A ele é atribuída a paternidade do movimento punk no Brasil, embora se considere um rocker. Segue uma entrevista com Clemente Nascimento, 50 anos, importante ativista cultural da cena paulistana. Marcamos o encontro para em uma segunda-feira de novembro, às 20h. Gravamos em um dos estúdios da Rádio Gazeta – você pode conferir a conversa em duas partes nos links abaixo – por cerca de 30 minutos. Ao final do bate-papo pautado nos rumos do movimento punk, na cena cultural de São Paulo e nos caminhos da música no Brasil, percebi que Clemente Nascimento estava irrequieto; o assunto ainda rendia mesmo depois de apagada a luz vermelha “on air”. Definitivamente, Clemente queria falar mais. “Estou com fome”, disse ele. “Podemos continuar essa conversa comendo alguma coisa aqui na Paulista”, sugeri. Paramos num bar da Rua Joaquim Eugênio de Lima e a entrevista, agora bem mais informal, seguiu por mais de uma hora.
Clemente, antes do punk que se tornou por força de afinidades musicais e não necessariamente ideológicas, quase virou pugilista por influência do pai. Visitou uma escolinha de boxe, quando adolescente, no bairro do Ibirapuera. Ao chegar, viu uma edição do jornal “A Gazeta Esportiva”, largada sobre uma mesa, com a foto de um campeão de boxe estampada na capa. E justamente o vencedor daquela luta – de cujo nome ele não se lembra – entrou logo em seguida na academia onde estava. Clemente olhou para o campeão com certo deslumbramento até perceber o rosto desfigurado pelo embate da véspera. Virou para o amigo que estava com ele e disse: “Este é o cara que ganhou. Imagina o que perdeu.” Aquelas escoriações na face do atleta foram decisivas para que ele deixasse o local apressadamente e abortasse o desejo do pai de um dia vê-lo boxeador.
Desiludido com o boxe, ele ainda tentou a sorte no futebol, mas foi vetado numa escolinha na Aclimação após exame oftalmológico. Ninguém joga bola usando óculos, pelo menos foi o que lhe disseram na ocasião. Optou pela guitarra e depois pelo contrabaixo quando então entrou para a banda Inocentes, ativa até hoje – são 32 anos de estrada – depois de rápida passagem por “Restos de Nada” – sua primeira banda – e “Condutores de Cadáver”. Com os Inocentes, assinou contrato com uma grande gravadora nos anos 1980 e divulgou o punk no Brasil descrevendo, sob a inspiração de escritores como Vladimir Maiakóvski e Albert Camus, o desalento dos garotos do subúrbio – especialmente os do Bairro do Limão e Freguesia do Ó – e a falta de perspectiva daquela juventude.
Escrevia desafiando as lâminas da censura. “Miséria e Fome”, por exemplo, teve todas as faixas censuradas pela Ditadura Militar em 1982. Mesmo assim, foi rotulado pela ala radical como “traidor do movimento”. Como ele mesmo diz, “não há ´punk card`, alguém tem que pagar as contas no final do mês”. Então, mãos à obra! Além de compor e cantar, Clemente também promoveu a cena musical paulistana em projeto da TV Cultura – Musikaos – e ao atuar em Secretarias de Cultura tanto na esfera municipal, quanto estadual. Atualmente é diretor artístico e apresentador do programa Show Livre exibido pelo canal MSN na internet, onde abre espaço para novos artistas – punks, rockers, sambistas, nomes da nova MPB, do hip hop, entre outros estilos. Clemente reclama da falta de espaço na grande mídia para o rock nacional. Também questiona a falta de um circuito alternativo estruturado e, acima de tudo, confiável. Curiosamente, o “pai” do punk autodenomina-se rocker, por não concordar com os rumos do movimento. Há mais contradições do que certezas após quatro gerações punks.
Acompanhe nos links abaixo o áudio com a entrevista com Clemente Nascimento. Na primeira parte, os primórdios do movimento em São Paulo, a inspiração para as letras e a relação com a censura. Na segunda, os rumos e contradições do punk, as razões para músicas como “Patria Amada”, por exemplo, 30 anos depois, soarem tão atuais e a perspectiva de produção cultural no Brasil.
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