Emmanuele Riva apresenta uma personagem de força impressionante
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O que Ernest Hemignway fez em 1951 com O Velho e o Mar, sua obra prima, Michael Haneke faz com Amor, uma representação simples, fiel e sincera da existência humana em toda a sua fragilidade. É um filme assustador e – apesar de belo –  torturante de assistir. Ele sutilmente te consome, e de repente, já se apoderou de você completamente, assim como a obra que rendeu a Hemingway o Pulitzer e o Nobel de Literatura.

Georges e Anne formam um casal octogenário de ex-professores de música que vive em Paris. Tudo vai bem até que ela tem um derrame. Logo na primeira cena, os bombeiros arrombam a porta e descobrem Anne morta na cama com flores espalhadas sobre seu corpo. Nas pouco mais de duas horas de filme, acompanhamos em flashback a degradação física e psicológica dela e as tentativas de Georges de cuidar da esposa até o inevitável fim.

Austríaco, Haneke moldou sua carreira escrevendo e dirigindo filmes sobre violência. Amor não é exceção. É um trabalho sujo, mas alguém tem que fazê-lo.  Neste filme ele não está tão interessado no choque ou na provocação. Nesta obra, a melhor que ele já fez, o amor entre os dois personagens é severamente testado e o espectador acompanha esse teste nos mais íntimos – e terríveis – detalhes. É uma representação sincera da vida e da morte. E de tudo o que há entre os dois.

Ao contrário do enigmático Caché e do vencedor da Palma de Ouro A Fita Branca, não há mistério em Amor. Desde a primeira cena sabemos que Anne está morta, mas isso não diminui o impacto da obra como um todo.

A idade não é para os fracos, nem este filme. Os atores, Emmanuele Riva e Jean-Louis Trintignant, ambos acima dos 80 anos, se despem do glamour da época em que foram os galãs de Hiroshima Mon Amour e O Conformista respectivamente, para encaram corajosamente os papéis mais difíceis de suas carreiras. A beleza deles já se esvaeceu, mas continua brilhando de dentro, aceitando as certezas da idade e a desintegração do ego.

Haneke continua sendo o mesmo Haneke de sempre e isso é perigoso. Na primeira cena que vemos o casal, eles estão em um concerto de um dos ex-alunos de Anne. Não vemos o piano, só ouvimos a música que está sendo tocada. O diretor está atrás de algo mais objetivo do que isso. Ele quer que nós os encontremos no meio da multidão. O que nos lembra, também, que no fim somos todos membros de uma audiência maior.

Quieto, belo e devastador, Amor nos convida à experiência do cinema – em toda a sua capacidade de entreter, de maravilhar e de nos fazer sonhar – como a imutável e infinita plateia da humanidade. No fim, os bombeiros podem arrombar a nossa porta. No fim, estamos aqui só de passagem.