Desde 2017, o Prof. Dr. Rodrigo Daniel Sanches vem alertando para o uso de termos como “normal” e “perfeito” na publicidade, nas redes sociais e na mídia em geral, e como isso impacta a relação da mulher com o seu corpo na atualidade. Professor universitário, Doutor em Psicologia e Mestre em Comunicação e Semiótica, Rodrigo já falou sobre o tema em mais de 50 palestras para profissionais da saúde e comunicação, além de trazer o debate em entrevistas à Folha de S. Paulo, Jornal O Globo, TV Cultura, Jornal da USP, Rádio CBN e Rádio USP. Na Cásper, abordou o tema em dois eventos: A imagem do corpo feminino na mídia: idealização corporal, publicidade e saúde mental e Corpus Alienum – efeitos da estética da magreza e do liso na formatação da imagem corporal feminina e, hoje, desenvolve sua pesquisa de Pós-Doutorado na instituição.
Qual é o impacto do discurso midiático sobre corpo feminino, beleza e perfeição para a mulher contemporânea? Em sua análise, o pesquisador discute o discurso midiático das dietas e boa forma, a partir do momento em que o grupo O Boticário decidiu retirar os termos “normal” e “perfeito” das embalagens, rótulos e comunicações para evitar o reforço de padrões estéticos femininos. “Pele perfeita”, por exemplo, é um termo que poderá não ser mais utilizado.
O pesquisador fala sobre a importância da discussão do tema na entrevista a seguir.
O interesse pelo tema surgiu ainda no doutorado em Psicologia na USP, quando decidi pesquisar sobre o discurso midiático das novas dietas. Enquanto caminhava com a pesquisa, ficou claro para mim que o que chamo de “texto midiático das dietas, beleza e boa forma” é direcionado principalmente às mulheres. Daí a necessidade de investigar e compreender a forma como o corpo feminino é abordado em diversos espaços midiáticos, desde uma revista impressa, uma imagem de uma celebridade em um shopping até as redes sociais. E como esse discurso pode afetar a saúde mental da mulher na atualidade (que é um dos fatores que investigo no pós-doutorado).
É um assunto complexo, dinâmico e desafiador. E também um tema muito delicado. Quando falamos sobre corpo, é preciso compreender que nós estamos no mundo com o nosso corpo. Nossos valores e comportamentos estão, de certa forma, expressos em nosso corpo. Logo, o corpo não pode ser visto apenas do ponto de vista biológico, mas também simbólico. Em minhas palestras, não é raro mulheres que expõem traumas ou relatam que foram duramente criticadas em algum momento da vida por terem engordado, por causa dos cabelos brancos ou por não ostentarem determinado padrão corporal. E algumas relatam transtornos alimentares. Como disse, é um tema delicado, pois incide diretamente sobre a autoestima das mulheres de todas as idades.
A indústria da beleza (e aqui podemos incluir as grandes marcas de cosméticos, os procedimentos estéticos e cirúrgicos, as dietas, as blogueiras fitness, etc.) propõe padrões estéticos inalcançáveis para a grande maioria das mulheres. São imagens, textos e vídeos de corpos magros, sem dobras, manchas ou rugas – sem imperfeições. Mesmo quando há corpos com outras características, ainda assim há uma “idealização” do formato, da mancha, de uma ou outra característica corporal.
Outro aspecto importante desse discurso é reforçar a todo momento que só é feliz ou alcança o sucesso pessoal e profissional a mulher que ostenta determinados padrões. Há também os modismos – em determinado momento são seios grandes, em outros, seios pequenos. Como se o corpo pudesse ser moldado e modificado sempre que surge uma nova moda. Logo, quem não apresenta determinadas características (como ser magra, entre outras) estaria fadada a ser infeliz. É como se sempre estivesse faltando algo. Isso é uma violência simbólica contra as mulheres. E, na busca por padrões irreais de corpo, muitas mulheres adotam dietas que aparecem na mídia, tomam chás que se dizem milagrosos, ignoram os riscos das cirurgias estéticas. E, sem a ajuda de um/a profissional sério/a, que trabalha com as boas práticas e evidências científicas, acabam desenvolvendo transtornos alimentares, depressão e ansiedade. Há ainda as mulheres que morreram em decorrência da complicação de cirurgias estéticas.
Na minha análise, o assunto ainda é pouco discutido. Precisamos abordar o tema com as crianças e adolescentes. Precisamos falar sobre educação midiática. Nossas crianças não têm repertório para lidar com o discurso midiático das dietas, beleza e boa forma. Veja a fala recente da atriz Emma Thompson. Em um evento, ela desabafou sobre como as mulheres sofrem uma lavagem cerebral para odiar o próprio corpo. Como disse a atriz, tudo o que nos rodeia nos relembra o quão imperfeita são as mulheres (aqui, incluo a mídia e o discurso midiático da beleza).
Uma grande marca de cosméticos decidiu banir, a partir de 2024, expressões como “pele perfeita” ou “corpo perfeito”. Mas criou a expressão “#BumbumPessegura”. Primeiro, por que apenas a partir de 2024 e não agora? Segundo, qual a diferença entre “corpo perfeito” e “#BumbumPessegura”? Pensando no discurso midiático, elas têm mais em comum do que pode parecer à primeira vista. Trata-se de uma linguagem que está sempre vociferando para a mulher que algo precisa ser retocado, alterado, manipulado, para alcançar um padrão que não condiz com a realidade. Urania Tourinho Peres, no posfácio da edição brasileira da obra “Luto e Melancolia” (2011), de Sigmund Freud, adverte que da mesma maneira que não encontramos dois corpos iguais, dois rostos iguais, também não encontramos duas almas, mentes ou psiquismos iguais. O corpo que cada um habita é sui generis. Quando o ser humano for respeitado em sua pluralidade, independente do formato corporal, poderemos dizer que avançamos na discussão sobre o tema.
O pós-doutorado é um período importante na carreira de um pesquisador. É um momento de aprofundar a pesquisa. No pós-doutorado, sob supervisão da Profa. Dra. Simonetta Persichetti, decidi investigar a relação entre as imagens presentes no discurso midiático das dietas, beleza e boa forma e saúde mental. A pergunta é: as imagens dos corpos idealizados podem ser patogênicas? Com base no tema, em parceria com a Profa. Persichetti, organizei o curso “A imagem do corpo feminino na mídia: publicidade, idealização corporal e saúde mental”. A primeira edição ocorreu em parceria entre os PPGCOMs da Cásper e da Universidade Federal do Ceará (UFC). A segunda edição, aberta ao público geral, ocorreu no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (CPFSesc). Ainda como resultado do pós-doutorado, organizamos o livro “Mídia e Comportamento: relações entre comunicação e saúde mental” (Persichetti, S.; Sanches, R. D.; Schaufelberger, M. S.; Editora Cásper, 2021), que reuniu pesquisadores da área da comunicação e saúde para abordar a intricada e nem sempre perceptível relação entre Comunicação e Saúde Mental.
Há ainda outros cursos e participações em eventos da área da comunicação e da saúde, como o que ministrei no PPGCOM da Cásper (Corpus Alienum – efeitos da estética da magreza e do liso na formatação da imagem corporal feminina). No aspecto pessoal, o contato com outros pesquisadores/as, alunos/as de graduação e pós é sempre motivo de crescimento e aprendizado. Fazer uma pós-graduação, pesquisar um tema, participar de eventos científicos, publicar artigos – tudo isso é importante; mas não podemos deixar de lado a convivência que nos torna mais humanos. Pesquisar é também um ato de empatia, amizade e colaboração.