“Às vezes, um charuto é só um charuto”, disse Freud, enquanto pitava o seu
Raul Duarte (1º ano de jornalismo)
ELA, LINDA E JOVEM, escolheu, entre muitas, a camiseta preta de banda surrada, com um belo decote apertado, a calça jeans também escura metodicamente rasgada, o allstar velho de fábrica. Olhou no espelho e não se encontrou. Provavelmente estava gorda, ou seu cabelo mal arrumado. Era ruiva, só por isso já diziam que ela não se adequava a esse mundo. Passou batom vermelho e um pouco de perfume doce. Como odiava quando a olhavam com aquelas caras famintas, de lobos, famintos.
Ah, o começo. Sempre tem que ter um começo. Até que estava bom, o final foi meio arrastado, faltou alguma coisa, talvez muito tipo social. A personagem é atraente, revoltadinha, mas o conflito muito superficial credo, coisas de gênero, opressão. E se fosse um homem? As aventuras combinam melhor com os homens, aquelas coisas de heróis, os doze passos, mas a loucura sempre combina melhor com as mulheres: já são todas loucas. Bom, não custa tentar.
Ele, jovem, pegou ao acaso a camiseta preta da banda surrada, a calça jeans escura, rasgada, o all-star já velho, olhou no espelho e não se encontrou. Sentia-se mecanicamente produzido, como um produto de vários numa linha de montagem.
Hum, muito comum. Conflito com cara de século passado, nos idos de Tempos Modernos e essas coisas. É sem graça ler sobre homens. Ele iria sair de casa, aconteceria alguma coisa que o tiraria da inércia e teria uma história, bingo. Palavras como “sufocado” e algum relógio opressor. Comum, mundo comum versus homem comum. Falho. Essas coisas de juventude são difíceis, uma briga entre a revolta e a superficialidade, problema de forma.
Talvez algo fantástico, sempre funciona. Mas é difícil ter uma epifania, assim do nada. Talvez se brincasse com os clássicos, numa apropriação criativa, cara de pós-moderno, parece bom.
Quando certa manhã Guilherme Sancho despertou, depois de um sonho intranquilo, se achou em sua cama convertido em meio monstruoso inseto. Bom, mas difícil, opa, quase um lead. E mudou tudo, “Guilherme” porque é moderno no, “Sancho” só para mostrar que ele não era livre e “meio” porque nem em inteiro inseto se pode metamorfosear hoje em dia. Muita pretensão e falta de originalidade, diriam. E o nome ficou horrível. A verdade é que não era isso que queria escrever no começo. Era outro sentimento. Não acho que certas coisas funcionam, como o “eu”. É, esse é o ponto.
Ele, jovem, pegou ao acaso a camiseta preta da banda surrada, a calça jeans escura, rasgada, o all-star já velho, olhou no espelho e não se encontrou. Sentia sua alma inteiramente fechada, sem portas nem janelas, que continha o mundo inteiro no seu fundo sombrio, e apenas uma pequena porção iluminada desse mundo. Porção variável.
Porcaria (era outro palavrão com “p”, mas foi censurado) cara de tese científica, de vomitar. Péssimo. Bom, o ideal seria falar de todos os absolutismos sem parecer intencional. Escovar os dentes, semáforo, gramática, sujeito, lógica progressista, inconsciente, sentido, democracia, remédios, palavras, palavras, palavras, aplausos, ego, interpretar, o politicamente correto, esquerda, direita, o hábito e etc. Essas pequenas ou grandes coisas que nos fazem ser seres humanos, idiotas, sábios, condicionados. Não simplesmente negar essas coisas, mas não há opção! Um pouco de possibilidade senão eu sufoco, disse o poeta. Acho que Paulo Coelho, não, brincadeira. Sim o problema está na forma. Até a revolução só fazia sentido duzentos anos atrás, eu acho. Olha! Mesmo assim não posso falar sem utilizá-los. Ora, me deem novas palavras ou me deixem quieto! Quem sabe poesia? Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos tem sido campeões em tudo.
Pera, quem lê poesia hoje em dia? E acho que já fizeram isso…
Ela, linda e jovem, saiu pra passear com seu cachorro e sem si mesma. Se perdera entre a esquerda e a direita, prosa e poesia, sem saber se era profundamente vazia, ou se sua superficialidade estava esgotada.
Olha, até que parece bom, quase pareceu profundo. Mas ainda falta algo. Meio infantil talvez, comum de novo. Falho… E se falasse de minorias? É, tudo que se coloca minorias é idolatrado, independente do seu valor, pela “intelectualidade” e seria publicado. Mas é muito chato. E aqueles que usam palavrões, usam a falta de hábito do uso dessas palavras como se isso desse valor ao texto, sendo que o desabituado que valoriza é aquele no qual o hábito é mostrado como se não fosse. E ainda acham que são originais. É, o pior é quem usa palavras ‘difíceis”, tom parnasiano. Talvez desistir, sempre a melhor opção.
Nenhum de nós soube quem, mas um que nos habitava, nosso corpo indivisível, cometeu nosso próprio assassinato. Éramos vários, em conflito, claro. Os jornais chamaram de suicídio, mas foi assassinato. Ninguém pula da janela sozinho. As milhares de vozes que contemos não calavam a boca e aquela, mais escura, mais sombria, mais livre, tomou a frente e falou mais alto, pulou. Nós outros até tentamos impedir. Mas nada. Só a imensidão da eternidade da queda.
Pareceu que já vi isso antes em algum lugar também. Não me diz nada, na verdade. Quer ser poético, original, tudo falso, falho, parece que só deus pra achar que o que tinha feito era bom, talvez se olhasse de novo…
Eram duas caveiras. Ambas se levantaram e começaram a dançar jazz. A percussão parou e deixou as batidas dos ossos, um no outro, ditar o ritmo, apodrecido…
Só a descrição de uma cena de um filme do Youtube. Mas sem música não serve para nada. Lixo.
…e uma das nossas várias sombras, em redemoinho, em vórtices, que chamamos de “eu”, disse: Haverá miséria mais sublime que a minha? Sem dúvida. Naquele tempo. Mas e hoje?
Ah, será um fim? Sempre tem que ter um fim também. Mas pode ser um começo. O fim e o começo não têm lá muita diferença e mesmo assim continuamos. Não era isso também. Me sinto vazio, o esforço criativo prolongado. Parece que toda linguagem é um desvio de linguagem. Sempre a mesma coisa e continuamos, meu Deus, pareço um padre. O problema: escrevo como me ensinaram, falo como me ensinaram, penso como me ensinaram. Começar do zero? Mas não é sempre tudo zero?!
Enfim, tentar de novo, falhar de novo…
O ponto fora da reta
Júlia Barbon (1º ano de Jornalismo)
HEBE FOI A FELIZARDA que ganhou o posto de deusa da juventude na mitologia grega. Sua função no Olimpo era entornar o néctar aos deuses, preparar o banho de Ares e fazer os trabalhos domésticos. Até que um dia ela deu um passo em falso na sala do banquete e caiu de tal maneira que o seu pudor de Minerva se escandalizou. A partir daí, Hebe foi destituída de suas funções. A deusa possuía apenas um templo, no sul da Grécia, e era sempre associada a outros deuses. Em outras palavras, não tomava – não podia tomar – as rédeas de sua própria história.
Se Hebe vivesse nos tempos de hoje, as coisas seriam bem diferentes. As quinas se encurvaram, o mundo deixou de ser quadrado para se tornar múltiplo, e a juventude foi no embalo – ou melhor, provocou esse embalo. Nos últimos 50 anos, passou da geração em que ou você era uma coisa, ou era outra, para tempos em que transitar por diferentes grupos é que era “descolado”. Mas ainda não estou falando dos tempos de hoje. Hoje a coisa é ainda mais complexa, hoje ser normal se tornou chato.
O novo é ser muitos ao mesmo tempo, um tempo em que tudo é efêmero. Muitas vezes me pego pensando em tudo junto e em mais um pouco, sem nunca chegar a uma conclusão. O questionamento virou a pulga no sapato dos adultos, dos antigos sensatos. Mas o significado de sensatez também virou relativo. Essa pulga agora mora no tapete que o jovem puxou, o tapete que sustentava a linearidade e o conforto.
Não é à toa que Hebe também é conhecida como a deusa da imortalidade, porque alimentava os deuses e concedia a eles a força que não permitia que envelhecessem. As revoltas múltiplas fazem parte do processo necessário de revitalização, e que essa revitalização seja eterna enquanto dure, e que dure para sempre.
O curioso caso de José da Silva Button
Helena Benfica (4º ano de Rádio e TV)
OLÁ, ME CHAMO José da Silva Button, mais conhecido como Button. Minha vida foi muito diferente das outras pessoas, apesar de também ser um típico brasileiro.
Meus pais me abandonaram logo quando nasci e, por isso, fui adotado num asilo. Isso, mesmo, num asilo, pois na minha cidade não tinha orfanato, creche, essas coisas. Lá era um lugar tão “antigo”, que não havia crianças, somente adultos e idosos. Por isso, o único espaço em que pude ser adotado foi num asilo, tendo a oportunidade de ser idoso quando bebê. Lá vivi por até os meus cinco anos, quando fui vendido para um senhor.
Todavia, ele era o dono de uma mina de carvão, em que os trabalhadores eram crianças que faziam trabalho escravo para poder ajudar no sustento da família. Com isso, descobri o trabalho duro desde criança, além de ser tratado como um adulto. Quando viajávamos clandestinamente, chorava ao ver outras crianças brincando, pois desejava fortemente estar no lugar delas. Assim fiquei nessa vida até os meus treze anos de idade, quando resolvi fugir de lá.
Andei por muitos quilômetros a pé até chegar numa cidadezinha próxima. Lá conheci Sofia, com quem me casei e tive filhos. Contudo, não nos casamos necessariamente por amor, mas sim por segurança, pois tínhamos a mesma idade e com um único objetivo em mente: ter melhores condições de vida e segurança financeira.
E desse jeito fomos levando nossas vidas, até que, quando tinha meus vinte anos, já estava com minha vida familiar em ordem: casado, com uma boa moradia, filhos pequenos na escola, etc. Alguns anos depois, quando tinha uns trinta e poucos anos, já pagava faculdade para os meus filhos, enquanto outros da minha idade começavam a serem pais.
Quando cheguei à casa dos quarenta, minha vida já estava diferente: separei-me da minha esposa, meus filhos já estavam formados, morava sozinho e, claro, resolvi começar a estudar. Assim, entrei no Mobral e aprendi tudo o que não tive a oportunidade de conhecer quando criança.
Ao longo dos anos, com meus cinquenta anos, tinha uma vida típica de adolescente: estudava à noite, saía com a mulherada, bebia muito e, óbvio, tinha as minhas grandes paqueras. Até pensava em fazer faculdade.
Lá para os sessenta anos, rejuvenesci ainda mais, pois adorava brincar com meus netos, minhas paqueras ficaram mais tímidas, além de ser louco por videogame e doces. E, cada vez mais, fui me transformando numa “criança pequena”, pois comecei a desaprender coisas básicas, como andar, ir ao banheiro sozinho, minha memória ficou mais fraca, etc. Vejo meus netos crescendo e eu decrescendo.
Hoje, por volta dos meus noventa anos, voltei a morar num asilo e, para surpresa de todos, a ser um bebê, pois uso fraldas, as enfermeiras me dão banho e me alimentam, não sei mais andar sozinho (só ando na cadeirinha de rodas, ou com alguém segurando meus braços ) e durmo bastante. E, quando avalio minha vida, vejo que “nasci velho e me tornei jovem ao longo dos anos”.
Assim, num outro dia, um rapaz me perguntou se eu fui feliz na minha vida. Bem, se realmente fui feliz eu não sei dizer, mas afirmo, de coração, que ela valeu a pena, pois quando tive a oportunidade de ter uma vida de jovem, já tinha a maturidade e experiência de um adulto. E, hoje, tenho o tratamento de um bebê, mas a sabedoria de um idoso.
Mas, acima de tudo aprendi que não é a idade que faz uma pessoa se tornar jovem, mas sim é o espírito e o coração que sustentam e fortalecem a força da juventude.
Doralice na Rua Augusta
André de Oliveira
PORRA! Doralice acaba de dispensar seu décimo terceiro namorado. Seus relacionamentos, desde os 14 anos, são assim. Duram meses; no máximo, ano. Por que, então, ela continuava a tentar namorar?
Namoro, casal, vida à dois, cumplicidade, dia dos namorados, chocolate, urso de pelúcia, cartinha, SMS, coraçãozinho no Facebook, foto de beijnho, relacionamento sério, jantar romântico, luz de velas, Paris, Billie Holyday, ciúme, os amigos dele, a família dele, o quarto, a casa, as amigas dela, a viagem dos sonhos.
PORRA! MAS QUE MERDA! Doralice odeia fazer parte de um casal. Mas é quase uma compulsão: O garoto está encostado na parede. Cabelo ondulado/óculos/barba por fazer/ar indefeso. Quantos não existem desses? Milhares. E ela lá. Os dois lá. Naquela balada tediosa, escura e com música alta. ACHO QUE VOU DAR PRAQUELE CARA. Mas não. Ela não consegue. Se aproxima e, inevitavelmente, é romântica.
Doralice nunca deu por dar, mas como queria. Vê um negão na rua e pensa rapidamente em dar uma trepada. Doralice, classe média. ESTÚPIDA.
Doralice nunca transou com um preto. Doralice nunca transou com um japa. Doralice nunca transou com um índio. Doralice nunca transou com um nordestino. Doralice já transou com um europeu e com um argentino. Doralice sempre transa com caras cabelo ondulado/óculos/barba por fazer/ar indefeso. PORRA! Por essas e outras, Doralice se tortura.
Ela está lá, sentada na mesa do bar, depois de ter dispensado o décimo terceiro namorado, pensando que ela não consegue nem lembrar do nome do primeiro. MAS QUE MERDA, DORALICE.
O que acabou de ir embora era especialmente bonito, mas, como todos os outros, tinha cabelo ondulado/óculos/barba por fazer/ar indefeso. Doralice, se fosse homem, também teria cabelo ondulado/óculos/barba por fazer/ar indefeso. Nas férias de janeiro, viajaria para Machu Picchu e subiria toda aquela merda de montanha à pé, tiraria foto da cara dos indiozinhos, mascaria folha de coca e voltaria com as energias espirituais renovadas.
Doralice, eu bem que te disse, amar é tolice, é bobagem, ilusão. MAS QUE MERDA. Quantas vezes um menino cabelo encaracolado/óculos/barba por fazer/ar indefeso, não tinha cantado essa porra de música para ela? SEU IMBECIL. Não. Ela olha meiga, dá beijinho, fala te amo.
O namorado que tinha acabado de ir embora, chora um pouquinho. Doralice também. Chora lágrimas de crocodilo, como dizem por aí. João, Guilherme, Pedro, André, Alexandre, Hugo, Vinicius, Tomás, Tiago. Tudo a mesma merda.
Doralice queria uma aventura. Uma boa trepada. Olha em volta.
Está em um boteco ridículo. Rua Augusta. QUE TIPO DE PESSOA EU SOU? Dispensou o namorado em um boteco ridículo na Rua Augusta! PORRA! Doralice detesta a Rua Augusta, detesta.
Doralice volta todo fim de semana para a Rua Augusta. Se arrasta (sempre pregada ao seu amorzinho) de boteco ridículo em boteco ridículo. As paredes azulejadas, o chão encardido, os freqüentadores porcos, a musica horrível, a paisagem tenebrosa.
Doralice não pode escapar da bolha da Rua Augusta. No máximo, vai até uma Voodohoop. Festa itinerante. Gente interessante. Milhares de meninos cabelo ondulado/óculos/barba por fazer/ar indefeso. QUEM FOI O FILHA DA PUTA QUE INVENTOU A JUVENTUDE? A juventude é uma merda, Doralice.
O garoto, décimo terceiro namorado, já tinha ido embora há uma hora. Doralice continua plantada na cadeira. A cerveja esquentando, o cigarro no fim. Dá uma boa olhada em volta. Menino cabelo ondulado/óculos/barba por fazer/ar indefeso por todas as partes.
QUE MERDA DE NOME! A culpa, pensa todas as vezes em que dispensa um namorado, é do seu nome. Doralice. QUE MERDA DE NOME! A mãe, aquela perua pseudo intelectual, que não perde uma porra de uma Festa Literária de Paraty, é uma vaca mesmo. DORALICE! QUE MERDA! Como se o nome significasse alguma coisa. Podia ser uma Doralice drogada, vadia, arrombada. O caralho!
Doralice é o nome da música que o João Gilberto desenterrou do fundo do baú das suas memórias da rádio que ouvia em Juazeiro (BA). Doralice sabe disso. Leu no livro do Ruy Castro, que o oitavo namorado deu pra ela. “Doralice, meu amor, blá, blá, blá (…) Um beijo carinhoso, oitavo namorado de cabelo ondulado/óculos/barba por fazer/ar indefeso”. VOU QUEIMAR ESSE LIVRO QUANDO CHEGAR EM CASA. Não, não vai.
Doralice olha para o garçom. Quer trepar com o garçom. Quer dizer isso para ele. Baiano, nordestino, cabeça achatada, pele morena, sotaque engraçado. EU QUERO TREPAR COM VOCÊ, SEU NORDESTINO TESUDO. Aquele sim. Deve ter uma pica de ouro. Não aguentava mais foder ao som de Billie Holyday. Pétalas de rosa, tudo com muito carinho e amor.
Doralice chama o garçom:
– Por favor, a conta.