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Edição Especial – Junho de 2016

 

Sábado de calor com o termômetro marcando 35 graus. Encostado ao lado do Ginásio Municipal Hugo Ramos, um micro-ônibus espera para partir. Agitado e com um sorriso, Aroldo organiza várias mochilas no bagageiro. “Hoje é só assim”, diz me cumprimentando e dando um soco em minhas mãos. “Daqui para frente é só assim”, corrige-se. Aroldo é o massagista, mas faz-tudo no União Mogi das Cruzes Futebol Clube, clube centenário da cidade de Mogi, a uma hora de São Paulo. A história da equipe é manchada por problemas extracampo e escândalos de corrupção: conselheiros que desviaram verbas; perda de estádio; penhora do centro de treinamento; familiares tomando conta do clube; empresários que se ganham dinheiro às custas do time.

O único momento de glória da equipe veio com o título da Segunda Divisão do Campeonato Paulista de 2006. Essa categoria equivale à quarta divisão. E é exatamente esse campeonato que o alvirrubro vai jogar em 2016. “O campeonato é sub-23. A Federação quer que as equipes menores revelem jogadores” conta o diretor de futebol, auxiliar técnico e técnico do sub-20, André Mathias. “E eles não estão errados não”, comenta.

Dedé lembra disso por causa da pouca experiência de sua equipe. De bermuda, tênis esportivo e camisa polo, ele é um coordenador de tudo: coube a ele, por exemplo, organizar o almoço dos jogadores num pequeno restaurante da área central de Mogi. “O União nunca teve isso”, confessa.

Quase 11 horas e duas dezenas de jovens já esperam o almoço. É impossível não saber que ali estavam vários jogadores de futebol. A começar pelos trajes. Os tênis de vários modelos e estilos. Alguns ousam nos brincos e nos bonés. Fones de ouvidos também são a moda. Os celulares, onipresentes. Destaque ainda para os relógios. “Pode reparar que a gente sempre usa do lado esquerdo. É estilo”, diz Tetê, lateral e um dos que mais sofre com as brincadeiras.

O papo continua no almoço com arroz, feijão, salada, frango, macarrão. Nas mesas, os olhares misturam fome e ansiedade e, claro, os celulares. Todos não desgrudam dos smartphones. São selfies e mensagens para todo lado. Sobre as redes sociais, Dedé garante que ali não há grandes problemas, mas que no sub-20 o negócio é um pouco diferente. “Preciso ficar de olho. O simples fato de eu segui-los nas redes sociais já os inibe” revela.

Do lado de fora, o técnico Pedro Henrique Lamounier, conhecido como PH, já espera os atletas. Recebe cada jogador que se aproxima com um cumprimento, um abraço e uma palavra de apoio. “Vamos lá, garoto”. “Bom dia, vai com Deus”. “O dia é nosso”. PH, claramente, é o norte do União. Treinador há alguns anos, Pedro largou o trabalho para se dedicar aos estudos do futebol. “Não dava mais para conciliar”, diz. Ante de ser técnico, Pedro tinha uma pequena empresa de confecção de materiais esportivos.

Essa liderança fica clara em vários momentos. Logo na saída do ônibus, o treinador chama a palavra e um silêncio monástico reina. “Chegou a hora, rapaziada. Dia 16 de abril. O dia por que tanto esperamos”, brada, em alto e bom som, para os atletas. O treinador fala sobre a importância daquele dia, da necessidade de agradecer, de focar, de acreditar. Pedro reza e é logo seguido todos. O clima é de agradecimento e fé.

As duas horas seguintes dentro do ônibus são da famosa resenha. Isso com a turma do fundão porque, da metade para frente, reina o silêncio dos fones de ouvido e do sono. O comandante da bagunça é Thales, morador da zona norte de São Paulo, com quase 20 anos. De barba e cabelos descoloridos, anel e óculos, o jogador é meio de campo e diz ser um atleta teimoso. “Quero jogar no Bayern. Adoro a Alemanha. Meu sonho é esse”, declara.

Solteiro convicto, “já tentei namorar e foi a pior coisa que eu fiz”,  o jogador chegou a ter uma proposta para ir para a Hungria, mas uma séria lesão o tirou do mercado europeu. Criando rimas inusitadas e ditando o ritmo com a palma da mão, o meio-campista faz piadas, canta músicas, tira selfies com o atacante Matheus e azucrina os companheiros, principalmente o lateral Tetê, chamado, insistentemente, de “boca de vampiro” ou “velho Vamp”, uma referência ao volante do Corinthians Vampeta.

O som do ambiente sempre varia entre o funk, o samba e o sertanejo. Thales puxa um funk; Xandy é da turma do pagode; o presidente pede que cantem um samba; e assim vamos. Tudo isso sempre com os celulares nas mãos. A febre é o Whatsapp e o Snapachat. Pela rede de troca de mensagens, vários conversam com “as novinhas”. “Tem que dar o papo”, lança no meio da roda um dos jogadores, sem perceber o teor machista do comentário. Os pais, amigos ou namoradas também têm espaço

No Snapchat, sobram sorrisos, zoeiras, beijinhos. “Elas ficam de olho. Sempre comentam”, diz um jogador sobre as famosas maria-chuteiras, novamente, sem se dar conta do machismo. “Tem sim. Você coloca uma foto lá, mesmo que for jogando em divisão menor, e elas já vem comentando”, declara Thales.

O clímax da viagem acontece quando eles descobrem o Facebook Mention, um aplicativo de transmissão ao vivo na página da rede social. É nesse momento que a resenha extrapola para todos os cantos do ônibus. Thales comanda, junto com Xandy, um tour de entrevistas com todos os jogadores e comissão técnica. Sobra até para mim.

A bagunça só acaba a poucos minutos do estádio. “Galera. O clima tá gostoso, tá bacana. Vocês estão de parabéns. Mas agora é hora de focar. Faltam 20 minutos para chegarmos. Vamos acalmando, pensando no jogo, no que treinamos”, pede Pedro.

Dali até o apito inicial são poucos minutos. Dentro do vestiário, o clima é leve, mas todos estão concentrados. O treinador pede, insistentemente, foco e atenção e lembra que aquele é o dia pelo qual eles tanto esperavam. “Chegou a hora, graças a Deus”, esbraveja o comandante.

Enquanto isso, Dedé recolhe os documentos e organiza a parte burocrática. Os preparadores físicos fazem suas tarefas. Aroldo dá o ritmo da água e da melancia. “Eu quero que vocês comam. Uma só cada uma”, grita. Cada um em seu canto, os jogadores se preparam para a primeira batalha.

É a hora do jogo, mas antes PH organiza uma roda de oração. Ou uma apresentação de como motivar um atleta. O treinador lembra que cada um já é um vencedor; cita vários meninos que iniciam a carreira no profissional e os parabeniza; refresca a memória de todos sobre o longo trabalho; crava que estão ali em uma final e que será um título por semana. Agradece e reza.

A partir dali, começa o futebol. Mas o jogo em si talvez seja o de menos. Há pressão do time adversário. O União está um pouco perdido, mas nada mais normal para uma estreia. À medida que a partida avança, a equipe melhora e vence com dois gols no segundo tempo. Na lateral do campo, PH não sai da área técnica. Grita a todo instante. Mas não fala palavrão. De seus gritos só saem pedidos de calma, mensagens de incentivo e algumas broncas. Tudo de uma maneira educada.

No banco de reservas, Aroldo e Dedé, atentos, estão exaltados. Gritam insistentemente para os jogadores e, claro, para o juiz. O médico também orienta e comenta o jogo. O treinador precisa fazer substituições por causa de câimbras. O dr. Pacheco justifica as contusões por causa da grande marcação da equipe no primeiro tempo; o preparador físico Luizinho lembra da grama alta e pesada.

A ansiedade só abaixa com os gols, e a vitória traz um grande alívio “Inesquecível, inesquecível”, desabafa Vitão, atacante que entra no segundo tempo e faz o primeiro gol do União no campeonato.

Na saída do gramado, é possível notar a emoção de todos. Dedé se ajoelha, na linha de fundo, e chora. Rodrigo e Clebinho entram nos vestiários e agradecem, também de joelhos, em lágrimas. O tão esperado retorno do União termina com metade do ônibus dormindo e a turma do fundão contando piada. Descontração, fé e foco são as armas no União para esse campeonato.