Uma bandeira francesa boia ao mar. Com um movimento leve, a câmera submerge das águas e um navio aparece em cena, acompanhado de uma trilha imponente e orquestral. Assim está descrita a fórmula utilizada em Os Miseráveis. O diretor Tom Hooper não mede esforços em fazer um “grande” filme em todos os sentidos – duração, figurino, elenco, roteiro – tendo como resultado um bom musical, mas sem singularidades que o descrevam com tal grandeza. Como cenário, temos a França do século XX, entre os períodos de 1815 e 1832, onde o grande destaque histórico recai sobre a Revolta de Paris de 32, com as barricadas da Rua Saint-Denis. Mesmo sendo apenas o pano de fundo, vale pelo fator conhecimento.
A história adaptada da produção homônima da Broadway (esta baseado no livro do famoso autor francês Victor Hugo) narra a história de Jean Valjean (Hugh Jackman) e sua tentativa de reconstruir a vida, perdida pelos 19 anos de prisão sob a supervisão do temido inspetor Javert (Russel Crowe). Eliminando os indícios do cárcere, Valjean se torna novamente alvo do inspetor e sua busca por justiça. A atuação do par demonstra um duelo de iguais, e não um embate entre o mocinho e o suposto vilão. A atuação de Russel Crowe se mostra tímida no início, mas gradativamente se eleva até o ápice de seu personagem que incorpora um senso de justiça que chega a assustar.
E o que falar de Jackman? Como é possível um ator de tamanho profissionalismo ter atuações tão pífias e esquecíveis (vide Wolverine Origens) e outras tão belas de se ver e ouvir? Felizmente, em Os Miseráveis, ele faz jus à segunda opção. Enganam-se aqueles que acham o ator só músculos, pois, pelos menos na obra, mostrou-se alguém que exprime os sentimentos de forma intensa. Valjean é um homem dopado pela angústia de uma vida que não merecia e Hugh Jackman mostra isso nas cenas. Sem dúvida, uma de suas melhores atuações.
Anne Hathaway é a delicada Epopine, moça que, após ser despedida, tem que se prostituir para enviar dinheiro à filha, Cosette, – que posteriormente é acolhida por Jean – consegue arrepiar. A decadência dá moça inocente para o submundo das ruas e sua consciência do estado em que se encontra é fabulosa. Cantando I Dreamed A Dream, Hathaway chama todas as atenções para si, e por três minutos torna-se a grande protagonista do filme. Coadjuvante, não mesmo. Na literatura, o casal Thénardier – a família que tem sob seus “cuidados” Cosette, antes de ser acolhida por Jean Valjean – são retratados como seres repulsivos e gananciosos, algo não esquecido na adaptação cinematográfica, mas amenizado. Interpretados comicamente por Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, os Thérdier conseguem tirar boas gargalhadas do público, equilibrando muito bem o desenvolvimento da narrativa.
Como ponto fraco, Amanda Seyfried (Cosette mais velha) teve uma atuação nula. Não agrada e nem desaponta – diferente de sua imagem mais jovem, interpretada por Isabelle Allen, que mostra ter futuro como atriz. O mesmo para Eddie Red Mayne (Marius, grande amor de Cosette) que constroi uma bela história de amor com Seyfried, mas sem muita emoção. Já Samantha Barks (como Epopine, irmã de criação de Cosette) faz sua estreia nas telonas e não desaponta. Cantora profissional tem o seu momento de brilho e faz um ótimo trabalho.
Hooper correu um risco ao adaptar uma adaptação, e o real sentimento que a obra literária Os Miseráveis quer passar (mais revolucionário do que amoroso) talvez fosse apagado. Porém, ocorreu foi ao contrário. As vozes e cantos vistos em cena elevaram o espirito revolucionário pretendido a outro nível. Feche os olhos e, literalmente, sinta a luta pela liberdade. Não é o melhor musical, mas levou ao limite o poder que a música pode ter dentro de um contexto cinematográfico.
O figurino é outro ponto alto da obra. A imersão em uma França desgraçada pela pobreza de muitos e riqueza de poucos é complementada pelos vestuários bem trabalhados e que demostram a não falta de esforços para realizar um trabalho impecável. E a música? Já que é um musical este fato é algo que deve ser levado muito em consideração… É boa, mas podia ser melhor. Os atores estão afinados e as encenações que ocorrem durante as “apresentações” são bastante bonitas, porém em alguns momentos parece que toda a trilha está baseada na melodia de I Dreamed a Dream. Nada que estrague o espetáculo. Para alguns, também, os diálogos cantados podem passar a imagem de algo lento e monótono, porém houve a preocupação de se produzir um filme com muito movimento, que sempre chama a atenção do público. Hooper nos convida a ver um musical em tela grande. Está de parabéns.