nisso”, diz Anderson.